Piano iluminado

O novo trio do pianista João Paulo Esteves da Silva apresenta uma música improvisada sempre elegante e luminosa.

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O novo trio de João Paulo Esteves da Silva: profunda elegância e luminosidade Vitorino Coragem

Se numa fase inicial João Paulo Esteves da Silva pôs o seu talento ao serviço de outros, o pianista passou depois a investir seriamente na sua própria música. No ano de 2007 editou o celebrado Memórias de Quem, belíssimo solo de piano, e nos anos seguintes trabalhou uma parceria memorável com o trompetista americano Dennis González (ficaram os discos Scapegrace e So Soft Yet). Acompanhado por Nélson Cascais (contrabaixo) e João Lencastre (bateria), o pianista esteve envolvido no grupo No Project, um trio dedicado à improvisação pura. E nos últimos anos vem assumindo o papel de figura de proa da cena jazz nacional e tem colaborado com múltiplos projectos — como o Transporte Colectivo de José Salgueiro, o grupo de João Barradas (participou no excelente Directions) e o duo com o saxofonista Ricardo Toscano.

A mais recente aventura de João Paulo é um novo trio de piano, desta vez com a companhia do contrabaixista luso Mário Franco e do baterista suíço Samuel Rohrer. O trio trabalha uma música abertamente improvisada, sem amarras. Apesar de toda a liberdade formal, a música deste novo grupo é marcada pela suavidade e pela elegância. O piano de Esteves da Silva guia a música do trio, combinando luminosidade com fluência improvisacional, com a qualidade técnica a alimentar um refinado sentido melódico. A habitual evocação da tradição portuguesa é aqui menos directa, embora se possa reconhecer na forma sentimental em que alguns temas evoluem e nos motivos melódicos que vão surgindo.

No contrabaixo está Mário Franco, músico aparentemente discreto mas particularmente assertivo, com um som claro e sempre muito melódico, herdeiro natural de Charlie Haden. Esta sensibilidade faz de Franco um comparsa perfeito para o piano de Esteves da Silva, e frequentemente os dois revelam esse entendimento, com as vozes de cada instrumento a dialogarem, alicerçadas num permanente lirismo. O baterista Rohrer é o joker do grupo, sabe complementar e enfatizar o diálogo dentro do trio, sabe unir e fortalecer, mas por outro lado também obriga os portugueses a irem para lá da sua da zona de conforto, também provoca e lança outras ideias.

Com uma limpidez que, de tão higiénica, poderá lembrar alguma ECM, o trio foca-se numa pureza clássica, evita qualquer gordura. A sua música nunca explode, é cozinhada em lume brando, e é nessa tranquilidade que a improvisação se revela rica em ideias. Da união deste trio, nasceu uma música aberta, uma música que é um desafio permanente. E, apesar desse risco, exibe uma profunda elegância e luminosidade.

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