Quantos Portos cabem num velho banco?

O AXA deu cultura ao Porto durante dois anos e agora é vez do Av. – Espaço Montepio cumprir essa função. As primeiras residências artísticas inauguram no dia 26 de Março, e contam histórias de uma cidade e de um banco.

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Adriano Miranda
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Depois de dois anos de mostras e residências artísticas no Edifício AXA, na Avenida dos Aliados, o projecto transladou-se para o igualmente devoluto edifício do Montepio, do outro lado da mesma via. A ideia é “encontrar formas criativas e inovadoras para o desenvolvimento urbano” do Porto e para isso foi aberto um concurso direccionado a jovens artistas e curadores, estudantes do ensino superior ou não, para terem os seus trabalhos em mostra na antiga dependência do banco.

A sala está poeirenta, há tinta no chão e o cheiro a verniz paira no ar. O sumptuoso banco já não é o que era, mas agora cabem dentro dele muitas visões e vivências. As primeiras residências artísticas no Av. – Espaço Montepio vão inaugurar no dia 26 de Março, e os quatro projectos, de seis jovens artistas, começam já a ganhar corpo.

Do lado direito do velho átrio com escadaria de mármore está Alexandra Rafael, de volta de duas chapas e muitos produtos químicos. “Foquei-me só no Montepio para este trabalho, a matéria-prima vem toda deste banco”, explica a jovem artista. Nas chapas pousadas nas mesas de trabalho estão gravadas as texturas do que “eram as portas e as janelas" do banco. Além disso, está a fazer colagens de antigos recibos e facturas do Montepio. A artista tem, também ela, raízes na instituição bancária já que o seu avô trabalhou durante muitos anos o Montepio em Coimbra. Cresceu rodeada daqueles papéis e monografias, embora estivesse sempre a ouvir: “São as coisas do avô, não são para mexer!”, admoestava a família face ao fascínio de uma pequena Alexandra.

“Estes números, estas letras, são um padrão como as próprias texturas do edifício”, explica a artista enquanto abre uma antiga monografia. O que fez, com esta residência artística, foi “recuperar a identidade estética do banco, não só aquilo que ele foi, mas aquilo em que se tornou" com o abandono e o passar dos anos.

Um porto de mudanças
Assunta Alegiani, alemã e a viver há quatro meses na cidade, e Pedro Ferreira, de Oliveira de Azeméis, conversam à volta de uma televisão pousada no chão, onde passam imagens cada vez mais difíceis de encontrar de um Porto em vias de extinção. Há dois pescadores em cima das pedras da zona ribeirinha das Fontainhas, com vista sobre as pontes que cruzam o Douro. Assunta explica que o projecto “No matter where you go, you are here” (“vás onde fores, estás aqui”, em tradução livre) partiu de um documentário quase homónimo que desenvolveu com o colega Pedro Ferreira sobre as mudanças que um mundo globalizado impõe na comunicação e nas relações interpessoais.

As filmagens para esse documentário aconteceram entre a Alemanha, Portugal, Canadá e Tailândia, durante um ano. Mas para esta residência artística focaram-se no Porto e nas mudanças que a cidade está a viver com a “gentrificação” ao transformar-se “numa cidade mais turística”, explica Pedro. Os quatro espaços onde vão ter o seu trabalho em mostra contam a história destas mudanças embora dêem conta que a cidade ainda está “num estado intermédio” entre o que era e o que se está a tornar.

Numa mesa baixa, quase ao centro do átrio, estão uma série de pequenas publicações expostas. Numa página aberta vê-se uma fotografia de um gato numa ilha portuense. Karen Lacroix, franco-canadiana, e Catarina Azevedo, portuense, juntaram-se para contarem as histórias de um Porto esquecido. Se o trabalho e instalações de vídeo de Pedro Ferreira e Assunta Alegiani mostram um Porto em mudança, o destas duas artistas mostra um Porto que caiu no esquecimento mas que tem histórias para contar.

As duas artistas vão construir uma biblioteca móvel para expôr um livro que conta a história das paredes do Porto – da muralha aos azulejos, passando pelo velho papel de parede. Catarina é a encadernadora por excelência. Munida de papel de parede centenário, a alfaiate de livros vai cozendo os pedaços de memórias até os transformar em algo palpável e com uma história segura por fios. “Eu trago as imagens, os recortes, a Catarina reage ao que eu trago e transforma-os pela encadernação”, explica Karen. Os livros são, em si próprios, uma colagem de histórias. De histórias do interior das ilhas, do interior das casas.

Falsidades que projectam verdades
Descendo até aos cofres, onde a humidade e a ferrugem se colam à pele, Carlos Mensil estuda o posicionamento de um holofote. O que parece ser um vidro partido atrás da porta de ferro do antigo cofre é na verdade uma estrutura de aço, suspensa no ar. O ex-estudante de Belas Artes quis “sugerir vidro quebrado” e desenhou um tangram (quebra-cabeças chinês formado por sete peças com que se formam várias figuras) com a construção metálica. “O que as crianças fazem, ao construírem e desconstruírem um tangram, é o que os adultos fazem com o dinheiro”, brinca.

No andar de cima, no átrio, há uma outra estrutura que não é o que parece. “Reclame”, como lhe chama o autor, é uma construção também em chapa de aço, que projecta na parede uma sombra geométrica. “É como os reclames dos bancos. Quando entramos numa dependência vemos uma série de posters que anunciam produtos bancários”, contextualiza. A sombra que projecta é um “rectângulo de ouro”, uma figura geométrica que parte de um princípio matemático da Grécia Antiga – e é também a fórmula para o tamanho dos nossos cartões bancários e de identificação.

“São coisas falsas que projectam aparentes verdades”. A peça de aço perpendicular à parede não é um rectângulo dourado – mas a sua sombra é. “Isto faz especial sentido numa altura em que há tanta desconfiança sobre a banca”, confessa.

Os seis artistas que labutam no átrio de um velho banco, a dias da inauguração, têm uma visão muito própria do mundo. Contam muitas histórias, de diferentes maneiras mas com elos comuns: Um edifício e uma cidade. Da gentrificação ao abandono, das texturas antigas às mentiras criadas pelas sombras. Dentro de um banco, estão vários Portos diferentes.

Texto editado por Ana Fernandes

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