Os tabus oficiais sobre a tragédia de Pedrógão

No último mês o PÚBLICO dirigiu dezenas de perguntas a organismos oficiais para procurar saber o que falhou na tragédia de Pedrógão Grande. Praticamente todas ficaram sem resposta.

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O incêndio de Pedrógão deflagrou a 17 de Junho: o balanço trágico foi de 64 mortos e mais de 250 feridos Daniel Rocha (arquivo)

No final do mês de Junho, dez dias após a tragédia de Pedrógão Grande e quando as dúvidas sobre o que se passou se acumulavam, o PÚBLICO dirigiu várias perguntas a cada um dos organismos envolvidos nas operações — incluindo para o poder político —, de modo a procurar respostas concretas sobre cada uma das vertentes do combate ao incêndio.

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No final do mês de Junho, dez dias após a tragédia de Pedrógão Grande e quando as dúvidas sobre o que se passou se acumulavam, o PÚBLICO dirigiu várias perguntas a cada um dos organismos envolvidos nas operações — incluindo para o poder político —, de modo a procurar respostas concretas sobre cada uma das vertentes do combate ao incêndio.

O Governo, que naquela altura começava a dar as respostas que alguns organismos tinham remetido ao primeiro-ministro, apenas respondeu ao PÚBLICO que, “de momento”, não tinha nada a acrescentar. Passou quase um mês. E mais nenhuma resposta chegou — confirmando o PÚBLICO que o próprio Ministério da Administração Interna (MAI) deu indicações para cada organismo manter silêncio sobre o que aconteceu (interrompido apenas pela resposta do primeiro-ministro a 25 perguntas feitas pelo CDS-PP).

Chegou a altura de revistar essas perguntas, feitas à procura dos porquês. Mas começamos por um relatório, também ele pedido pelo primeiro-ministro, e cujo paradeiro é desconhecido.

O que aconteceu na EN 236-1

O secretário de Estado da Administração Interna anunciou a 3 de Julho que a GNR já tinha concluído e entregue o relatório interno sobre a Estrada Nacional 236-1, onde morreram dezenas de pessoas encurraladas pelas chamas durante o incêndio de Pedrógão. Jorge Gomes acrescentou até que esse relatório estava “com quem de direito”. No dia seguinte, o PÚBLICO pediu acesso ao relatório. E o MAI respondeu que ele ainda não estava terminado. Na última semana insistimos com as perguntas:

1. A GNR confirma que já concluiu e entregou o referido relatório, que tinha sido pedido pelo primeiro-ministro?

2. A que entidades ou pessoas foi o referido relatório entregue?

3. A GNR vai tornar públicas as conclusões do documento?

4. Por que não foram ainda divulgadas as conclusões?

A resposta veio dois dias depois: “Cumpre-me informar que corre termos um inquérito sobre o assunto infra, cujo términus será no final do presente mês.”

Para além deste, vários outros estudos ou relatórios foram entretanto pedidos pelo Governo e ainda aguardam conclusões: um do Instituto de Telecomunicações ao funcionamento da rede de comunicações SIRESP, uma auditoria da Inspecção-Geral da Administração Interna à Secretaria-geral do MAI e um estudo sobre o incêndio encomendado ao académico da Universidade de Coimbra Domingos Xavier Viegas. Não foram dados prazos para o fim de cada uma destas investigações, que se juntam ao trabalho que uma Comissão Técnica Independente de peritos iniciou na última semana e que terá de estar pronto no prazo máximo de três meses. O Ministério Público também está a investigar.

Sobre a estrutura da Protecção Civil

Para a Administração Interna seguiram do PÚBLICO perguntas sobre três vertentes diferentes. A primeira das quais sobre as alterações feitas pela ministra e pelo secretário de Estado da Administração Interna à estrutura da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) nos meses anteriores à tragédia. E também sobre as eventuais consequências no terreno.

1. No final de Março e até aos primeiros dias de Abril foram feitas 30 nomeações na estrutura da ANPC, sendo que 16 correspondem a reconduções e 14 a novas entradas na estrutura. Considera o MAI que a alteração tão em cima da época de incêndios teve alguma influência na resposta dada ao incêndio de Pedrógão?

2. Olhando para o organigrama da ANPC, verifica-se que dos três distritos afectados há dois segundos comandantes que foram nomeados em Abril, Mário Cerol (de Leiria) e Amândio Nunes (de Castelo Branco). Há declarações de bombeiros que dizem nunca ter visto qualquer um dos comandantes antes na zona. Qual o papel desempenhado por estes dois comandantes no incêndio de Pedrógão?

3. Quais as funções actuais do comandante operacional de agrupamento distrital do Centro Norte, Pedro Nunes? Qual o seu papel na resposta ao incêndio?

4. Na prática, é possível uma fita do tempo de responsáveis no comando?

Algumas destas dúvidas foram dissipadas pela resposta do primeiro-ministro ao CDS, que inclui um cronograma dos vários responsáveis da ANPC que comandaram as operações nas horas da tragédia e nos dias que se seguiram. Mário Cerol e Pedro Nunes estavam em Pedrógão na altura dos eventos fatídicos, o primeiro a liderar as operações no terreno entre as 19h55 e as 22h do dia 17 de Junho (o intervalo de tempo em que ocorreu a grande maioria das mortes) e o segundo em missão de reconhecimento, ordenando inclusive o corte de uma estrada (que não a EN 236-1) devido ao rápido avanço das chamas. Mas são mais as dúvidas do que as certezas relativamente ao que falhou nas primeiras horas do incêndio e na estratégia de combate inicial — dúvidas essas a que as respostas oficiais da Protecção Civil ao primeiro-ministro estão longe de dar resposta.

Sobre a resposta nacional naquela noite

Estas foram as questões enviadas para o MAI e para a Protecção Civil. Não houve resposta em qualquer caso.

1. Quem estava de prevenção na ANPC naquele sábado à noite?

2. Quem foi o primeiro a responder? As operações começaram com o Comandante Operacional Distrital de Leiria Sérgio Gomes ou com o 2.º, Mário Cerol?

3. O presidente da ANPC, Joaquim Leitão, encontrava-se numa cerimónia em Peniche? A que horas é contactado pela primeira vez e qual o percurso que faz?

4. O Comandante Operacional Nacional Rui Esteves estava em casa em Castelo Branco? A que horas é contactado pela primeira vez e qual o percurso que faz? Foi a Pedrógão? Comandou de lá as operações? De que horas a que horas? Foi enviado para Carnaxide para comandar as operações? Por quem?

5. O 2.º Comandante Nacional de Operações de Socorro Albino Tavares estava em Coimbra? A que horas é contactado pela primeira vez e qual o percurso que faz? Foi para Pedrógão? Comandou alguma operação de lá?

6. A que horas foi accionado o pedido de ajuda aos distritos mais próximos, Castelo Branco e Coimbra? Por quem?

Uma dúvida sobre o SIRESP

Entre as várias dúvidas que a resposta do concessionário do SIRESP ao primeiro-ministro levantava, uma exigia uma resposta mais imediata: “Avaliando o relatório do SIRESP, o MAI vai pedir informações mais detalhadas? Os dados estão compilados em três períodos distintos (um de cinco horas, das 14h às 19h de sábado, um de 14 horas, das 19h às 9h da manhã de domingo, e um terceiro que avalia os cinco dias de incêndio). Considera o MAI que este desdobramento permite perceber o que falhou ou não no sistema nas horas e na zona crítica?”

Mas o PÚBLICO tentou alguns esclarecimentos adicionais sobre o contrato Setronix, que se refere às antenas do SIRESP. E também as enviou ao MAI: “Em Outubro do ano passado, a SGMAI contratou, por ajuste directo, a empresa Setronix (empresa de serviço de consultadoria em telecomunicações) para serviços de estudo e avaliação das infra-estruturas de sete torres da rede SIRESP. Quais as torres que precisavam dessa avaliação? Quais os resultados do estudo encomendado? Houve reparações necessárias que daí tenham resultado?”

Nenhuma das questões levantadas pelo PÚBLICO teve resposta.

Três perguntas sobre as vítimas

Na sequência das respostas da Secretaria-geral do MAI, o PÚBLICO enviou outro conjunto de perguntas para o MAI, estas sobre as vítimas do incêndio:

1. O relatório da SGMAI apresenta alguns intervalos de tempo em que terão ocorrido as mortes. Estas são as horas da verificação de cada morte ou a hora indicativa a que morreram as pessoas após autópsia?

2. Há alguma indicação do trajecto de cada vítima?

3. O MAI tem indicação se houve alguma vítima por ter sido reencaminhada pela GNR no sentido IC8-Castanheira de Pêra?

Sobre o INEM e a assistência

Um grupo de perguntas que enviámos para a PSP, GNR e para o próprio INEM, que se cruzam em alguns pontos com as dificuldades do SIRESP e que também não mereceram resposta até hoje:

1. O Governo pediu ao INEM algum relatório sobre a assistência a vítimas no local/comunicações via 112?

2. É possível saber quantas comunicações recebeu o 112 naquela área por hora?

3. É possível saber quantas chamadas falhadas houve para o 112?

4. Tendo em conta que houve falhas nas comunicações móveis e fixas naquela zona, o INEM comunicou a dificuldade que estavam a sentir de chamadas provenientes daquela zona?

5. A que horas é recebido o primeiro pedido de ajuda naquela zona? Em que localidade?

6. Durante o período mais activo do incêndio (entre as 18h e as 23h) foi possível enviar meios de ajuda ao local de onde estavam a receber pedidos de ajuda? Quantos pedidos foram? Foram respondidos a que horas e por que entidades?

7. Teve a central do 112 dificuldades em entrar em contacto com os meios no local?

Helicópteros e georreferenciação 

As últimas perguntas do PÚBLICO foram sobre os helicópteros Kamov e uma promessa do Governo aos bombeiros. Eram três:

1. Já tem o MAI autorização do Ministério Público para a reparação dos dois Kamov?

2. O que falta para que o MP dê essa autorização? Tem de concluir a investigação? A reparação dos Kamov impede essa investigação?

3. Em Novembro do ano passado, o secretário de Estado Jorge Gomes disse que era intenção do MAI equipar as viaturas dos bombeiros com sistemas de georreferenciação. Como está este processo? Quantas viaturas já têm este sistema? Quando está previsto que todas as viaturas tenham este sistema?