Cinco textos para testar a impossibilidade de os levar para palco

Pela primeira vez, cinco monólogos do grego Dimítris Dimitriádis, escritos em 1997, ganham vida em palco. Até 17 de Dezembro, Jean Paul Bucchieri dirige Esquecer no D. Maria II e encurta a distância entre o espectador e as palavras.

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Beatriz Brás FILIPE FERREIRA
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Pedro Gil FILIPE FERREIRA
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Álvaro Correia FILIPE FERREIRA
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Ana Cris FILIPE FERREIRA
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Miguel Loureiro FILIPE FERREIRA

Os cinco monólogos de Esquecer nunca foram levados à cena. Não na sua plenitude, enquanto Oblívio e Mais Quatro Monólogos, tal como o dramaturgo grego Dimítris Dimitriádis os escreveu em 1997. Jean Paul Bucchieri, italiano radicado em Portugal desde 1993 e encenador desta versão em que os textos surgem alinhados e suscitando diálogos entre si, começa a desconfiar que compreende o porquê deste estatuto de inéditos. Em boa verdade, vai-se apercebendo da sua quase impossível transposição para o palco, pela densidade que apresentam, e daí o seu confesso desconforto em designar esta passagem pelo Teatro Nacional Dona Maria II, em Lisboa, até 17 de Dezembro, como um espectáculo.

Idealmente, acredita, Esquecer – título que escolheu como guarda-chuva – seria apresentado numa casa. No mais absoluto despojamento. Colocar estas palavras dentro de um teatro, em troca do pagamento de bilhetes, parece-lhe uma situação de inultrapassável estranheza. “Mas o que fazemos então?”, pergunta sem esperar verdadeiramente uma resposta. “Desistimos?”

Até hoje, apenas Oblívio, o primeiro dos textos que Dimitriádis escreveu e a partir do qual os restantes se ramificam, teve direito a apresentações públicas em Paris e em Atenas. Foi também essa a porta de entrada para Bucchieri neste conjunto de reflexões do grego quando, em 2008, se encontrava a investigar para o seu doutoramento em torno do abatimento das fronteiras entre o trabalho de actor e o trabalho de bailarino. Dimitriádis coloca um foco sobre o corpo e fala dele como “mapa do mundo”, repositório de toda a história, princípio e fim da vida, “nem menos, nem mais – tudo, enquanto durar”.

Jean Paul Bucchieri não sabe sequer – nem está interessado em saber – o porquê de tamanha atracção por estas palavras e de onde veio tão irresistível tentação de as colocar em cena. Sabe apenas que, desde o momento em que começou a conversar com o director do D. Maria II, Tiago Rodrigues, sobre a apresentação de uma encenação sua naquela sala, nunca teve dúvidas de que eram estas frases de Dimitriádis que queria levantar do papel. Aos poucos, com os ensaios, foi percebendo que apesar da complexidade e da exigência dos textos algo de familiar se ia acentuando a cada passagem. “Não é que seja familiar na minha biografia”, explica ao PÚBLICO, “mas há de facto coisas por que já passei quotidianamente ou pelas quais sei que vou passar. E é engraçado que de cada vez que oiço os textos sinto que cumprem uma função da nossa evolução e da nossa não-evolução. São biografias, reflexões sobre a vida, reflexões de alguém que já viveu alguma coisa”.

Simples acções

De início, Bucchieri ainda pensou em entregar os cinco textos (intitulados Derrota, Memória, Arrependimento, Arte e Oblívio) a um só actor, uma vez que Dimitriádis se refere a “uma só entidade que fala”, mas acabou por escolher um actor para cada um dos segmentos (Miguel Loureiro, Pedro Gil, Álvaro Correia, Ana Cris e Beatriz Brás), reduzindo praticamente a sua intervenção a uma associação de acções. Nada mais claro do que o débito do texto de Beatriz Brás (Arrependimento), atirado para o público durante um percurso circular em que a actriz não pára de correr e de cavar cada vez mais fundo um resumo do triunfo da morte sobre o homem, definindo a vida como uma sequência de “esplendor e declínio”.

“São simples acções, e acho que o texto não pede mais nada. Qualquer coisa que se acrescente é fatal, acrescenta lugares que não pertencem ali. Houve até uma altura em que pensámos ouvi-los apenas, nem sequer os vermos. Tudo isso por uma questão de subtracção, porque o texto não é narrativo, figurativo, não exige dinâmica de contracena”, justifica. Ao limpar qualquer obstáculo no contacto com o texto, o encenador receia, ainda assim, que esteja a exigir demasiado a um “espectador que cada vez mais tem uma urgência ou uma expectativa em encontrar logo um sentido” quando entra numa sala de teatro. O receio de Bucchieri tem um nome: aborrecimento. E David Antunes, responsável pela dramaturgia, acrescenta que, por vezes, “há coisas que só acontecem passado esse aborrecimento”.

Só que cada texto, ainda que denso, estabelece em permanência diálogos com os restantes, entra em contradição interna, funciona por “justaposição, junção, imitação ou desdobramento”, de uma tal maneira que nem nos aspectos cénicos o encenador quer ver essas relações sublinhadas e explicitadas. Esquecer funciona, assim, como um exercício quase radical de imaginar um teatro feito apenas de palavras – lembram-se da boca verborreica de Not I, de Beckett? É um espectáculo que tende para o menos, que faz por encurtar a distância entre o espectador e as palavras de Dimitriádis.

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