Nem Trump nem Clinton, a América vota em Frank Underwood

Depois de quase um ano de espera, a quarta temporada de House of Cards estreia nesta sexta-feira. Em Portugal, chega um dia depois. Falámos com o casal Underwood: Kevin Spacey e Robin Wright.

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Além de protagonista da série, Kevin Spacey é também produtor executivo Sony Pictures Television
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Robin Wright realiza alguns dos episódios desta temporada, à semelhança do que tinha feito no ano passado Sony Pictures Television
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Derek Cecil é Seth Grayson, assessor de Underwood Sony Pictures Television
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Right garante que Claire continuará a medir forças com Frank na temporada que agora estreia Sony Pictures Television
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Molly Parker é Jackie Sharp Sony Pictures Television
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Ellen Burstyn é uma das novidades deste ano, a actriz vai ser a mãe de Claire Sony Pictures Television
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Frank Underwood luta por se manter na Casa Branca Sony Pictures Television
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Frank e o seu fiel Doug Stamper (Michael Kelly) Sony Pictures Television
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Neve Campbell é uma das novas contratações para a quarta temporada Sony Pictures Television
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Kim Dickens é Kate Baldwin, jornalista correspondente na Casa Branca Sony Pictures Television

Enquanto os Estados Unidos e o mundo debatem o fenómeno Donald Trump, Frank Underwood (Kevin Spacey) regressa para agitar a corrida à Casa Branca. Perder não é uma hipótese e para vencer este homem já nos mostrou que não tem limites. Não está sozinho. Ao seu lado, tem uma mulher não menos poderosa, Claire Underwood (Robin Wright). Juntos são provavelmente o casal mais mediático da actualidade. Estamos no domínio da ficção, claro, mas a realidade não fica assim tão longe. Se House of Cards nos obrigou a olhar para a Internet e para o streaming com seriedade, eles deixaram-nos interessados pela política norte-americana. Nem Spacey nem Wright arriscam paralelos com a situação no país mas os dois actores não conseguem fugir às constantes comparações. “Quem é que realmente sabe o que passa? Não acho que alguém saiba”, diz-nos a actriz ao telefone.

Depois de quase um ano de espera, House of Cards está de regresso. A série que veio agitar a televisão e abanar as regras de tudo quanto é prémio, obrigando a indústria e o público a olharem para a Internet e os seus serviços de streaming, chega esta sexta-feira a meio mundo. Em Portugal, teremos de esperar até sábado para ver o primeiro episódio no TVSéries, às 23h. Também não poderemos ver toda a temporada de uma vez como o Netflix nos ensinou: será preciso esperar por novidades a cada semana. E isto porque quando o serviço de streaming chegou ao mercado nacional, os direitos de House of Cards já tinham sido vendidos, aplicando-se não só às temporadas estreadas como também às novas — uma questão que o Netflix procurará resolver em breve. Entretanto, nesta sexta-feira, chegaram ao Netflix as três primeiras temporadas da série e a confirmação de que a quarta também estará disponível — não toda de uma vez, mas um episódio por semana, tal como no TVSéries.

“Não acho que tenhamos começado nada”, responde Kevin Spacey ao PÚBLICO, numa conversa telefónica com vários jornalistas europeus, defendendo que a qualidade em produções para a televisão já existe há algum tempo: “Regressemos a 1998, quando a HBO estreou Os Sopranos.” Mas admite: a série, da qual também é produtor executivo, ao lado do criador Beau Willimon e de David Fincher, “começou a mudar o paradigma de recepção do entretenimento”. Foi House of Cards que nos deu o binge watching, ou seja, a possibilidade de ver uma temporada completa de enfiada.

Um sucesso ao qual se seguiram tantas outras apostas não só do Netflix como de toda a concorrência, online e tradicional. São cada vez mais as vozes que dizem que vivemos a segunda era dourada da televisão e House of Cards é frequentemente dada como exemplo. “Os actores que as pessoas conheciam anteriormente do cinema mudaram-se para a televisão porque os estúdios decidiram que não estão interessados em fazer histórias que permitem o desenvolvimento do personagem”, diz o actor, vencedor de dois Óscares (Melhor Actor Secundário com Os Suspeitos do Costume e Melhor Actor em Beleza Americana), para quem House of Cards é mais do que um drama político. “É um retrato da vida e das complexidades da vida”, continua, com a certeza de que a história da ascensão ao poder do congressista norte-americano Frank Underwood é um sucesso à escala global porque o que ali vemos não acontece apenas na administração americana. “São as políticas da vida”, brinca Spacey. “Acho que as pessoas aderiram à série porque representamos coisas que parecem muito genuínas.”

Ficção plausível
Tão genuínas que desde que a série se estreou em 2013 não pararam as comparações com a realidade. Os jogos de poder nos bastidores, a relação entre governantes e jornalistas... Há até quem compare o casal Frank e Claire Underwood a Hillary e Bill Clinton. Kevin Spacey ignora tudo isso, ou pelo menos tenta ignorar. “Há o mundo real e há o mundo da ficção e eu actuo no mundo fictício”, resume, admitindo que não deixa de ser um elogio as pessoas sentirem que o argumento da série é tão real.

Robin Wright não responde de maneira diferente quando, numa outra conversa telefónica, lhe perguntam o que diria Claire ao candidato republicano Donald Trump: “Eu interpreto uma personagem, leio o que está escrito. Não posso comparar com o que está a acontecer na realidade.” Mas vai mais longe, quando lhe perguntamos se, à semelhança de Spacey, estabelece uma linha entre a realidade e a ficção. É assim tão disparatado pensar que algumas das coisas que vemos em House of Cards possam acontecer no mundo em que vivemos? “Não acho que algum de nós algum dia saberá qual é a realidade em qualquer administração. Na série, temos um caminho livre para criar qualquer coisa, tudo o que quisermos, por mais ridículo que possa ser, ou até por mais plausível que seja. Quem sabe? Quem é que realmente sabe o que se passa?”

No final da primeira temporada, Wright teve a oportunidade de falar com “um político de perfil elevado” sobre House of Cards, que lhe havia dito o quanto tinha gostado dos episódios. Perguntou-lhe quão rigorosa considerava a série. “Estava curiosa, queria saber como somos a abordar os temas actuais, o congresso, a ganância”, conta a actriz. “E ele disse: ‘cerca de 99%’.” A pergunta que se seguiu foi que 1% era esse que faltava. “Parecia claro que a incorrecção era a jornalista morta. E ele: ‘Bem, o 1% que não me parece muito correcto é que nunca teríamos a lei da educação a passar assim tão depressa’. Caímos no chão a rir”, relembra Wright, provando que a realidade consegue sempre ultrapassar a ficção. “É incompreensível para mim, vemos coisas em séries dramáticas que nos levam a dizer que é uma loucura. Mas bom, estamos a fazer um drama político ficcionado, e a verdade é que depois vemos este tipo de coisas acontecerem.”

Kevin Spacey revela que pediu mesmo conselhos a políticos como Kevin McCarthy, ex-líder da maioria do Partido Republicano na Câmara dos Representantes, ou Steny Hoyer, líder do Partido Democrata na mesma câmara. “Queria perceber como é que era ser líder da maioria na Câmara dos Representantes, o que é que significava tentar levar 218 congressistas a votar na direcção específica que queres que votem”, conta o actor, explicando ter pedido conselhos específicos a políticos específicos.

Já Robin Wright procurou outro tipo de inspiração para a sua personagem. “Não fui para Washington, não li sobre política, procurei alguma coisa mais física. Preciso de algo que seja visível para replicar, emular, alguma coisa que eu possa representar”, explica. “Durante muito tempo, não conseguia encontrar, era frustrante. E um dia, estava a ver um daqueles programas sobre a natureza do Richard Attenborough e vi a águia americana. Percebi logo, é a Claire, ela é a águia americana”, continua, contando que a águia americana não perde de vista as suas presas, da mesma forma que protege os seus entes queridos.

E Frank Underwood, é uma presa ou uma águia? Que relação é esta em que os dois dependem um do outro para chegar ao poder? Em que tanto parecem amar-se como odiar-se? “Se pões dois alfas numa sala, eles são obrigados a lutar. São obrigados a odiar-se por quererem controlar o outro”, responde depressa Wright, defendendo que há naquela relação um amor e um respeito profundo. Em cada discussão, em cada briga, há amor. “Se eles se dessem sempre bem e fizessem sempre o que é certo para cada um, então não teríamos tanta força na série. Eles alimentam-se um ao outro, crescem um no outro, e protegem-se um ao outro. E se um deles quebra esse acordo, haverá consequências”, atira-nos de volta a actriz. Que consequências?

É uma pergunta sem resposta que descobriremos provavelmente nesta nova temporada. O casamento entre Frank e Claire já viveu melhores dias. Na terceira temporada, Frank caminhava cada vez mais só numa campanha para a Casa Branca que não lhe parece dar tréguas, ao mesmo tempo que Claire ambiciona o voo da águia. Consegue ele ser presidente sem ela? E o que pode ela contra o poder dele?

“Não poderei responder a isso porque significaria que estaria a contar alguma coisa que vai acontecer”, responde-nos Kevin Spacey, destacando, no entanto, como tem sido “uma jornada incrível construir a relação que Frank e Claire têm há tantos anos”. Mais de duas décadas, para sermos precisos. “Obviamente, no final da terceira temporada deixámo-los numa discussão e pêras. E voltaremos a vê-los a lutar com essas questões e a tentar perceber se acreditam que são mais fortes juntos ou separados”, conta o actor, que acredita que há ainda muito para mostrar desta complexa relação. Robin Wright recorre novamente ao mundo animal para falar deste casamento: “Ser uma ‘mulher alfa’ ou um ‘homem alfa’ — e eu acho que a Claire e o Francis são ambos — faz com que se criem alguns conflitos interessantes, além de uma bela dinâmica.”

Mas Spacey alerta: há mais em House of Cards para lá deste casal. “Há todo um mundo.” Sejam as pessoas que com eles trabalham, ou as pessoas que a eles fazem frente. E nesse campo, a quarta temporada apresentará várias novidades. Conheceremos, por exemplo, a mãe de Claire, interpretada pela veterana Ellen Burstyn, vencedora de um Óscar pelo seu papel em Alice Já Não Mora Aqui. Neve Campbell, Cicely Tyson ou Joel Kinnaman são outros dos novos actores.

“Deve ser muito assustador chegar a uma série que já está tão estabelecida”, diz Wright. “Não imagino o que seja, mas eles são todos tão profissionais, entraram logo no ritmo, estiveram lindamente”, acrescenta a actriz, lembrando alguns dos episódios que realizou. “Traz uma outra dinâmica à série, o que é necessário. Pensamos em quem mais é que podemos trazer para criar novos conflitos, se não vais começar a ter ciclicamente as mesmas ideias. É sempre um belo desafio tentar encontrar alguma coisa nova.”

Esta quarta temporada será a última de Beau Willimon. Em Janeiro, o Netflix garantiu que House of Cards teria, pelo menos, mais uma temporada em 2017, mas revelou que o seu criador estava de saída. O argumentista, que em 2012 foi nomeado para os Óscares com o argumento de Nos Idos de Março, decidiu partir para outra, e o seu lugar foi assumido pela dupla Melissa James Gibson e Frank Pugliese, argumentistas da série desde o seu início. Robin Wright considera que ainda é cedo para falar do que aí vem, mas conta que tanto ela como Spacey participam bastante no processo criativo. Tanto que foi assim que a actriz começou a realizar — “Não conseguia estar calada e então perguntaram-se se não queria eu realizar uns episódios."

“Vou sentir muito a falta de Beau. Consigo perceber que esteja cansado”, concede Kevin Spacey. “O nosso trabalho agora é fazer tudo o que pudermos para honrar a série que ele criou.”

Notícia actualizada às 13h10: Acrescentada a informação de que a série chegou ao Netflix. As três primeiras temporadas já podem ser vistas e a quarta vai ser lançada tal como na televisão, um episódio por semana

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