No Westway Lab, criar, pensar e tocar faz-se em simultâneo

Um festival de residências, conferências e concertos, com atenção ao território, mas com vocação global, eis o Westway Lab de Guimarães, que viu em estreia os Quest com uma orquestra ou o polaco Buslav.

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Quest, projecto da pianista Joana Gama e Luís Fernandes (Peixe: Avião, The Astroboy) Paulo Pacheco
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Quest Paulo Pacheco
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Quest Paulo Pacheco
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O polaco Buslav Paulo Pacheco
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O polaco Buslav acompanhado por dois músicos Paulo Pacheco
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O polaco Buslav Paulo Pacheco
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As conversas em ambiente descontraído Os Fredericos
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Rui Torrinha à esquerda Os Fredericos

Ao final da tarde da última sexta-feira, o café Milenário, no coração de Guimarães, conhecia uma actividade rara. Lá dentro, cerca de três dezenas de pessoas, entre portugueses e estrangeiros, formavam um círculo para ouvir num contexto descontraído o que tinham para dizer sobre a sua actividade e o que iriam apresentar no festival os bracarenses Quest, projecto da pianista Joana Gama e Luís Fernandes (Peixe: Avião, The Astroboy), e Sofia Ribeiro (Lince), de Guimarães.

Dito assim, pode parecer que o Westway Lab, que começou na quarta-feira e termina este sábado, é um evento regional. Mas não. Existe atenção ao território e à forma como o festival pode deixar vestígios na população, mas o seu posicionamento é global. Todos os festivais desejam ter uma matriz identitária que os distinga dos demais, mas a maior parte fica-se apenas pelas intenções. Não é o caso. Na quarta edição continua a manter características únicas e a crescer de forma segura, mescla de concertos, residências artísticas, encontros e conferências, congregando o interesse de profissionais e do público.  

À saída do café Milenário, a sueca Sara Thorstensson, que na véspera tinha sido uma das intervenientes no painel O Segredo Sueco, que tentou mostrar porque é que o pequeno país nórdico consegue ombrear com grandes potências em termos de exportação musical, estava rendida: “Parece-me que conseguem equilibrar as conferências com profissionais, que permitem partilha de ideias e se realizam de manhã e de tarde no centro cultural, com estes encontros mais descontraídos, ao final do dia, nos ambientes locais. E além disso existem os concertos pela noite fora.”

Em resumo, é isto. Ou como diz Rui Torrinha, director artístico do evento e do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), “o festival está estruturado em três vectores: o processo, através das residências que libertam os artistas de terem de ter uma coisa acabada. O pensamento, através das conferências. E o produto, o resultado, reflectido nos concertos”. Existem linhas definidoras, mas o risco faz parte da génese do acontecimento. “A ideia desde o início foi criar qualquer coisa única que nem eu próprio controlasse por inteiro, através dos desafios endereçados aos artistas para as residências artísticas.”

Convite à descoberta

Este ano estiveram a trabalhar no Centro de Criação de Candoso nomes como o do polaco Buslav, na companhia dos lisboetas Urso Bardo, ou o duo The Courettes, sediado na Dinamarca, com o português Nick Suave. O processo de selecção não é o mais comum. E tudo passa pelo Eurosonic, a conferência europeia de música que é também festival. O Westway Lab faz parte do European Talent Exchange Programme (ETEP), uma rede constituída por festivais europeus, o que ajuda. “Acabamos por ver imensas bandas lá e convidamos algumas para estarem em residência com um projecto português e depois tocarem também aqui na cidade em nome próprio.”

A selecção dos portugueses é também singular. “Abrimos uma open call aos músicos que queiram participar e enviamos essa lista aos músicos internacionais, acabando por ser eles a escolher com quem desejam trabalhar.” Quem também esteve em residência foram Pedro Coquenão (Batida), Guillermo de Llera Blanes (Primitive Reason) e Júnior (Terrakota). “Estivemos fechados em estúdio a desenvolver algumas ideias, cada um trazendo as suas mais-valias e agora vamos apresentar o resultado disso”, haveria de nos dizer Pedro Coquenão minutos antes de o trio se ter apresentado na última quinta-feira no café-concerto do CCVF. E a verdade é que funcionou, com o trio a desmultiplicar-se por bateria, baixo ou teclados, embora tivesse sido o rádio portátil manipulado por Coquenão que mais tivesse chamado a atenção, com os músicos a proporem deambulações livres pelo dub, funk, drum & bass ou kuduro, sempre com uma perspectiva refrescante de balanço físico. Qualquer coisa que se sentiu também quando o garage-punk dos Courettes entrou em acção, aliando-se ao espírito rock de Nick Suave.

Para além dessas actuações originais, os convidados actuam também em nome próprio. Foi o caso do polaco Buslav, que na noite de sexta-feira, em voz, electrónicas e saxofone, acompanhado por dois músicos, em teclas e bateria, desenvolveu um espectáculo surpreendente para quem não o conhecia, ou seja, a quase totalidade dos presentes. A sua pop electrónica emocional, que tanto cria momentos festivos como climas introspectivos, é consistente, gerando um efeito de sedução imediato junto da audiência que claramente gostou do que ouviu. Mais até do que acontecera na véspera com os noruegueses Yuma Sun, que nem sempre conseguiram que vingasse o seu rock sombrio de laivos épicos.

Como já se percebeu, este não é um evento de nomes sonantes. O seu efeito não se mede por aí. O convite à descoberta é o lema. Um dos outros vectores passa por endereçar um desafio a alguém em forma de encomenda. Desta feita, os visados foram os Quest, que têm vindo a cruzar piano e electrónica desde o álbum homónimo de 2014. O repto era o cruzamento de música original do duo com a Orquestra de Guimarães. Foram esses sete temas novos – que darão origem a um disco – que foram ouvidos em estreia no grande auditório do CCVF na sexta-feira, com os dois rodeados de um ensemble de 14 músicos.

Poder-se-ia imaginar que a electroacústica detalhada e microscópia do duo, atenta ao tempo e espaço, se poderia diluir por entre arranjos e orquestrações, ou que poderia ganhar uma tonalidade majestosa, mas não. Nota-se um natural reforço textural, mais intensidade emocional e alguma presença de ritmo, mas são ainda as múltiplas formas poéticas desenhadas a partir dos sons do piano e das abstracções electrónicas que nos envolvem. “Com estas acções, estamos a fazer com a música aquilo que já fazíamos com as artes performativas, ao nível das residências, co-produções e relação com o território, embora tenhamos também cruzado a realidade portuguesa com a internacional ao associarmos o festival a uma rede europeia”, afirma Rui Torrinha.  

Essa relação local-global está também presente nas conferências, que este ano tiveram o apoio da Why Portugal Event, com vários focos de interesse. Houve duas sessões dedicadas a França e Suécia que deram para perceber que em ambos os países há muitos anos que a música popular, nas suas diferentes vertentes, tem apoios públicos sustentados das mais diversas formas, seja na sua existência interna, ou para a sua internacionalização, com vários organismos estatais ou público-privados a serem decisivos na maturação de ambos os mercados.

“Esta escala é boa”

Modelos de intervenção não faltam. É verdade que nos últimos anos muito se falou em crise da indústria, mas nunca como hoje, quando a música está em todo o lado e faz parte da nossa vida a toda a hora, as oportunidades de negócio, como de ligação com as comunidades, se diversificam. A alemã Katja Hermes (Sound Diplomacy), por exemplo, veio falar de Cidades da Música, na companhia de Carlos Martins (Opium Consulting) enquanto o holandês Markus Linde discutiu uma actividade até hoje pouco conhecida em Portugal – supervisão musical.

É para essa capacidade organizativa em Portugal que o Westway Lab também quer contribuir. “Os painéis são construídos a partir de temáticas que sentimos fazerem sentido aqui”, reflecte Rui Torrinha, “no sentido de que os profissionais de Portugal se envolvam o que nem sempre é fácil”. Partilhar conhecimento é o lema das mesas-redondas entre europeus e americanos, como os responsáveis do South By Southwest ou Tom Silverman, da editora Tommy Boy. Este último, figura histórica da indústria, foi mesmo um dos destaques das conversas, seja quando abordou as questões legais referentes ao sampling, ou quando numa outra sessão discorreu sobre os direitos musicais independentes em ligação com as transformações do digital.

“Existe uma forma de estar, de conviver e de partilhar aqui que é muito valiosa”, diz-nos às tantas o manager inglês Daryl Bamonte, que trabalhou muitos anos com os Depeche Mode ou The Cure. “É por isso que tenho vontade de regressar todos os anos. Espero que não queiram ir depressa de mais. Esta escala é boa.” Rui Torrinha concorda e refere outro dos objectivos do festival. “O facto de termos aqui projectos nacionais que achamos que têm perfil internacional tem também que ver com o facto de todos estes agentes internacionais os poderem ver.” E dá um exemplo: “Numa das edições, um agente holandês depois de ver os Throes + Shine assinou com eles. Criar essas ligações é importante.”

Este sábado o acontecimento termina com uma novidade. Para além dos concertos no CCVF de You Can’t Win Charlie Brown, Lince, Xixa ou Papercutz, quatro novos palcos vão estar espalhados pela cidade, onde actuarão oito projectos europeus, escolhidos a partir de uma open call internacional, à qual concorreram 240 bandas, numa iniciativa que tenta cumprir com outro dos objectivos: que a cidade abrace o festival.

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