Porque é que os portugueses não querem saber dos vinhos brancos melhores do que os nossos?

Em Portugal o desconhecimento de vinhos estrangeiros é particularmente triste porque é visto como um triunfo: “Para que é que eu preciso de vinhos estrangeiros quando nós temos tantos vinhos bons?”

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Nelson Garrido

Para acompanhar as nossas belas ostras há muitos bons brancos portugueses — sobretudo os verdes secos — que completam a festa, embora se tenha perdido um pouco o hábito de beber sempre vinho verde com marisco, preferindo-se a cerveja que, verdade se diga, também assenta que nem uma luva.

Os grandes países produtores de vinho — em que se inclui Portugal, obviamente — tendem a desconhecer os vinhos de outros grandes países produtores de vinhos. É verdade que uma vida inteira (de uma pessoa normal, não de um crítico de vinhos) não chega para conhecer todos os vinhos portugueses. Isto é cada vez mais verdade porque cada vez se produzem mais vinhos interessantes em Portugal, embora também seja verdade dizer que nunca se produziram tantos vinhos desinteressantes: correctos e bem feitos mas sensaborões, previsíveis, iguaizinhos e monótonos.

Cada vez que há provas cegas, os franceses identificam bem os vinhos franceses mas espalham-se ao comprido quando lhes dão vinhos italianos, espanhóis ou portugueses. Os italianos são um bocadinho melhores a identificar vinhos franceses mas continuam bastante pobres.

Em Portugal o desconhecimento de vinhos estrangeiros é particularmente triste porque é visto como um triunfo: “Para que é que eu preciso de vinhos estrangeiros quando nós temos tantos vinhos bons?”

Aplique-se a mesma fórmula a livros ou discos e percebe-se o tiro que se está a dar no pé. Mas nem é preciso ir para as artes. Basta ficar com os queijos. Não posso dizer que Portugal produz os queijos de ovelha mais deliciosos da Europa porque só conheço uma dúzia de queijos estrangeiros de ovelha. Temos um grande queijo de vaca (São Jorge) e alguns excelentes queijinhos frescos mas, de resto, pouco mais. A França tem dezenas de grandes queijos — alguns até não são de leite cru — e são todos diferentes, com diferentes graus de qualidade.

Sem conhecer esses queijos — um Brie de Meaux bem feito, um Comté Cyclamen, um Brillat-Savarin, um St Nectaire de leite cru, um Livarot, um Reblochon — está-se a perder um dos grandes prazeres da vida. Não se está a ser traidor. Está-se a mostrar que se sabe comer. Fica-se com mais respeito — e amor — pelos queijos portugueses quanto melhor se conhecem os estrangeiros. Nalguns casos (certos flamengos) as cópias até são melhores do que os originais (os Goudas holandeses).

Acontece o mesmo com os espumantes portugueses. Há alguns que são bons e originais mas nenhum deles consegue aproximar-se dos melhores Champagnes, que são às dezenas, de todos os estilos. Falar do Champagne como um todo é, cada vez mais, um disparate. Não se deve comparar alhos com bugalhos.

Eis alguns vinhos que acompanham ostras muito, muito bem: um Chablis, um Champagne (da Borgonha), um Sancerre, um Muscadet (do Loire), uma Manzanilla ou um Fino (da Andaluzia). Cada um destes vinhos é um mundo mas nem é preciso procurar os melhores e mais caros exemplares. Por 40 euros já se compra um Champagne delicioso. Por 25 euros compram-se bons Chablis. Por 20 euros compra-se um Sancerre decente. Por 15 euros compra-se o melhor Muscadet ou um bom Petit Chablis. E por 8 euros compram-se várias boas Manzanillas e vários bons Finos.

Beber sempre o mesmo vinho é uma tolice porque existem hoje em dia milhares de vinhos maravilhosos não só para provar como para beber. Um dos benefícios da União Europeia é precisamente poder comprar vinhos estrangeiros ao preço que os estrangeiros pagam por ele. Uma dúzia de garrafas custa à volta de 18 euros para enviar da França, Alemanha ou Itália para Portugal. De Espanha é mais barato ainda. Quem se lembra dos balúrdios que se pagavam na alfândega antes da adesão de Portugal abre cada garrafa com apetitosa gratidão.

Os vinhos franceses que mencionei são únicos porque são produzidos muito a Norte da França em climas bastante frios que não se assemelham aos nossos. Os outros produtores franceses também não conseguem fazer vinhos como aqueles, por muito que tentem. Não é uma questão de nacionalidade. Isso é um grande erro, uma grande ilusão. É uma questão de terroir, daquela vinha, naquele local, com aquele clima.

Portugal, como país relativamente pequeno que produz uma grande variedade de vinhos muito diferentes, teria a obrigação de compreender isto. Tecnicamente poder-se-ia tentar fazer vinho verde no Algarve. Mas para quê? Por muito bom que ficasse nunca ficaria tão bom como um bom vinho verde criado na terra que mais lhe convém.

É uma pena continuarmos assim, na nossa satisfeita ignorância.

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