Bial vai lançar medicamento para Parkinson no final do Verão

Investigação demorou 11 anos e custou cerca de 300 milhões de euros. Director-executivo da Bial anuncia que projecto da molécula usada nos testes em França foi definitivamente abandonado.

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António Portela, director-executivo da Bial: o novo fármaco chega a Portugal em 2017 Rui Farinha/NFactos

É o segundo medicamento de raiz portuguesa desenvolvido pela Bial. A Comissão Europeia aprovou um novo fármaco que será usado como adjuvante no tratamento da doença de Parkinson, anunciou nesta terça-feira António Portela, director-executivo da empresa farmacêutica. O medicamento, que demorou 11 anos a desenvolver e custou cerca de 300 milhões de euros, vai ser produzido em Portugal e vai começar a ser comercializado no final do Verão no Reino Unido e na Alemanha. Portugal e outros países europeus vão esperar por 2017.

Depois do Zebinix, indicado para a epilepsia e que está no mercado europeu desde 2009, a empresa farmacêutica portuguesa prepara-se agora para lançar um medicamento que quer ajudar os doentes de Parkinson a controlar alguns dos sintomas desta doença neuro-degenerativa. “É uma boa notícia que temos para partilhar que nos dá alento para continuar e reforçar o nosso compromisso com a saúde e os doentes”, anunciou o director-executivo da Bial, que recentemente esteve envolvida num problema com um ensaio clínico de uma outra molécula em França e que provocou uma morte, num caso ainda por explicar e que está a ser investigado pelo Ministério Público francês.

Desta vez, a Bial queria falar de um final feliz após 11 anos de investigação que resultou num fármaco “com um perfil de segurança muito bom, que foi testado em mais de 900 doentes, em 30 países e 28 ensaios clínicos”. Conhecido pelo nome do princípio activo, opicapone, o novo fármaco funciona como adjuvante (complementar à levodopa, o principal medicamente usado para o tratamento da doença) e é de toma única. Apesar de existirem outros medicamentos com a mesma indicação terapêutica, segundo a Bial, este fármaco consegue uma maior redução do chamado período off-time, que coloca estes doentes num estado de rigidez e imobilidade incapacitante.

Assim, segundo António Portela, este fármaco consegue em média uma redução de duas horas desse período, aproximadamnete o dobro de outros produtos semelhantes que existem no mercado. Esta terapia adjuvante é necessária numa fase mais avançada da doença (cerca de 4 a 5 anos após o diagnóstico) quando é preciso controlar as flutuações motoras (rigidez muscular, tremores, perda de equilibrio). O efeito lento e sustentado, a redução do período off-time para cerca de metade e o facto de se tratar de uma toma única são, segundo a Bial, algumas das vantagens deste fármaco.

“Apesar do envelhecimento da população, nos últimos anos tem havido muito pouca inovação nesta área”, notou o director-executivo da Bial, que espera ter bons resultados com este novo produto. A Associação Europeia da Doença de Parkinson estima que 1,2 milhões de pessoas na União Europeia sofrem da patologia de Parkinson, incluindo 22 mil portugueses. Os sintomas clínicos da doença surgem habitualmente depois dos 50 anos (idade média de diagnóstico da patologia é aos 60 anos). A prevalência da doença está estimada em 300 por 100.000 habitantes, aumentando para 1 por 100 na faixa etária entre os 55 e os 60 anos. 

Sem querer adiantar prazos para um esperado retorno do avultado investimento, António Portela adiantou que a experiência com o primeiro fármaco da Bial — o Zebinix, que também terá custado cerca de 300 milhões de euros — está a correr bem no mercado europeu e nos EUA. Em 2015 terá representado 50 milhões de euros para a empresa, que facturou nesse ano cerca de 215 milhões. “O Zebinix é o grande impulsionador das nossas vendas. Este ano, no primeiro semestre, estamos a crescer dois dígitos”, disse António Portela.

A Bial continua a investir cerca de 20% da sua facturação (cerca de 40 milhões de euros) no desenvolvimento de novas soluções terapêuticas. Actualmente, a empresa tem vários projectos (de novas vacinas e fármacos) em desenvolvimento. O que está mais avançado e já em fase de ensaios clínicos será uma molécula para a área cardiovascular.

Molécula do ensaio em França foi para o lixo

António Portela referiu ainda que processo de desenvolvimento de um novo fármaco com a molécula usada no ensaio clínico em França, que registou a morte de um voluntário em Janeiro deste ano, não foi apenas suspenso mas definitivamente abandonado. Sobre este caso, o director-executivo da Bial disse também que a empresa não conseguiu ainda que lhe fossem disponibilizados os dados clínicos e da autópsia dos voluntários envolvidos no ensaio e que ainda não foram chamados pelo Ministério Público francês para serem ouvidos no âmbito do inquérito em curso. “Não sabemos nada”, lamentou António Portela.

Os problemas verificaram-se num grupo de seis voluntários, sendo que um não teve qualquer efeito secundário, quatro terão ficado com lesões cerebrais e estarão a recuperar e um morreu. “Temos sido muito cautelosos, este incidente lamentável mexeu muito connosco”, reconheceu o responsável da empresa, concluindo que “a Bial ainda não tem respostas cabais para dar sobre o caso”. “Temos dois relatórios inconclusivos e sabemos que a molécula estava a ser desenvolvida há oito anos sem registar qualquer problema. É uma incógnita”, insistiu. Segundo explicou, apesar de estar completamente disponível para colaborar com as autoridades, as informações que tem sobre o assunto são as que vão sendo divulgadas pela comunicação social. Foi através das notícias que soube, por exemplo, que a vítima mortal "tinha, antes da sua participação no ensaio clínico, uma doença vascular intracraniana oculta, o que poderia explicar o desfecho fatal”, lembrou António Portela recordando as declarações do procurador François Molins quando o Ministério Público françês decidiu abrir investigação criminal por "homicídio involuntário" neste caso. "Nesta fase das investigações, a molécula usada no ensaio em questão parece ter desencadeado um mecanismo fisiopatológico que permanece desconhecido até hoje", acrescentou François Molins.

Admitindo que deitar ao lixo a molécula significa deitar ao lixo “muitos milhões de euros”, António Portela disse estar sobretudo preocupado em esclarecer as causas deste incidente.

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