Processo de Vila Franca de Xira já tem 54 pedidos de instrução

Vítimas contestam conclusões do Ministério Público e querem apuramento de responsabilidades em mais de 250 casos em que não foi identificada a estirpe contaminante.

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LM MIGUEL MANSO

Cinquenta e quatro vítimas do surto de legionella que, em Novembro de 2014, atingiu mais de 400 pessoas no sul do concelho de Vila Franca de Xira já apresentaram pedidos de abertura de instrução do processo. A maior parte são pessoas que ficaram com sequelas graves da “doença do legionário” mas que não viram reconhecida pelo Ministério Público (MP) a eventual relação dos seus casos com a estirpe da bactéria da legionella detectada numa torre de arrefecimento de uma indústria local.

Contestam, por isso, as conclusões do MP e reclamam diligências mais aprofundadas que permitam perceber por que é que em 251 dos 403 casos de infecção com a legionella registados em Vila Franca não foi possível recolher amostras adequadas ou estas não foram analisadas de modo a identificar a estirpe contaminante. Como consequência, estes 251 casos (alguns mortais) foram arquivados pelo MP, o que torna muito mais difícil a reclamação de eventuais indemnizações.

Certo é que a acusação deduzida em Março passado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Vila Franca de Xira responsabiliza nove arguidos – as empresas ADP Fertilizantes e GE Power Controls e sete administradores e técnicos das mesmas – por um conjunto de alegadas omissões que terão levado ao desenvolvimento e à propagação da estirpe ST1905 da bactéria da legionella. São, assim, acusados da prática de crimes de infração das regras de construção (punível com 1 a 8 anos de cadeia) e de ofensas à integridade física por negligência (moldura penal até 2 anos de cadeia).

Mas a posição do MP tem motivado muita contestação. Todos os nove arguidos requereram a abertura de instrução, considerando que “não há quaisquer indícios ou elementos de facto” que permitam afirmar que existe um nexo de causalidade entre o seu comportamento e a infecção das vítimas com a legionella. Defendem, por isso, o arquivamento do processo. Já a Câmara de Vila Franca de Xira também requer a abertura de instrução e que os arguidos respondam igualmente pela prática de um crime de poluição. E 44 vítimas (ou familiares) pedem a abertura de instrução por não se conformarem com o arquivamento dos seus casos com base no facto de a estirpe que os infectou não ter sido identificada ou ser diferente da detectada numa torre da ADP. Há mesmo quem estranhe que os casos de dois funcionários de uma empresa que fez manutenção nesta unidade fabril e que acabaram por morrer em Novembro de 2014 devido à legionella tenham tido enquadramento completamente diferente. Num caso, a estirpe foi identificada e é idêntica à encontrada na torre de arrefecimento. Está, por isso, entre as 73 situações que o MP atribui às “omissões” dos arguidos. No outro, como não há resultados de análises que permitam apurar qual foi a estirpe contaminante, o processo foi arquivado.

Este é, também, o caso da família de Generoso Costa, que residia no Forte da Casa, a cerca de um quilómetro da referida torre de arrefecimento e que foi uma das 14 vítimas mortais deste surto – o terceiro mais grave de sempre em todo o Mundo. Foi atendido duas vezes no posto médico local e entrou na Urgência do Hospital de Vila Franca de Xira na manhã de dia 8 de Novembro de 2014 com dores muito fortes. Faleceu menos de 24 horas depois com 66 anos de idade. De acordo com o requerimento da família “não foram efectuados outros exames que permitissem precisar exactamente qual foi a estirpe da bactéria” da legionella que o infectou. Essa análise exige a recolha de amostras de urina e de secreções respiratórias que, refere a família, foi feita. “Consta do processo que foram recolhidas na generalidade das vítimas mais de 400 amostras e destas apenas 152 foram enviadas para laboratório competente para analisar”, constata o requerimento apresentado, sublinhando que se desconhecem os motivos porque as amostras de Generoso Costa não seguiram este caminho e garantindo que nem a vítima, nem a família se opuseram a tal. Por isso, Carla Sofia Silva, advogada que representa esta família, sublinha que Generoso Costa teve “exactamente os mesmos sintomas” das vítimas em que foi identificada a estirpe ST1905 e que, nessas condições, o tribunal pode concluir que existe também uma relação de nexo-causalidade entre a sua morte e os factos ligados à torre de arrefecimento da ADP.

No mesmo sentido vai o requerimento de uma vítima residente na Póvoa de Santa Iria. O seu advogado, Rui Jesus, sustenta que “há que esclarecer cabalmente por que motivos foram recolhidas apenas 152 amostras clínicas num universo de 403 casos detectados” e qual a natureza das “dificuldades” citadas na acusação no que diz respeito aos restantes 251 casos.

O processo do surto de legionella de Vila Franca de Xira, nesta altura já com 46 volumes, deverá seguir no início de 2018 para o Tribunal de Loures, onde a fase de instrução será conduzida por um juiz competente. Nesta altura decorre apenas o prazo para eventual contestação de uma vítima que tem estado ausente no estrangeiro e que foi mais demorado e difícil notificar dos termos da acusação. Caberá, depois, ao juiz responsável pela instrução decidir se pronuncia e leva a julgamento os nove arguidos e/ou se desenvolve outras diligências processuais.

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