A “pressão do mundo virtual” anda a mexer com a saúde mental dos jovens

Passam em média mais de duas horas por dia nas redes sociais. Há especialistas que acham que isso já se está a notar nas urgências e consultórios psiquiátricos.

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Maria João Gala

Sem barreiras e sem segredos, como uma casa virtual onde tudo pode realmente acontecer. Assim se apresentam as redes sociais aos jovens que as utilizam como o seu meio de comunicação mais natural. E a pergunta que muitos pais fazem é esta: pode o uso excessivo de redes sociais estar associado ao aparecimento de problemas de saúde mental? O médico psiquiatra Diogo Telles Correia, a psicóloga Rosário Carmona e a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias acreditam que sim.

Da rua para casa, do convívio de recreio às conversas em redes sociais — em Portugal, são os jovens dos 15 aos 24 anos que mais tempo lhes dedicam. Passam uma média de mais de duas horas por dia a “conversar” e a “partilhar”, segundo um estudo da Marktest, divulgado no ano passado, que indicava ainda que em poucos anos — de 2008 a 2015 — a percentagem de utilizadores, entre todas as faixas etárias, crescera de 17,1% para 54,8%.

Diogo Telles Correia não hesita em ligar os mais recentes números ao crescimento de patologias do foro psicológico nos jovens, como ansiedade e depressão. Porquê? De acordo com o especialista, as redes sociais expõem “os adolescentes a um contínuo fluxo de informação, que os estimula constantemente e alimenta uma personalidade hiperactiva e que pode conduzir, não raramente, a situações de ansiedade”.

E a ansiedade, diz o médico psiquiatra e psicoterapeuta, é um veículo para a depressão. Além disso, a globalização das redes sociais veio tornar as relações humanas “mais superficiais e menos estruturantes, facto que reduz a resiliência dos adolescentes às adversidades”, acrescenta.

Aos olhos de Rosário Carmona, psicóloga especialista em adição à Internet, o problema não é novo. “A pressão social, a pressão da integração, sempre existiu. Agora, apenas existe em moldes diferentes.” E prossegue: “Enquanto essa pressão existia na realidade, agora há uma pressão adicional — a do mundo virtual. É esta pressão, que as gerações antigas já tinham, mas a duplicar.” E que é passível de ser encontrada nos episódios mais banais do dia-a-dia de um adolescente. “O não pertencer a um grupo de turma já é motivo de stress. Tudo é uma pressão social” na vida dos adolescentes.

Já a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias considera que se um adolescente está sujeito a uma pressão social resultante das redes sociais, então é natural que essa utilização “agrave uma patologia que o jovem já possa ter”. Na perspectiva da especialista, as redes sociais funcionam, assim, como factor de agravamento de uma condição já existente — embora adormecida —, mas não como raiz de um problema da ordem mental.

Não há atenção suficiente

É precisamente nas redes sociais que têm lugar algumas páginas dedicadas à divulgação de imagens e citações de carácter depressivo. De origem desconhecida, o fenómeno tem atraído milhares de jovens utilizadores em todo o mundo. São exemplos as páginas de Facebook Depression Memes 2.0, seguida por 25.323 pessoas, e a Yes, I’m sad, com mais de um milhão de seguidores.

Em Maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um relatório onde apontava as cinco principais causas de morte em adolescentes entre os 15 e os 19 anos, em 2015. No estudo Acção Global Acelerada para a Saúde dos Adolescentes: Orientações para apoiar a implementação nacional, a autolesão foi apontada como a terceira causa de morte no mundo — antecedida por acidentes de viação e infecções respiratórias. Este número (67 mil mortes num ano) engloba, segundo o relatório, os suicídios e mortes acidentais resultantes de lesões auto-infligidas pelos jovens que não tinham como intenção. O mesmo estudo divulgou ainda diferenças a nível de género: a autolesão é mais frequente entre raparigas adolescentes do que entre rapazes.

Em Portugal, Diogo Telles Correia lembra os dados partilhados pelo Programa Nacional para a Saúde Mental, em 2015, que davam conta de que, nos últimos anos, se registara “um aumento do número de crianças e adolescentes que recorreram às urgências por depressão, ansiedade e tentativas de suicídio ou para-suicídio — autolesões cujo objectivo não era morrer, mas sim passar uma mensagem de sofrimento ou mágoa”.

Já Rosário Carmona, ainda que admita que há uma relação causa-efeito entre redes sociais e saúde mental dos jovens, não considera, a partir daquilo que presencia no seu consultório, que o problema esteja a crescer. “Não sinto que tenha aumentado. Mas também não quero dizer que acredito nisto porque damos maior atenção ao assunto, porque há pais que vão ler e vão achar que, efectivamente, têm prestado mais atenção, o que não é verdade. Há uma maior informação, mas ainda não há atenção suficiente ao assunto”, subinha.

Prevenção desvalorizada

Nas escolas, junto dos jovens — é onde a psicóloga Rosário Carmona diz ser necessário prevenir e exactamente onde considera que está a falhar a prevenção.

Garante que “há especialistas suficientes no país para ajudar estas crianças”, mas, nos estabelecimentos de ensino, a realidade é outra. “Ou não há psicólogos ou há poucos”, afirma.

Desde cedo que “a prevenção está muitíssimo desvalorizada”. A psicóloga é ainda da opinião que o Governo deveria prestar mais atenção ao problema da saúde mental dos jovens, pois “está confirmado que ganha mais em prevenir do que em remediar”.

Rosário Carmona também lamenta que “a maioria dos pais” chegue “demasiado tarde” ao seu consultório. Para a pedopsiquiatra Maria de Lurdes Candeias, esta é mesmo a raiz do problema. “Não há uma boa formação junto das crianças, sobre o que é certo e o que é errado. Há escolas que querem ter mão nisto, outras que não. Mas eu continuo a dizer que isto depende da formação dada em casa, pelos pais, pelos primos, pelos avós, pelos tios”, conclui.

Travar este fenómeno e as falhas que dele têm decorrido no sistema é, de acordo com Diogo Telles Correia, responder multidisciplinarmente, “incluindo psiquiatras, pediatras, clínicos gerais, psicólogos, entre outros”.

“Como em todas as áreas de saúde mental, o número de médicos e técnicos especializados na área podem não estar à altura deste acréscimo contínuo da prevalência das perturbações mentais” e da complexidade do tema, explica Telles Correia que também ressalva que o trabalho tem que começar em casa, com “pais mais atentos” a sintomas que podem estar associados a uma possível depressão ou problemas de ansiedade.

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