A degeneração do laicismo

A religião não é um assunto privado, nem se poderia compreender o silêncio da Igreja em temas fraturantes.

Excluir, ignorar ou subestimar a importância das religiões nas sociedades modernas é negar a estas o direito de se pronunciarem sobre as questões morais, sociais e cívicas que interpelam hoje a consciência de todos. A autodeterminação religiosa, enquanto direito primário e inalienável, vai para além da liberdade de culto ou da educação fundada em valores religiosos, promove o apelo à intervenção social e enriquece o espaço das demais liberdades.

A hostilidade contra a relevância política e cultural da religião, qualquer que ela seja, demonstra a degeneração do laicismo no mundo atual. Em Portugal, a luta do Bloco de Esquerda contra as cerimónias e a presença de símbolos religiosos nas instituições públicas revela, por razões ideológicas, a tentativa de cercear a liberdade daqueles que legitimamente pretendem exercer um direito constitucional. Negar à comunidade a experiência de viver a sua fé através dos seus ritos e dos seus signos, supõe uma ingerência nos direitos individuais inconciliável com a noção de um Estado democrático de direito laico.

Hoje em dia, os Estados laicos só o são na proporção da sua intolerância, perderam a neutralidade e já não pugnam pela proteção das liberdades consagradas de forma inviolável na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas naturalmente que a liberdade de religião tem que estar em conformidade com a ordem social e a menção a Deus no preâmbulo de algumas Constituições é vista atualmente como uma manifestação dos valores humanísticos imanentes ao constitucionalismo e não necessariamente contraditória com a ideia de Estado laico.

Aliás, a encíclica Rerum  Novarum, escrita em 1891 por Leão XIII, mostrou uma nova direção da Igreja Católica aberta às reflexões sociais que, descolada do socialismo e do liberalismo, claramente influenciou o direito constitucional hodierno. A religião não é um assunto privado, nem se poderia compreender o silêncio da Igreja em temas fraturantes. Sempre que a mesma entenda pronunciar-se será para afirmar e defender indubitavelmente os valores que salvaguardam a dignidade da pessoa e que dão sentido à sua vida.

O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico

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