Os jovens vão ter (outra vez) culpa da abstenção?

De que abstenção estamos à espera? São os jovens que votam menos? O que estamos disponíveis para mudar?

Arranca a campanha eleitoral para as eleições autárquicas, com a última corrida de dezenas de milhares de pessoas que se candidataram para os cargos de representação e gestão local de 308 municípios e 3092 freguesias, integrando candidaturas de partidos políticos e movimentos de cidadãos. Se tudo correr de acordo com o habitual, teremos leituras favoráveis de todos os partidos: uns porque ganharam mais presidências de câmara, outros em mais capitais de distrito, outros porque tiveram mais votos, e outros por terem simplesmente superado as suas expectativas iniciais. Teremos a vitória das candidaturas independentes porque “desafiaram o sistema”, análises de comentadores sobre o futuro das lideranças e dos candidatos derrotados e, por fim, um lamento geral sobre a abstenção que a todos envergonha, com interpretações políticas para todos os gostos — algumas das quais, há que reconhecer, verdadeiramente isentas.

De que abstenção estamos à espera? São os jovens que votam menos? O que foi (ou é) feito para inverter o aumento contínuo deste fenómeno? O que estamos disponíveis para mudar?

Respondendo à 1.ª questão: acredito que a grande surpresa da noite seria uma diminuição significativa da abstenção. Que é o mesmo que dizer que estamos todos à espera esta se manifeste em grande escala. Não estaremos até já acomodados a que assim seja?

A 2.ª questão é mais complexa: havendo estudos por amostragens de determinados tipos de abstenção, não foi até hoje dado mandato a nenhum organismo público ou privado para que seja feito um estudo exaustivo sobre quem se abstém e sobre as razões para o fazer. Não sabemos.

3.ª questão: o que fazemos para inverter esta tendência? Proliferam campanhas de incentivo ao voto e à participação eleitoral, pelo mais variado tipo de organizações, como a Comissão Nacional de Eleições (com youtubers para chegar aos jovens), que fazem todo o sentido, mas que precisam de estar a jusante da identificação das verdadeiras causas do problema. Infelizmente, ainda há muito por fazer neste campo.

Ainda assim, há uma coisa de que temos conhecimento: o descontentamento generalizado das pessoas com muitas práticas e alguns mitos que não queremos fazer desaparecer da nossa democracia (ou que alguns não querem que desapareçam).

Os tesourinhos das autárquicas dizem-nos muito sobre a qualidade ou auto-imagem de algumas candidaturas, como de resto foi acontecendo em alguns episódios deste processo. Verdade seja dita, caindo as claques de uns e outros sobre o que alguém disse, tudo isso deve ser próprio de um país onde a liberdade de expressão é uma garantia e onde as opiniões não deviam fazer mais do que afectar a imagem que as pessoas (e, por maioria de razão, os eleitores) têm de nós.

Inaceitável mesmo é outro tipo de tesourinhos, também habituais: “esquecimentos” de zeros em declarações de rendimentos, detenções de putativos candidatos, compadrios na justiça e, no topo da lista, o regresso dos famosos autarcas que serviram as suas populações e que pelo caminho se serviram também a si e aos seus, tendo sido condenados por corrupção, fraude fiscal, prevaricação, branqueamento de capitais, peculato e/ou abuso de poder... Enfim, o cardápio é variado. Na política e na administração do nosso sistema democrático, isso não vale! Ou, pelo menos, não devia valer.

De tudo o que acontecerá no dia 1 de Outubro, a pior coisa é não termos cidadãos suficientes a querer saber do assunto, porque acham que vão acabar desiludidos: “Já me desiludi demasiadas vezes” ou “são todos iguais” são os caminhos mais curtos para continuar a aumentar abstenção.

O que estamos disponíveis para fazer? Quanto à organização do sistema, que permite conhecer melhor a abstenção, proponho uma resposta — que permitiria conhecer a abstenção por idade, em cada concelho e freguesia: reorganizar os cadernos eleitorais e as mesas de voto por data de nascimento.

Quanto à qualidade da política, peço aos partidos políticos e aos movimentos independentes que façam o que puderem para que os seus candidatos sejam inspiradores de seriedade em vez de poços de suspeitas e práticas duvidosas; e para que cuidem também da qualidade do seu discurso — talvez às vezes se esqueçam, mas “há pessoas a ver”...

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