Eles não gostavam de jazz, ela desconfiava do blues. Agora estão a tocar juntos

Os Budda Power Blues gravaram com Maria João um disco improvável e enérgico. Esta quinta-feira no CCB, às 21h.

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Budda Guedes, Nico Guedes e Maria João DR

Os blues não queriam saber dela. E ela torcia o nariz aos blues. Mas depois conheceram-se e foram muito felizes. Parece brincadeira mas não é. E não sendo exactamente assim, anda lá perto. A verdade é que os Budda Power Blues e Maria João gravaram um disco juntos depois de uma experiência muito gratificante em palco. Ela, nascida no jazz, tem já uma longa carreira e muitos discos gravados; e eles tinham, até à data, cinco discos: Wanted (2005), Busted (2008), Kind of Gypsys (2010) e One in a Million (2013), Budda Power Blues (2015). Este é o sexto e chama-se The Blues Experience. Nova piscadela de olho a Hendrix, mas justificada.

Budda Guedes, que com o seu irmão Nico fundou o grupo em 2004, explica o que os trouxe aqui: “Já há algum tempo que estávamos a pensar fazer alguma coisa em jeito de missão pelo blues. Eu acho que o blues está em toda a música do século XX, tirando a clássica. Como prova de conceito, queríamos ter alguém que não fosse do blues, que o cantasse e que as pessoas dissessem: ‘ah, também dá para fazer assim’. E a primeira pessoa em que pensámos foi na Maria João. Mas depois concluímos: é impossível, a João nunca vai aceitar fazer isto.” Mas ainda assim arriscaram. Telefonaram-lhe. E ela disse que sim. “Por um segundo”, diz Maria João, “pensei: eh pá, blues, é uma seca! Mas depois fui ouvir um bocadinho. E isto não é bem o blues a que eu estava habituada, isto é rock’n’roll power blues!” Budda compara esta reacção com a que muita gente tem em relação ao jazz. “O jazz que a Maria João faz também não é aquilo que muita gente associa ao jazz, o dos anos 40 ou 50. E o blues está muito associado ao Muddy Waters e ao blues de Chicago. Mas há triliões de outras coisas!” Certo é que eles se encontraram e a faísca deu-se. Primeiro em palco, em Lisboa e no Porto, depois em disco.

“Somos todos algo loucos”, diz Budda. “E ao conhecermos a João percebemos que ela também tem essa coisa de arriscar, de fazer coisas novas.” Os temas foram combinados no primeiro telefonema. Maria João sugeriu Led Zeppelin (Whole lotta love, Since I’ve been loving you),  Paul Simon (Still crazy after all these years), Muddy Waters (Mannish boy). “O que foi super divertido”, diz Maria João, “é que o Budda é um cantor incrível, tem uma voz roufenha, que encaixa muito bem nos blues, e eu tenho uma voz clara, limpinha, cristalina, e pensei: isto vai correr tão mal… E não correu, porque o contraste funciona muito bem.” Depois da primeira experiência em palco, e depois de um ensaio em casa dela, Budda escreveu um tema para Maria João, I feel so blessed. “Diz muito de mim”, nota ela. Abençoada no jazz, abençoada no blues.

Blues da velha escola

Esse tema ainda entrou no quinto disco. Mas foi no seguinte que se consumou a parceria entre o grupo e a cantora. “Neste sexto disco temos uma linha identificativa da banda, muito da velha escola, anos 1960, 70, Zeppelin, nessa linha. Que tinha muita distorção de válvulas, de fita. A própria forma de gravar música na altura não era tão limpa, era mais granulada, mais ‘suja’.” A capa inspira-se num disco dos Red Hot Chili Peppers. “Eu cheguei ao blues através deles, fiz um percurso de regressão: depois deles, Hendrix, os ingleses, os anos 50 e o início do século.”

Recuando ainda mais no tempo, Budda lembra-se do dia em que a mãe os quis levar, a ele e ao irmão, a um espectáculo de Maria João e Mário Laginha. Não queriam ir, imaginavam que ia ser uma seca. Mas ela insistiu, eles foram, e voltaram de boca aberta. “Era um concerto em Tibães, perto de Braga, numa igreja. Eu disse: oh mãe, eu não gosto de jazz! Mas ela disse que tínhamos de ir ver. Vimos e ficámos siderados.” Vários anos passados, estão a tocar juntos.

Esta quinta-feira, Budda Power Blues e Maria João estarão no Pequeno Auditório do CCB, às 21h. Quem quiser ver como soa a experiência, não dará o tempo por mal-empregado.

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