Entrou no hospital para operar um pé. Saiu em cadeira de rodas

Erro médico durante cirurgia custa 95 mil euros ao British Hospital. Doente já sofria antes de paralisia cerebral.

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Uma recente sentença do Supremo Tribunal de Justiça veio pôr fim ao calvário judicial da vítima Carlos Lopes (arquivo)

Chegou a ir a um programa de televisivo. Era o exemplo de como alguém podia ultrapassar limitações próprias da paralisia cerebral, podia aspirar a uma carreira, neste caso de cantora lírica.

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Chegou a ir a um programa de televisivo. Era o exemplo de como alguém podia ultrapassar limitações próprias da paralisia cerebral, podia aspirar a uma carreira, neste caso de cantora lírica.

Foi anos depois de ter ido à televisão que resolveu corrigir as sequelas que que a doença lhe tinha deixado num pé desde a infância, e que tendiam a agravar-se. Tinha 52 anos e a sua vida nunca mais voltou a ser a mesma. Os juízes não conseguiram apurar ao certo o que se passou a 23 de Dezembro de 2009 no British Hospital, em Lisboa. A operação ao tendão de Aquiles parecia ter corrido bem, mas Isabel Pestana passou a ter de usar cadeira de rodas para sair de casa e a sofrer de incontinência. Operada ao pé direito, ficou a sofrer de paralisia total do membro inferior esquerdo, com impossibilidade definitiva de andar. A unidade hospitalar foi recorrendo de sucessivas sentenças condenatórias: dizia que não tinha culpa do sucedido, tendo empurrado responsabilidades para o cirurgião responsável pela operação, que alegou ser “um prestador de serviços” que lhe “requisitou serviços de bloco operatório e internamento”.

Uma recente sentença do Supremo Tribunal de Justiça veio pôr fim ao calvário judicial da vítima, ao decretar que o British Hospital vai ter de pagar à doente 95 mil euros, 30 mil dos quais por danos não patrimoniais. Uma indemnização que até se justificava ser superior, escrevem os juízes conselheiros, perante um caso que foi considerado “trágico” pelo Tribunal da Relação. Reduzir este valor, como queria a unidade hospitalar privada, “seria enveredar pelo caminho das indemnizações miserabilistas, atentatórias da pessoa humana”, pode ler-se no acórdão do Supremo.

O problema parece ter estado na epidural usada. Ou então no recobro. A cantora, que temia submeter-se a uma anestesia geral, não teve qualquer consulta pré-anestésica. Após a operação, que durou duas horas e meia, queixou-se de falta de sensibilidade na perna esquerda. Um relatório do médico responsável pela cirurgia, António Estanqueiro Guarda, equaciona a hipótese de “reacção excessiva da anestesia e/ou DIB epidural”, sendo DIB a abreviatura de drug infusion ballon, o infusor da substância entorpecente. Perante as queixas de Isabel Pestana foram-lhe prescritos analgésicos. Sofria de repetidas infecções urinárias, e acabou por ser transferida, no Verão desse ano, para o Centro de Medicina e Reabilitação do Alcoitão. Só regressou a casa em Novembro desse ano, dez meses depois de ter saído para uma operação que previa ser simples.

“Perante um incidente grave desta natureza, cujo resultado não deixa de ser surpreendente, designadamente para as pessoas da ‘arte médica’, seria de exigir ao hospital um inquérito célere ao caso, com vista ao apuramento cabal das suas causas, prevenindo, desde logo, novas situações e, por outro lado, procurando reparar os danos provocados”, criticam os juízes do Tribunal da Relação. Na realidade, o British Hospital não só tentou furtar-se ao pagamento da indemnização como não devolveu à vítima da negligência médica a caução de dois mil euros que ela ali foi obrigada a depositar antes do internamento. Pelo contrário, ainda por cima lhe exigia perto de 7900 euros pelos cuidados médicos que lhe prestou depois de a operação ter corrido mal, entre Março e Junho de 2009. Agora vai ter de devolver a caução, uma vez que a justiça entendeu que esse período de internamento “se destinou à tentativa de minorar os danos causados”.

Contactado pelo PÚBLICO, um administrador do British Hospital, Eduardo Moniz, assegura que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça irá ser acatada, embora a unidade hospitalar tencione accionar o seu seguro para ser ressarcida dos 95 mil euros. Nem o médico nem a anestesista em questão, Cidália Oliveira, trabalham já para o British – um facto de Eduardo Moniz diz ser uma coincidência, e não uma consequência do sucedido.

Professora de música no Centro de Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian, Isabel Pestana reformou-se em 2011 por invalidez. A Caixa Geral de Aposentações paga-lhe uma pensão de 546,89 euros mensais. Ficou a depender de terceiros para os actos do quotidiano, como ir às compras, quando a sua vida já antes não era fácil, por a paralisia cerebral lhe afectar a capacidade de coordenação motora, descreve o Tribunal da Relação de Lisboa.

“Os nossos clientes podem ter total confiança na instituição. O número de complicações deste género é muito reduzido”, assegura o administrador da unidade hospitalar onde tudo sucedeu.