A solidão

Pegar no telefone e não ter a quem ligar, rir sem partilhar a gargalhada com outro, chorar sem que alguém nos limpe as lágrimas — são coisas que doem, e até a dor se for acompanhada é mais fácil de se curar

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Marco Gil

Não gosto de ligar a televisão para jantar acompanhado pelas notícias, é como jogar à sueca sozinho. A sensação de companhia nunca é companhia a sério e um jornalista num ecrã por mais que seja parecido com um amigo nosso nunca o substitui como deve ser. Gosto da partilha, de poder observar a dois, de sentir, de o fazer sempre com mais alguém. De celebrar as vitórias com todos e de chorar as derrotas abraçado. Na verdade sabe melhor "Um por todos...", do que um por um.

Pegar no telefone e não ter a quem ligar, passear e não ter quem marque um passo diferente do nosso mesmo ali ao lado, rir sem partilhar a gargalhada com outro, chorar sem que alguém nos limpe as lágrimas ou não sentir uma palmada nas costas — são coisas que doem, e até a dor se for acompanhada é mais fácil de se curar.

A solidão é dos piores sentimentos que existem. Faz com que os dias sejam maus, e mesmo que se aprenda a conviver com ela, nunca traz a felicidade de quem vê um pôr do sol abraçado ou de quem observa a quatro olhos e sente a multiplicar.

Há quem escolha estar sozinho, mas é por tempo determinado porque falar para o tecto é diferente de falar para um amigo. A ausência de tudo o que a companhia de alguém nos permite ter é de uma dor tão forte como destrutiva. É pior que estar no fim de uma escalada e não ver o cume da montanha.

São as melhores palavras de um amigo que nos erguem dos dias piores, é um abraço que fala que nos permite seguir um rumo que temíamos enfrentar, é um sorriso direccionado que carrega a força que por vezes desconhecemos ter. É a presença, seja ela qual for, que nos troca o "zapping" pelo sentimento da entrega e partilha, que nos faz rir a dois.

Mas a pior de todas é a solidão acompanhada, aquela que nos faz permanecer sozinhos ainda que rodeados pelo mundo. Viver num T1 do prédio onde coabitam mais 70 pessoas, envolvidas por tanto mas submersas por nada, e não ter com quem falar pode doer de uma forma irreversível. É como ser um sem-abrigo que não passa frio nem fome, mas que passa dormente.  

É ser invisível num mundo sem as dioptrias erradas. Ter diante dos olhos milhares de pessoas e poder sentir-se ignorado pela indiferença de quem não se dá conta de nós é avassalador. O isolamento invoca necessariamente tristeza e acredito que de forma opcional ou não é preferível meter sempre um prato a mais na mesa. Acredito que as conquistas se fazem em equipa, que as batalhas se vencem com muitos, que os muros se erguem com todos e nunca podemos ir tão longe se o fizermos apenas acompanhados de nós mesmos. A solidão é a tormenta de dias preenchidos pelo vazio do silêncio ou pela angústia da ausência de outros. É crua, faz-nos frágeis e incapazes. 

Gosto de cruzar os olhares com quem passa por mim, de estender o braço, de passar de dez metros para dez centímetros, de levantar a mão mesmo que por engano; porque do outro lado este gesto pode preencher uma alma vazia pela solidão que nos engana, mas existe.

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