"Eternamente curioso"

O crítico do PÚBLICO Augusto M. Seabra destaca duas encenações de Listopad e o seu trabalho "de autor" para televisão

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Uma das encenações de Jorge Listopad em Lisboa: Príncipe Constante, de Calderón de la Barca PÚBLICO

É como um homem “eternamente curioso”, que mesmo depois dos 90 anos fazia questão de assistir a peças dos jovens criadores, que o crítico do PÚBLICO Augusto M. Seabra recorda Jorge Listopad (1921-2017), o encenador que conheceu na qualidade de professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa. “Ele sabia que eu queria ser duas coisas na vida – sociólogo e crítico. Devo-lhe, em parte, a segunda. Foi ele que me levou para os jornais”, diz.

Do percurso de Listopad, também marcado por polémicas várias, Seabra destaca “dois grandes espectáculos de teatro”: O fim (1909), o mais representativo dos textos dramáticos de António Patrício, apresentado só em 1971, na Casa da Comédia; e Anúncio Feito a Maria, de Claudel, no pátio do Palácio da Independência, no início dos anos 1980. “São dois momentos de teatro absolutamente fundamentais com o Jorge Listopad como encenador. Em ambos entra a Manuela de Freitas, que era uma das suas predilecções, tal como a Carmen Dolores.”

Lembra Augusto M. Seabra que o crítico andava quase sempre com um caderninho no bolso e uma esferográfica pendurada ao pescoço, talvez para tomar nota do que se passava à sua volta: “Ele tinha um olhar de microscópio, via coisas que mais ninguém via. E escrevia muitíssimo bem. Tinha uma prosa irónica deliciosa.” Delicioso era também O Coelhinho, a personagem que criou para assinar as crónicas publicadas na última página do JL, acrescenta o crítico. “Listopad era uma figura enigmática e fascinante. Era preciso ler nas entrelinhas das suas críticas de teatro porque ele acumulava essa função com a de encenador, mas era sempre interessante.”

Diz Seabra que Jorge Listopad fazia ainda parte de outra “estirpe rara” – a dos realizadores de televisão que eram também autores: “São notáveis os programas de televisão que ele fez com a Companhia de Marionetas de São Lourenço e do Diabo e com Música em Água e Mármore, uma composição de Jorge Peixinho para a Torre de Belém. Ele era um autor quando fazia televisão, algo que em Portugal já não existe.”

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