Desemprego real atingiu os 17,5% no final de 2017, o dobro do oficial

Entre os “desencorajados” que desistiram de procurar emprego, os indisponíveis para trabalhar, os trabalhadores em part-time à força e os chamados “ocupados” do IEFP, o desemprego real fixava-se nos 17,5%, no final de 2017, calculam investigadores.

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No final de 2015, Portugal somava 245 mil “desencorajados” e 122,5 mil “ocupados dos centros de emprego” Enric Vives-Rubio

E se aos chamados desempregados oficiais somarmos os desencorajados, os subempregados, os inactivos indisponíveis para trabalhar, porque estão doentes ou têm um familiar a seu cargo, por exemplo, e os chamados “ocupados dos centros de emprego”? Teremos uma taxa redimensionada que atira o desemprego real para valores muito acima das estatísticas oficiais: 17,5%, no terceiro trimestre do ano passado, contra os oficiais 8,5%. O cálculo foi feito pelos investigadores Frederico Cantante e Renato Miguel do Carmo, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Instituto Universitário de Lisboa, num trabalho de desocultação do verdadeiro impacto da crise na cada vez mais frágil e precária relação das pessoas com o trabalho.

Ao chamarem para esta “taxa de desemprego redimensionada” estes “conjuntos de pessoas que não contam” para os cálculos oficiais, os investigadores concluíram que, no pico da crise, no primeiro trimestre de 2013, o desemprego real subiu até aos 28,1% - muito acima dos históricos 17,5% admitidos então pelas estatísticas. E que os desempregados se mantiveram sempre acima dos 25% até ao primeiro trimestre de 2015, tendo gradualmente começado a decrescer até aos referidos 17,5% do final de 2017.

“Durante a crise foi-se mascarando a situação real de desemprego até por via de uma alteração de critérios estatísticos que levou à exclusão das estatísticas oficiais de várias realidades sociais ocultas”, constata Renato Miguel do Carmo, um dos coordenadores do livro Desigualdades Sociais: Portugal e a Europa, que vai ser lançado no dia 7 de Março, num colóquio comemorativo dos 10 anos de actividade do Observatório das Desigualdades.

Ao longo de quase 400 páginas, dezenas de investigadores do CIES procuram desocultar desigualdades persistentes na sociedade portuguesa que, como nota Renato do Carmo, “vão muito para além da questão do rendimento”. “Há muitas dimensões que contribuem para que as desigualdades em Portugal persistam e se reproduzam e o que se procurou foi identificar esses processos de produção de desigualdades em campos como a educação, a saúde ou o acesso à cultura e mesmo na emigração”.

No capítulo dedicado ao trabalho, os investigadores demoraram-se a analisar as situações limítrofes ao desemprego oficial, procurando tocar “o universo de pessoas que têm uma relação muito frágil com o mercado de trabalho”, como descreve Frederico Cantante, e cujos indicadores, diminuem a um ritmo muito mais lento do que a taxa de desemprego. Para chegarem a estas conclusões, os investigadores aceitaram a proposta feita em 2013 pela Organização Internacional do Trabalho e, para além do desemprego, mediram então a subutilização da força de trabalho na sociedade portuguesa. Assim, a partir das categorias presentes nos inquéritos ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE), aos desempregados (individuo sem emprego mas que o procura activamente e que está disponível para trabalhar), somaram quatro novas realidades.

“Inactivos desencorajados” aumentaram 82%

Uma delas integra os chamados “desempregados desencorajados”, ou seja, pessoas que nas três semanas anteriores à realização dos inquéritos não procuraram emprego por não acreditarem que o conseguiriam arranjar e que por isso foram “desviados” para a categoria inactivos. Este “desemprego desencorajado”, sublinham os investigadores, “consiste numa forma de anomia social, explicada pelo facto de os indivíduos deixarem de acreditar que podem (re)ingressar no mercado de trabalho. Ou seja, resulta de uma decisão subjectiva sobre as possibilidades de empregabilidade, informada muitas vezes por tentativas falhadas de inserção laboral”. E o valor desta categoria aumentou significativamente nos anos da crise, quase sempre acima dos 250 mil indivíduos, tendo mesmo ultrapassado os 300 mil no terceiro trimestre de 2014. Contas feitas para o arco temporal entre o início de 2011 e o período homólogo de 2013, estes “inactivos desencorajados” aumentaram 82%: de 142,7 mil para 259,5 mil.

Nas margens do desemprego, os investigadores incluíram ainda os subempregados, pessoas que trabalham a tempo parcial, não por decisão mas porque não arranjaram emprego que lhes permita trabalhar mais horas. “O subemprego é uma forma de inserção laboral mitigada, precária em muitos casos e indutora de situações de pobreza e destituição material”, sublinha o estudo. A terceira categoria, mais reduzida, é composta pelos chamados “indisponíveis para trabalhar”, ou seja, pessoas que procuram emprego mas que não estão disponíveis para trabalhar por terem um dependente a seu cargo, por exemplo.

O quarto grupo é formado pelos trabalhadores que foram chamados para os planos Ocupacionais de Emprego promovidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Se até 2011 o INE considerava que estes indivíduos inseridos nesses programas ocupacionais ou formativos eram classificados como desempregados, a partir daí eles passaram a ser incluídos na população empregada, induzindo assim uma subestimação estatística do universo de desempregados. Ou seja, contribuíram para a “deflação” artificial do desemprego”.

No final de 2015, contavam-se em Portugal 245 mil “desencorajados” e 122,5 mil “ocupados dos centros de emprego”. E desde então estes desempregados artificialmente classificados como inactivos não têm diminuído de forma muito expressiva, o que leva os investigadores a concluir que muito do emprego criado nos anos mais recentes absorveu, por exemplo, jovens que entraram pela primeira vez no mercado de trabalho.

Por outro lado, feitas estas contas, não espanta a conclusão que os recuos na taxa de desemprego oficial, a um ritmo superior ao da criação de emprego, se conseguiram à custa do aumento destas “situações híbridas, de margem”, como adjectiva Frederico Cantante.

Ao problema do desemprego oculto, Renato do Carmo soma a falta de qualidade do emprego que se tem vindo a criar nos anos mais recentes. “Era importante que estivéssemos a debater o facto de os novos empregos tenderem a ser muito precários e com níveis de protecção social muito baixos – e isto é um fenómeno transversal, não afecta só os jovens”, precisou. AO PÚBLICO, o investigador apontou as repercussões deste “emprego de má qualidade” na vida das pessoas mas também em termos de sustentabilidade da Segurança Social. “Há aqui um debate muito importante que não está a ser feito”.

Sublinhando que “Portugal é já dos países europeus onde esse tipo de relação precária com o trabalho é mais elevada”, Frederico Cantante lembra que “a maior parte dos indivíduos que acedem às prestações iniciais de desemprego foi porque cessaram um contrato a termo”. “Isso dá-nos uma ideia sobre a pressão que a precariedade contratual faz sobre o sistema providencial”, alerta. E, porque “no sector privado os precários já representam cerca de um terço dos trabalhadores”, Cantante conclui que seria de não deixar cair o propósito de discriminar positivamente os contratos sem termo, em sede de Taxa Social Única, e de fazer “a análise das empresas que mais recorrem ao trabalho precário e onde há mais rotatividade dos trabalhadores”. “Há muita discussão a ser feita a este nível.” 

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