Inverno e Primavera chuvosos explicam ausência de grandes incêndios

Números oficiais mostram que até 15 deste mês a área ardida era a mais baixa dos últimos 20 anos. Especialistas atribuem louros à chuva.

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Até 15 de Julho arderam 2174 hectares de floresta, valor quase sete vezes inferior à média 2006-2015 Enric Vives-Rubio (arquivo)

Os termómetros têm teimado em subir nas últimas semanas, mas, mesmo assim, Portugal ainda não registou nenhum incêndio com uma duração superior a 24 horas. Os números oficiais mostram que até 15 deste mês a área ardida era, pelo menos, a mais baixa dos últimos 20 anos. Mas os especialistas não vêem razões para triunfalismos e atribuem os bons resultados essencialmente ao Inverno e à Primavera “extremamente chuvosa” e fria, que atrasou o crescimento da vegetação e impediu que secasse tão rapidamente.

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Os termómetros têm teimado em subir nas últimas semanas, mas, mesmo assim, Portugal ainda não registou nenhum incêndio com uma duração superior a 24 horas. Os números oficiais mostram que até 15 deste mês a área ardida era, pelo menos, a mais baixa dos últimos 20 anos. Mas os especialistas não vêem razões para triunfalismos e atribuem os bons resultados essencialmente ao Inverno e à Primavera “extremamente chuvosa” e fria, que atrasou o crescimento da vegetação e impediu que secasse tão rapidamente.

Isso, acreditam, tem explicado porque tem sido possível controlar os incêndios nas últimas semanas e evitar que muitos reacendam. Mesmo assim, insistem que ainda é cedo para cantar vitória e realçam que o efeito tampão que a chuva prolongada causou se deverá esgotar nas próximas duas ou três semanas, se as condições meteorológicas se mantiveram.

“Tivemos um Inverno bastaste chuvoso e uma Primavera igualmente chuvosa na maioria do país. Além da chuva, a Primavera foi fria. Isso atrasou o crescimento da vegetação”, explica o engenheiro florestal Paulo Fernandes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “Nos últimos dias o tempo tem estado quente e seco, mas ainda há uma reserva de água na vegetação que não é propícia à ocorrência de incêndios”, acrescenta.

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É cedo para prognósticos

Joaquim Sande Silva, professor na Escola Superior Agrária de Coimbra, concorda. “A chuva atrasou o início dos fogos, mas o acumular da secura pode complicar o cenário nas próximas semanas”, alerta. Por isso, insiste que ainda é muito cedo para fazer prognósticos. “Ainda estamos no início da fase mais crítica. Ainda temos Agosto e Setembro que são meses críticos”, realça. Paulo Fernandes diz que “o efeito tampão” tenderá a desaparecer se o tempo se mantiver quente e seco.  

Um relatório do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, que analisa o impacto da meteorologia na prevenção e combate dos incêndios florestais, confirma a percepção dos especialistas. Destaca a “Primavera fria e extremamente chuvosa” com valores de “precipitação muito acima do normal”. E releva que em Junho, por exemplo, o valor médio do índice de seca no continente “era inferior ao valor médio dos últimos 15 anos, sendo o mais baixo da série dos anos 2003 a 2016”. “No final de Junho de 2016 o valor acumulado da taxa diária de severidade, desde 1 de Janeiro, é o mais baixo dos últimos 14 anos”, acrescenta-se.

O comandante operacional nacional, José Manuel Moura, sublinha que o ano está a correr bem, mas não ignora que a situação se complicou nos últimos dias. “Desde o princípio do ano contabilizamos 4585 incêndios florestais, dos quais 2692 ocorreram desde dia 1”, precisa o responsável da Autoridade Nacional de Protecção Civil. O número de ignições acompanha a escalada das temperaturas. “Na passada segunda-feira registamos o número máximo de ocorrências até ao momento: 229”, adianta.

Aumentar

José Manuel Moura recusa atribuir os louros do sucesso apenas à meteorologia e sublinha que o “dispositivo de combate está mais oleado”. Realça, por exemplo, que foram dadas este ano 304 acções de treino operacional envolvendo 7100 operacionais e 35 mil guias de bolso que recordam as regras de segurança. “Estamos a colher frutos do nosso trabalho”, acredita.

Duarte Caldeira, presidente do conselho directivo do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil (CEIPC) e antigo presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, considera que o dispositivo de combate melhorou nos últimos anos. “É justo reconhecer que se avançou de forma significativa. É difícil avançar muito mais”, afirma, lembrando que o dispositivo não tem sofrido alterações significativas nos últimos anos. Apesar disso, atribuiu os bons resultados em termos de área ardida a “uma casuística de factores” em que pesa a chuva que se prolongou durante toda a Primavera.

Vulnerabilidade continua

O último relatório do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que faz o balanço dos incêndios florestais entre 1 de Janeiro e 15 de Julho, contabilizam a área ardida mais baixa da última década (2.174 hectares), quase sete vezes inferior à média 2006-2015 no mesmo período, que ultrapassa os 15 mil hectares. O número de fogos registado no mesmo período (2880) também é menos de metade da média da última década (6881).

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Os dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla EFFIS), que, através de imagens de satélite, contabiliza diariamente a área ardida, registam outros dois mil hectares ardidos só desde dia 15. Mesmo assim a soma fica muito longe dos quase 29 mil hectares ardidos o ano passado até final de Julho, um valor muito similar à média da década anterior.

Apesar da bondade dos números, Caldeira acredita que “ainda é cedo para tirar conclusões”. Lembra, por exemplo, que nesta altura o total da área ardida tem sido influenciado por meses como Março, em que este ano simplesmente não ardeu porque choveu muito. E repete um discurso em que tem vindo a insistir: “A floresta portuguesa continua a ter as vulnerabilidades que apresenta há muito anos. É preciso voltar à questão essencial”. Condena que os focos continuem direccionados ao combate e se deixe a prevenção longe dos holofotes. “Claro que é muito mais fácil acrescentar um avião ao dispositivo de combate que fazer uma profunda reforma na propriedade florestal do país”, critica. E lamenta que não se tenha avançado no ordenamento florestal, na resposta ao despovoamento do interior ou na capacidade de desenvolver as zonas de intervenção florestal.