Esquerda aprova OE2018 mas cambalhota do PS abre guerra com o Bloco

Chumbo socialista à contribuição sobre as renováveis que o PS ajudara a aprovar na sexta-feira cria instabilidade na maioria. Passos tentou desmontar geringonça dos números e Governo diz que não está a dar nada, apenas a respeitar direitos.

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A cara fechada com que Catarina Martins e Jorge Costa saíram do plenário assim que o presidente do Parlamento anunciou a aprovação do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) é o retrato fiel do incómodo do Bloco com o Governo. Que até teve direito a expressões que os bloquistas normalmente reservam para atacar a direita. “O Governo não honrou a palavra dada", disse Mariana Mortágua na tribuna, a metro e meio de António Costa, depois de o PS chumbar a contribuição para o sector das eólicas, proposta pelo BE, e que aprovara na sexta-feira.

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A cara fechada com que Catarina Martins e Jorge Costa saíram do plenário assim que o presidente do Parlamento anunciou a aprovação do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) é o retrato fiel do incómodo do Bloco com o Governo. Que até teve direito a expressões que os bloquistas normalmente reservam para atacar a direita. “O Governo não honrou a palavra dada", disse Mariana Mortágua na tribuna, a metro e meio de António Costa, depois de o PS chumbar a contribuição para o sector das eólicas, proposta pelo BE, e que aprovara na sexta-feira.

"Quando era preciso um primeiro-ministro com nervos de aço para responder às empresas que pretendem manter rendas de privilégio, o Governo falhou." A frase, forte, havia de ser complementada com a acusação de "deslealdade". Mortágua, que se estreava como líder da bancada, pegou numa expressão cara ao primeiro-ministro: “Para nós, palavra dada é mesmo palavra honrada.” O BE votou na generalidade e na especialidade o orçamento que negociou. “Cumprimos com a nossa palavra, e vamos voltar a fazê-lo na votação final global. Fazemo-lo porque não desperdiçamos nenhuma das conquistas que fizemos. Mas também não abandonaremos nenhuma das lutas por cumprir", avisou.

A medida fora "trabalhada e adaptada nos seus detalhes em acordo com os ministérios da Economia e das Finanças" e valia 250 milhões de euros. Aprovada na sexta-feira, foi avocada na "vigésima quinta hora", quando já expirara até o prazo formal para pedidos de avocação. “É um episódio que fica na história deste orçamento e desta maioria política" – deixando a ideia de que o episódio abriu uma brecha na confiança entre o BE e o Governo que este terá que pagar a curto prazo.

Do PCP vieram as críticas habituais de que o OE fica “aquém” do necessário para o país dar o salto estrutural de que precisa, e João Oliveira tentou colher os “louros” do que o PS nunca faria de estivesse sozinho. E o PEV lamentou que o PS tenda a fugir ao acordo que assinou, sem apoiar a contribuição sobre as celuloses ou insistindo em fugir na questão da contabilização do tempo de serviço congelado na função pública.

Pedro Passos Coelho, que terá feito a sua última intervenção da tribuna do Parlamento, enredou-se num longo discurso em que tentou desmontar o sucesso económico da geringonça, afirmando que o Governo “nega a realidade”, esconde e dissimula e está a desperdiçar uma legislatura inteira apenas tentando sobreviver. O líder do PSD criticou as “mentirelas” em que o executivo se enreda, como o caso do Infarmed, e as posições de “pura comédia e o ridículo” de Bloco e PCP, que criticam o Governo e as suas “políticas de direita” mas continuam a apoiá-lo ou a reivindicar os louros de algumas políticas.

Numa parte do discurso que acabou por não ler, Passos tinha escrito que o Governo tem uma "concepção deformada da democracia" e que o problema pela falta de entendimento com o principal partido da oposição "não está na oposição nem nos seus líderes" [ou seja, nele próprio] mas no próprio executivo.

Do CDS vieram críticas de “falta de coerência”. “Faz promessas, mas adia o seu cumprimento; é uma miscelânea de decisões, um somatório de propostas”, descreveu a deputada Ana Rita Bessa, que “revela uma táctica de manutenção do poder” em que BE, PCP e PEV se “atropelam” num jogo “perigosamente populista”. Ao Governo falta “visão de médio prazo”, navega “à vista levando o país por caminhos imprevisíveis”.

Ao ataque à direita

Do lado do PS e do Governo, as críticas foram apenas para a direita. Se o líder parlamentar contabilizara em mais de mil milhões de euros o custo das propostas apresentadas por PSD e CDS-PP, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tirou as conclusões. “Perderam qualquer credibilidade para fazer alertas sobre as contas públicas. Se querem ser respeitados no poder têm de começar por ser respeitados na oposição”, afirmou.

Foi a primeira vez que um secretário de Estado encerrou um debate do Orçamento do Estado, mas Pedro Nuno Santos não se atrapalhou, fazendo um jogo de diferenças entre os dois hemisférios do hemiciclo. “O conceito de reforma para a direita é privatizar, liberalizar e desregular. Reforma que é reforma tem de doer.” Já para o PS, “reformas são avanços, não são recuos: não é privatizar, é investir; não é liberalizar, é proteger”. É aquilo que diz ser uma “reforma silenciosa”, que passa por “uma redistribuição de riqueza mais justa”, afirmou.

Para o responsável pelas negociações com os partidos à esquerda do PS, “todas as previsões da direita falharam. Provamos que afinal havia alternativa. Este Orçamento é um espelho fiel dessa alternativa, é um Orçamento que corrige injustiças do passado, garante a trajectória do presente e dá garantias de futuro”.

Área a área, o secretário de Estado respondeu que quando o Governo aumenta as pensões não está a “dar nada a ninguém”. “Estamos apenas a respeitar quem trabalhou uma vida inteira e merece uma reforma com dignidade”, disse. O mesmo princípio aplicou-o quando explicou a baixa de impostos para os trabalhadores, no sector privado e público. “Não estamos a dar nada, estamos a respeitar quem trabalha”, acrescentou.

Já antes, Carlos César tinha respondido a outras críticas da direita, que acusara o PS de estar refém dos partidos à sua esquerda: "Este não é um Governo refém de qualquer empresa ou de qualquer partido; é um Governo assumido e mantido em total liberdade." E, para o provar, garantiu que nem todas as exigências dos parceiros tiveram resposta positiva. "Este é um Governo que tem a firmeza de nunca dar um passo maior que a perna, que é dizer, nunca pôr em risco os sucessos que temos alcançado. Foi isto que fizemos na negociação do Orçamento", assegurou. Com Leonete Botelho