Utopia de uma geração sem medo

Não deixa de ser estranho que uma geração, que sempre viveu em liberdade, tenha tantos medos. Temos sempre

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Marta Poppe

Todas as histórias começam com uma viagem. Mesmo que não haja viagem nenhuma na história, viajamos na mesma. Os livros são uma espécie de comboios que viajam pelo tempo e pelo espaço de quem os escreveu. São máquinas do tempo. Acho que disse isto à Marta, enquanto comprávamos os bilhetes para o comboio literário. No primeiro dia do FOLIO. Engraçado, esta crónica que é a última, começou por ser a primeira, acabando por se tornar uma viagem sobre uma viagem.

O revisor diz-nos que a viagem entre o Rossio e Óbidos durará cerca de duas horas. E eu penso, que a minha outra viagem, aquela que me trouxe até aqui, durou uns vinte anos. Quando cheguei a Óbidos não era bem eu, era mais um estilhaço daquilo que devia ter sido. Óbidos foi o apeadeiro necessário antes de mudar de linha. Aquele apeadeiro onde descansamos um pouco, lavamos a cara e ao olhar-nos ao espelho percebemos que afinal comprámos o bilhete errado.

Engraçado que tenha sido em Óbidos, numa terra onde ainda hoje me sinto estrageira, que eu tenha decidido mudar de vida. Talvez por isso, por ser estrangeira, eu me tivesse agarrado desesperadamente ao único colo que nunca me falhou: a escrita. E foi sobre os quilómetros que escrevi que fiz a minha travessia. Estes retratos do Folio também representam isso.

Pergunto à Marta porque é que ela veio viver para Óbidos. E ela, que também fez a viagem de Lisboa até lá, conta-me que se cansou de ter medo. Que o nascimento da filha a fez pensar que queria viver num sítio mais tranquilo, onde não andasse sempre com medo de não ter tempo. Um sítio onde pudesse ser freelancer e deixar de ter medo de perder o emprego. E eu penso, a caminho de um festival literário, cujo tema é a utopia, que se calhar essa é a utopia da nossa geração: Não ter medo.

Não deixa de ser estranho que uma geração, que sempre viveu em liberdade, tenha tantos medos. Temos sempre. Principalmente quando saímos das nossas gaiolinhas douradas, onde tudo parece garantido. Gaiolas que, por não terem cantos, nem sequer sombras têm. Talvez seja essa a nossa utopia, comento. E olho pela janela, para além do meu próprio reflexo. E penso que apesar de acharmos que nunca saímos do mesmo sítio, porque a paisagem e os medos correm no sentido contrario, a vida é simplesmente isto: uma viagem.

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