Direcção clínica e directores de serviço do Amadora-Sintra ameaçam demitir-se

Faltam 67 médicos no Hospital Fernando Fonseca. Médicos fazem muitas horas extraordinárias para substituir colegas que sairam

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Rui Gaudêncio

A direcção clínica e os directores de serviço do Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) ameaçam demitir-se em protesto contra as dificuldades na contratação de profissionais nesta unidade, onde já faltam perto de sete dezenas de clínicos. Fontes hospitalares citadas pela Lusa adiantaram que os responsáveis se teriam demitido, mas a administração do hospital sublinhou que desconhece "formalmente" tal decisão e o Ministério da Saúde garante também não ter, para já, conhecimento da situação. 

Com a directora clínica Helena Almeida de férias, o seu substituto, Fernando Aldomiro, explicou ao PÚBLICO que "oficialmente" não há uma tomada de posição, mas admitiu que "existe uma enorme preocupação partilhada por todos em relação às carências de recursos humanos" que se têm vindo a agravar com a saída de profissionais que não foram entretanto colmatadas.

"É uma situação muito complicada que tem sido ultrapassada com um esforço enorme dos médicos", acentuou, lembrando que, de acordo com os dados da Administração Central do Sistema de Saúde, faltam actualmente 67 médicos na instituição. O número de horas extraordinárias feitas pelos profissionais corresponde ao trabalho de "96 médicos em horário de 40 horas semanais", frisa. 

Quanto a uma eventual demissão, o médico sublinha que a notícia é "extemporânea" , mas diz que na sexta-feira haverá uma tomada de posição, escusando-se a adiantar mais detalhes. O presidente do conselho de admnistração, Francisco Velez Roxo, afirmou também não ter qualquer conhecimento formal desta situação, adiantando  que o que está a acontecer é “o normal debate em torno da contratação de pessoal”.

O que está em curso "é o processo de análise e debate relativo a resultados e programação da actividade até final de 2017, bem como o planeamento para 2018 e que decorre normalmente", afirma o Conselho de Administração, em nota enviada à imprensa. 

O Hospital Fernando Fonseca é um dos mais complicados do país. A pediatra Helena Almeida foi, aliás, nomeada directora clínica do Amadora-Sintra no início de 2015, depois de 28 dos 33 directores de serviço se terem demitido em protesto contra a "falta de estratégia" para evitar a “contínua degradação das condições de trabalho” nesta unidade que foi projectada para dar resposta a 350 mil pessoas e actualmente serve cerca de 600 mil.

Em entrevista ao PÚBLICO, o administrador do hospital admitia em Janeiro passado que faltavam pelo menos 50 médicos e lamentava o facto de alguns concursos para a contratação de profisisionais ficarem sempre sem candidatos. Uma fonte do hospital explicou que o problema ainda se agrava mais porque os concursos para contratação de médicos ficam frequentemente a aguardar muito tempo por autorização do Ministério das Finanças ou não são sequer autorizados.

Cortes de 35% nos tarefeiros

As fontes hospitalares citadas pela Lusa consideravam que o desconforto crescente devido às constantes dificuldades para contratação de pessoal no Amadora-Sintra se terá agravado com a imposição de reduzir 35% os gastos com médicos tarefeiros. O decreto-lei do Ministério das Finanças publicado esta semana e que estipula este corte desencadeou grande polémica. O bastonário da Ordem dos Médicos já avisou que pode vir a causar muitos problemas nos serviços, numa altura em que se aproxima o período crítico das férias de Verão. Os médicos contratados à tarefa asseguram muitas escalas nos serviços de urgência dos hospitais. 

O presidente da Ordem dos Médicos do Centro disse esta quinta-feira à Lusa que prevê consequências "extremamente graves" nas urgências dos hospitais, uma vez que se "pretende cortar, de forma irresponsável, mais de 22 milhões de euros numa área já muito sacrificada na saúde".  Com o corte de gastos na prestação de serviço, "antes de resolver o grave problema dos recursos humanos", o Ministério da Saúde "está a demonstrar o princípio aberrante de que não dá garantias nem respeita os utentes" do SNS, afirma Carlos Cortes, para quem esta é "das piores e mais graves medidas que foram tomadas no SNS". 

Ouvido no Parlamento na quarta-feira, o ministro da Saúde sublinhou que a redução dos 35% vai ter excepções, e deu o exemplo do Algarve, garantindo que os hospitais não vão entrar em ruptura e conseguirão dar resposta durante o período de férias.

O Amadora-Sintra enfrenta ainda a ameaça de ter os blocos de parto paralisados a partir de Julho, uma vez que os enfermeiros especialistas (em obstetrícia) ameaçam parar, se não passarem a ser remunerados de acordo com a sua especialização.

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