A Justiça em Portugal: que fazer?

Um modelo de justiça que cada vez mais reclama um serviço nacional de justiça, à semelhança do serviço nacional de saúde

As reformas da Justiça, no nosso País, foram sempre um tema recorrente, sobretudo, depois da Revolução de Abril de 1974, pretensamente justificadas como resposta aos males que constantemente se apontavam aos tribunais, por não solucionarem ou resolverem os litígios/questões com a eficiência e a prontidão que os litigantes desejariam.

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As reformas da Justiça, no nosso País, foram sempre um tema recorrente, sobretudo, depois da Revolução de Abril de 1974, pretensamente justificadas como resposta aos males que constantemente se apontavam aos tribunais, por não solucionarem ou resolverem os litígios/questões com a eficiência e a prontidão que os litigantes desejariam.

É facto que a Revolução de Abril não mexeu com os tribunais e eles continuaram a existir e a funcionar nos mesmos termos e condições que vinham dos tempos recuados do século XX, ainda que tenham aparecido novos Códigos. O imobilismo era a nota característica dos tribunais – as excepções eram a nova jurisdição constitucional e a jurisdição administrativa – e, por isso, eles não conseguiam responder ao volume exponencialmente crescente dos processos nos tribunais, de que os cidadãos interessados cada vez mais se socorriam, para defesa dos seus direitos e interesses legítimos e legalmente protegidos. Em poucos anos os tribunais foram ficando inundados de processos pendentes.

Daí que tenham surgido, ao longo dos anos, e a vários níveis, comissões de estudo e grupos de trabalhadores e similares, vindos do Ministério da Justiça e de outras entidades, para apresentarem pontualmente soluções para o que era já chamada CRISE da Justiça. Tantos foram que seria até curioso fazer um dia o seu levantamento e ponderar os resultados conseguidos no terreno.

Mas, no fundo, o pântano ou o charco da administração da Justiça tem-se mantido com o mesmo desalento do número dos processos pendentes, uns milhares que não decrescem.

Uma sugestão que pode fazer-se e é, aliás, inédita, está na ponderação de uma Justiça ANO ZERO, significando que, para futuro, os tribunais só lidariam com processos novos, acrescendo os processos urgentes ou prioritários e aqueles que já estariam numa fase terminal. Todos os demais, em andamento ou parados, ficariam a cargo de grupos ou secções de magistrados e operadores judiciais, em princípio, a funcionar em cada tribunal, especificamente e unicamente para serem resolvidos com mais eficiência e prontidão. É uma sugestão com custos financeiros elevados, sobretudo, com os meios humanos e logísticos minimamente indispensáveis, que teria de ser testado de cinco em cinco anos, até findarem os processos hoje pendentes.

Mas, os tribunais iriam começar do zero e logo se via como respondiam aos novos processos.

Em todo o caso, e qualquer que seja o modelo de justiça que se adopte, são pilares essenciais desse modelo:

  • Uma justiça prestigiada, pronta, universal e acessível aos cidadãos, em condições de igualdade, tendencialmente gratuita;

  • Uma justiça administrada preferentemente por tribunais estaduais, sendo residuais os meios alternativos de litigância, e que sejam tribunais de proximidade dos cidadãos;

  • Uma justiça distribuída por várias categorias de tribunais, dos cíveis aos criminais, passando pelos administrativos e fiscais, que assumiram uma posição constitucional;

  • Uma justiça participada pelos cidadãos, dando prevalência ao júri, à intervenção de juízes sociais e á participação de assessores técnicos qualificados;

  • Uma justiça que não pactue com Códigos e Leis que são constantemente e ciclicamente alterados e substituídos criando um clima de insegurança jurídica e de perturbação na aplicação do Direito;

  • Uma justiça servida por operadores judiciais caracterizados por uma total autonomia e uma plena independência face aos demais poderes do Estado e da sociedade civil, em especial, o poder político, com os perigos da governamentalização, e o poder económico, indutor de pressões e corrupção (a importância da autonomia das magistraturas e do Ministério Público, com conselhos superiores e próprios, gerindo e disciplinando os corpos dos magistrados);

  • Uma justiça sábia e responsável, no sentido de que, havendo decisões jurisdicionais causadoras de danos aos cidadãos, máxime, por erro judiciário, devem esses danos ser civilmente reparados;

  • Uma justiça liberta de qualquer limitação, condicionalmente ou contido do poder judicial.

Enfim, um modelo de justiça que cada vez mais reclama um serviço nacional de justiça, à semelhança do serviço nacional de saúde, com exigências do serviço público da administração da justiça, e que deve corresponder aos pilares essenciais acima enunciados.

Juiz-conselheiro jubilado