Kim e Moon fizeram História mas o trabalho duro começa agora

Com os olhos do mundo sobre eles, os líderes coreanos proclamaram o início de “uma nova era de paz” e a “total desnuclearização” da península. Porém, é outra a cimeira crucial – “o verdadeiro clímax será o encontro Trump-Kim”.

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Na cimeira que reuniu Kim Jong-un e Moon Jae-in foram poucos os momentos desprovidos de simbolismo. Da recepção do Presidente da Coreia do Sul ao líder da Coreia do Norte na fronteira, ao momento em que Moon transpôs a linha de demarcação para Norte e Kim para Sul, do pinheiro que os dois ajudaram a plantar e regaram aos pratos que foram servidos no banquete de encerramento do encontro, tudo foi pensado, preparado e executado para gritar ao mundo que a História passou nesta sexta-feira pela zona desmilitarizada da Península da Coreia.

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Na cimeira que reuniu Kim Jong-un e Moon Jae-in foram poucos os momentos desprovidos de simbolismo. Da recepção do Presidente da Coreia do Sul ao líder da Coreia do Norte na fronteira, ao momento em que Moon transpôs a linha de demarcação para Norte e Kim para Sul, do pinheiro que os dois ajudaram a plantar e regaram aos pratos que foram servidos no banquete de encerramento do encontro, tudo foi pensado, preparado e executado para gritar ao mundo que a História passou nesta sexta-feira pela zona desmilitarizada da Península da Coreia.

“Fiquei contente por saber que nos reuniríamos neste lugar histórico e é realmente comovedor que tenha percorrido todo este caminho para me receber em pessoa”, agradeceu Kim pouco depois de um longo e nervoso aperto de mão a Moon. “Tomou uma grande decisão em vir até aqui”, respondeu-lhe o Presidente sul-coreano.

A cimeira que pela primeira vez desde 1953 compreendeu a passagem de um líder da Coreia do Norte por território sul-coreano superou largamente as expectativas mais optimistas que os últimos meses trouxeram ao congelado conflito coreano, depois de um ano de 2017 rico em ensaios nucleares e balísticos norte-coreanos, acusações sul-coreanas, lamentos japoneses e ameaças norte-americanas.

Entre risos, abraços e trocas de elogios, Kim e Moon anunciaram o ponto final em mais de seis décadas de guerra e prometeram trabalhar em conjunto para a “total desnuclearização” da península.

O mote para estas ambiciosas metas foi dado por Kim Jong-un, que no livro de visitas da Casa da Paz de Panmunjon – a aldeia onde teve lugar grande parte do encontro e onde foi assinado o armistício que suspendeu a Guerra da Coreia há 65 anos – escreveu: “Uma nova História começa aqui”. E foi apresentado aos coreanos e ao mundo logo no segundo parágrafo de uma declaração conjunta histórica: “Os dois líderes declaram perante o seu povo de 80 milhões de pessoas e perante o mundo inteiro que não haverá mais guerra na península da Coreia”.

Através daquele documento, os representantes máximos dos dois países – tecnicamente em guerra – comprometeram-se ainda a cessar todas as actividades militares hostis, a iniciar um desarmamento faseado, a transformar a zona desmilitarizada numa “zona de paz” e a promover negociações multilaterais com países como a China e os Estados Unidos. Todas estas promessas proclamadas com a perspectiva da assinatura de um acordo de paz, ainda este ano, que estabeleça uma coexistência pacífica “permanente” e “sólida”.

“A sua visita faz da linha de demarcação militar um símbolo de paz, não de divisão. Teremos finalmente o diálogo que não fomos capazes de ter durante a última década”, celebrou Moon Jae-in. 

Não é a primeira vez que líderes das duas Coreias se comprometem com a paz. Em 2000 e 2007 houve declarações nesse sentido, mas Pyongyang e Seul falharam em dar continuidade a essas intenções. Desta vez, promete Kim, o desfecho será outro. “Faremos esforços para que possamos garantir que o acordo que hoje assinámos perante o mundo inteiro não será apenas um começo, como foram os acordos anteriores”, afiançou o líder norte-coreano.

Satisfação e reserva

A realização do encontro e a mera enunciação das intenções dos dois líderes consubstanciam, só por si, um dado histórico nas relações inter-coreanas. Mas o que se pode alcançar é de tal forma disruptivo com o statu quo da região, que torna ainda mais forçosa a sua concretização. Nomeadamente no que toca à intenção de desnuclearização da península.

Em jogo está a interpretação que cada um dos actores com interesses na região faz do termo ‘desnuclearização’. Para os EUA e seus aliados, aquela presume a renúncia da Coreia do Norte a todas as armas nucleares e sistemas de mísseis que possui – e que testou com repetidamente durante o último ano.

Do ponto de vista de Pyongyang, o que está em causa é uma situação em que os norte-americanos procedem ao desmantelamento do seu guarda-chuva nuclear que protege a Coreia do Sul e o Japão. Uma hipótese que Washington, Seul e Tóquio não vêem com bons olhos, se não tiveram garantias de Kim Jong-un.

“Kim diz que quer a paz e a desnuclearização, mas o que isso significa para ele não será aceitável para Coreia do Sul e para os EUA”, disse ao Guardian Van Jackson, um ex-conselheiro do ministério da Defesa norte-americano.

À excepção de Donald Trump, que num primeiro momento celebrou o desfecho da cimeira coreana com alarido – escrevendo no Twitter que a “Guerra da Coreia vai acabar” e que os EUA “devem sentir-se orgulhosos com o que está a acontecer” –, a grande maioria dos líderes e porta-vozes mundiais, mesmo demonstrando satisfação com a declaração conjunta e elogiando a coragem de Moon e de Kim, fizeram questão de demonstrar as suas reservas quanto à tomada de passos concretos para o desarmamento nuclear efectivo da Coreia do Norte.

A reacção do vice-presidente norte-americano foi sintomática. “Quaisquer conversas, promessas e garantias vindas da Coreia do Norte serão tratadas com reserva, vigilância e verificação. O planeamento da cimeira entre EUA e Coreia do Norte continua, mas a campanha de pressão [sobre Pyongyang] permanece inalterada”, garantiu Mike Pence, em comunicado.

Na mesma linha, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou que “a resolução da crise ainda está longe” e defendeu a manutenção das sanções económicas à Coreia do Norte. “[As sanções] permitiram criar a situação que conduziu ao encontro e penso que na região, como em todo o lado, a opinião geral é que é preciso manter a pressão”, disse, à margem de um encontro com os ministros dos Negócios Estrangeiros europeus, em Bruxelas.

Rússia, Japão e China também disseram aguardar com expectativa os passos seguintes.

Prelúdio da cimeira Kim-Trump

Entre os analistas o estado de alma não diverge do da comunidade internacional, sendo que o foco está mais incidido no encontro entre Kim Jong-un e Trump. Ainda sem data marcada – fala-se de Maio ou Junho – nem local definido, a cimeira que pode juntar o Presidente dos EUA ao líder da Coreia do Norte é vista como a derradeira provação das promessas de Moon e, particularmente, de Kim.

“[Moon e Kim] têm ambos o desejo de fazer com que isto resulte, mas para além de promover uma dinâmica para a reunião entre Kim e Trump, não consigo retirar nada de relevante deste encontro”, disse Van Jackson. 

A visão do antigo conselheiro é partilhada por Sue Mi Terry, do Center for Strategic and International Studies, que já tinha argumentado que “o Presidente Moon sabe que não importa o quão bem-sucedida possa ser a cimeira intercoreana”, uma vez que “o verdadeiro clímax será o encontro Trump-Kim”.

No mesmo comprimento de onda, David Albright – presidente do Institute for Science and International Security – diz que o encontro de ontem “lança as bases” para a cimeira entre Trump e Kim Jong-un, da qual se aguarda a “concepção de um roteiro detalhado com um plano concreto para desnuclearização da Coreia do Norte”.

“Como um jogo de xadrez, este movimento abre toda uma série de possibilidades, mas em muitos sentidos o verdadeiro trabalho duro começa agora”, remata o director do Carnegie-Tsinghua Center de Pequim, Paul Hanle.