Não foi possível comparar desempenho da justiça portuguesa com parceiros europeus

Principais indicadores nacionais desapareceram do mais recente Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia, devido a “constrangimentos técnicos”.

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Os problemas com a plataforma informática Citius poderão explicar a ausência de dados nacionais nFactos/Fernando Veludo

Portugal não forneceu à Comissão Europeia dados que permitam aferir do desempenho da justiça nacional no que respeita aos seus principais indicadores, como a celeridade.

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Portugal não forneceu à Comissão Europeia dados que permitam aferir do desempenho da justiça nacional no que respeita aos seus principais indicadores, como a celeridade.

Divulgado esta segunda-feira de manhã, o mais recente Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia é um relatório anual que se debruça sobre a qualidade, eficiência e independência dos sistemas judiciais dos 28 Estados-membros. Mas, ao contrário do que é habitual, os dados sobre a celeridade da justiça portuguesa na resolução dos processos cíveis, comerciais e administrativos em 2014, o último ano analisado no painel, não aparecem no relatório. Numa nota de rodapé pode ler-se uma explicação vaga: “Os dados não se encontram disponíveis devido a constrangimentos técnicos.”

Foi em Setembro de 2014 que o Ministério da Justiça pôs de pé o novo modelo de organização dos tribunais de primeira instância. Com um senão: a plataforma informática que o sustentava, chamada Citius, foi abaixo e esteve dois meses sem funcionar, só tendo sido declarada completamente operacional outra vez já no início de 2015. Como o PÚBLICO já noticiou, a tutela ficou sem dados estatísticos fiáveis sobre o andamento e a pendência dos processos nos tribunais que permitissem monitorizar o sistema judicial e avaliar a aplicação do novo mapa judiciário. O site da Direcção-Geral de Política de Justiça onde são divulgadas as estatísticas do sector apresenta, de resto, lacunas da mesma ordem: a actualização dos indicadores de eficiência dos tribunais judiciais de primeira instância parou em Outubro de 2014. Mesmo num sector que não trabalhava com a plataforma Citius, o dos tribunais administrativos, e que em Portugal regista habitualmente os maiores atrasos, revela-se impossível saber, através do relatório da Comissão Europeia, o número de casos pendentes em território nacional.

O Ministério da Justiça justifica, de facto, parte dos dados em falta com os problemas decorrentes da entrada em vigor do novo modelo de reorganização judiciária, informando que "os resultados completos e provisórios" do movimento de processos nos tribunais judiciais de 1ª instância serão divulgados no final deste mês. Quanto aos tribunais administrativos, a tutela alega que, à data em que a informação foi coligida para o relatório da Comissão Europeia ainda não recolhia dados provenientes destas instâncias, prática que entretanto já adoptou.

O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou, entretanto, uma pergunta ao Governo. Quer saber que tipo de “constrangimentos técnicos” estão na origem da falta de dados recentes sobre a celeridade da justiça portuguesa e que medidas estão a ser adoptadas para resolver o problema.

Seja como for, nem todos os indicadores se volatizaram. Assim, e à semelhança do que se passa desde 2010, também em 2014 o tempo médio de resolução judicial dos casos de insolvência ronda os dois anos — uma demora muito inferior à Eslováquia, onde é preciso esperar quatro anos para ver um processo deste género resolvido, mas muito superior à Irlanda, onde não são precisos sequer seis meses. 

No capítulo da resolução judicial de litígios com organismos reguladores na área das comunicações electrónicas Portugal bate no fundo da tabela, com uma demora média que passa de 1600 dias em 2013 ano em que já era o país mais moroso de todos os da União Europeia para cerca de 1900 dias em 2014. A legislação das comunicações electrónicas tem como objectivo tornar o sector mais competitivo e gerar investimento, inovação e crescimento, assinala o relatório. “A sua aplicação é também essencial para reduzir as tarifas pagas pelos consumidores e aumentar a qualidade dos serviços e a transparência”, pode ainda ler-se no documento. 

Para a Autoridade Nacional de Comunicações, a situação identificada no relatório "é o reflexo da forma como os tribunais funcionam em Portugal": os processos "eternizam-se e, em áreas muito técnicas e complexas, como é o caso dos processos contra a Anacom, os tribunais têm ainda mais dificuldade em decidir".

"Em muitos casos quando surge a decisão a realidade já se alterou, o que tem impacto no efeito da decisão", acrescenta a Anacom. Especializado em contencioso na área das telecomunicações, o advogado Tiago Félix da Costa pensa que a posição de Portugal no ranking pode ter sido influenciada pelos atrasos dos tribunais administrativos. "Em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Concorrência [onde vão parar muitos processos relacionados com os diferentes reguladores] tem-se mostrado excepcionalmente célere", ressalva o advogado.

No que à percepção da independência do poder judicial diz respeito, Portugal aparece no painel divulgado esta segunda-feira como um dos países cuja evolução o Fórum Económico Mundial avalia de forma positiva. Entre os cidadãos em geral, são mais os que suspeitam da falta de independência dos juízes e dos tribunais do que aqueles que confiam na sua isenção, mas a grande maioria das pessoas tem uma opinião menos extremada sobre o assunto: dizem que os tribunais são mais ou menos independentes, assacando a alegada falta de isenção a interferências do poder económico ou político. Já entre as empresas que operam em Portugal há claramente uma percepção mais negativa do poder judicial.

Como sublinhou a comissária europeia da Justiça, Vera Jourová, na conferência de imprensa que deu esta segunda-feira de manhã, é grande o impacto da justiça no crescimento económico de cada país. Investir num país onde os litígios se arrastam anos em tribunal constitui um risco que nenhuma empresa gosta de correr. Portugal não faz parte do pequeno grupo de Estados-membros nos quais há um limite para o número de anos que um processo pode ficar pendente, à espera de resolução. Por essa e outras razões, inclui-se entre os países cujos esforços na área da justiça a Comissão Europeia diz estar a monitorizar de perto. 

"As deficiências dos sistemas judiciais nacionais entravam o funcionamento do mercado único", podia ler-se no relatório que a Comissão Europeia produziu no ano passado — e no qual Portugal surgia como o país mais moroso, em 2010 e 2012, na resolução de processos cíveis, comerciais e administrativos, categoria que inclui casos contenciosos e não contenciosos, como os registos prediais.

Para ultrapassar o congestionamento dos tribunais, há firmas — e, por vezes, também particulares  — que recorrem aos métodos alternativos de resolução de litígios, como os tribunais arbitrais, cujos juízes, não necessariamente formados em Direito, são indicados pelas partes envolvidas. Nesse capítulo, e em comparação com os seus parceiros europeus, Portugal surge classificado num honroso sexto lugar, muito à frente de países como França ou Itália. A desjudicialização, como também é chamado este fenómeno, não é, porém, uma prática isenta de controvérsia, como sublinhou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, em Outubro passado