Governo da Turquia está “viciado” no estado de emergência

Golpe de Estado falhado aconteceu há um ano e milhares de turcos vão sair à rua para o recordar. Erdogan discursa de madrugada e apelou a “vigílias pela democracia”.

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Horas antes da cerimónia marcada para a ponte do Bósforo, já começam a juntar-se pessoas Osman Orsal/Reuters

O Presidente turco guardou o momento alto das comemorações da tentativa fracassada de derrubar o seu AKP do poder para o início da madrugada de domingo, à hora exacta em que o Parlamento turco foi bombardeado. Antes, participará na marcha de Istambul, uma das duas do dia, acompanhado por alguns dos mais de 2000 mil feridos e pelos familiares de parte dos quase 300 mortos da noite de 15 de Julho de 2016.

Foi Recep Tayyip Erdogan que há um ano conseguiu entrar em directo na CNN turca através de FaceTime para pedir aos turcos que saíssem à rua e enfrentassem os militares e os tanques. Pouco depois, as instalações do canal de televisão eram ocupadas pelos golpistas, oficiais e soldados que terão sido instruídos pelo movimento do líder religioso Fethullah Gülen, ex-aliado do AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2002), exilado há muito nos Estados Unidos.

Para oposição, cinco dias depois do golpe militar o país assistiu a um “golpe civil”, com a aprovação do estado de emergência, a ferramenta perfeita para a resposta de Erdogan e do seu AKP ao golpe. Para além de perseguir os suspeitos, os dirigentes turcos têm aproveitado para deter ou afastar dos seus cargos jornalistas críticos ou defensores da minoria curda.

“Eles habituaram-se a governar a Turquia sob o estado de emergência. Tornou-se um vício, como uma droga”, acusou o vice-presidente do CHP (Partido Republicano do Povo, secularista), Bülent Tezcan, numa conferência de imprensa. O primeiro-ministro, Binali Yildirim, já anunciou que o seu Governo vai pedir ao Parlamento a extensão do estado de emergência já no início da semana – o actual expira a 19 de Julho.

“Vamos continuar a lutar contra o 20 de Julho”, prometeu Tezcan. “O estado de emergência deve ser levantado imediatamente”, disse ainda o responsável do maior partido da oposição, que há uma semana concluiu em Istambul a chamada Marcha da Justiça, uma caminhada que começou na capital, Ancara, para pedir a liberação das dezenas de milhares de detidos.

Quem já discursou no Parlamento este sábado foi Yildirim, numa sessão especial onde Erdogan esteve presente. “O Exército turco é muito mais poderoso hoje do que era antes de 15 de Julho. É o Exército desta nação preciosa”, disse o chefe do Governo. Antes de lembrar “os mártires”, as vítimas de há um ano, Yildirim afirmou que “a noite mais escura da Turquia foi transformada numa manhã brilhante”.

Muitos – jornalistas, académicos, activistas ou simples turcos – discordam e defendem que a democracia turca nunca esteve tão em risco, à medida que Erdogan se torna cada vez mais autocrata. Ora quem pensa de outra forma é obviamente o Presidente: o golpe marcou “um ponto de viragem na história da democracia” e a forma como foi impedido “será fonte de inspiração e esperança para todos os povos que vivem debaixo de ditaduras”, escreveu num artigo intitulado “Turquia, um ano depois da tentativa de golpe, defende valores democráticos” e publicado no jornal britânico Guardian.

No artigo, Erdogan critica “os aliados da Turquia, particularmente os amigos no Ocidente” por não terem conseguido entender a dimensão do que aconteceu no seu país. Para além disso, as críticas aos esforços da Turquia para afastar os funcionários públicos e militares suspeitos de ligações a Gülen “levantam questões sobre o compromisso do Ocidente com a democracia e segurança” do país.

Os últimos 12 meses foram de tensão permanente entre Erdogan e vários líderes mundiais, particularmente europeus. O tom da disputa subiu e muito em Março, quando diferentes países da União Europeia decidiram impedir que membros do Governo do AKP participassem em comícios junto das comunidades turcas em defesa do “sim” no referendo que acabou por aprovar uma reforma constitucional a reforçar os poderes do Presidente.

Sexta-feira, foi na vez de Ancara anunciar que não autoriza a entrada de deputados alemães que pretendiam visitar soldados do seu país na base área perto da cidade de Konya, uma base usada pela base da NATO, organização de que a Turquia é membro.

Mais logo, depois de discursar no Parlamento às 2h32 (24h32 em Portugal continental), Erdogan vai inaugurar um monumento às vítimas erguido no seu próprio palácio. Para além das comemorações oficiais, em Istambul e em Ancara, o Presidente apelou aos turcos das 81 províncias do país para “se juntarem em vigílias pela democracia nas áreas designadas das suas cidades e regiões, tal como foi feito há um ano”.

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