Obrigacionistas do Banif com mais sorte do que os do Novo Banco

Credores de dívida sénior do Banif foram para o Santander, os do Novo Banco para o BES “mau”.

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Banco de Portugal protegeu alguns detentores de obrigações sénior que estavam na esfera do Novo Banco Miguel Dantas

Imagine-se o caso de um investidor que tenha comprado obrigações (dívida) seniores emitidas pelo Banif e pelo BES, colocando 500 mil euros em cada um. Até à semana passada, e depois do susto com a intervenção no BES em Agosto de 2014, estava tranquilo com as suas aplicações. Depois, o Banco de Portugal aplicou uma medida de resolução no Banif, provocando mais de 2000 milhões de perdas para o Estado e arrastando os accionistas e detentores de obrigações subordinadas. 

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Imagine-se o caso de um investidor que tenha comprado obrigações (dívida) seniores emitidas pelo Banif e pelo BES, colocando 500 mil euros em cada um. Até à semana passada, e depois do susto com a intervenção no BES em Agosto de 2014, estava tranquilo com as suas aplicações. Depois, o Banco de Portugal aplicou uma medida de resolução no Banif, provocando mais de 2000 milhões de perdas para o Estado e arrastando os accionistas e detentores de obrigações subordinadas. 

No meio de tudo isto, depositantes e investidores em obrigações sénior ficaram a salvo, passando para o universo do Santander Totta. Poucos dias depois, nova medida aplicada pelo Banco de Portugal, desta vez no Novo Banco. De modo a melhorar aos rácios desta instituição financeira, o regulador fez regressar ao BES, o banco “mau”, obrigações sénior com um valor de balanço de 1985 milhões de euros que estavam até aqui protegidas. 

Para o investidor, que usou a mesma estratégia de aplicação de poupanças nos dois bancos, os 500 mil euros de obrigações sénior do Banif ficaram a salvo, enquanto os 500 mil euros de obrigações sénior do BES /Novo Banco passaram a valer zero, ou perto disso. Isto porque o mesmo tipo de obrigações foi alvo de uma decisão diferente por parte do regulador.

No caso do Banif, as obrigações sénior que passaram, como passivo, para as mãos do Santander Totta, têm um valor global de 170 milhões de euros.

O PÚBLICO questionou o Banco de Portugal sobre esta dualidade de critérios nas intervenções que fez nas instituições, mas não obteve resposta.  Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM), não tem dúvida de que houve uma diferenciação no tratamento dado aos investidores em causa. “O que aconteceu no Banif foi o que aconteceu com o BES há um ano e meio. A questão é que o Novo Banco foi agora alvo de uma nova medida de resolução para recapitalizar a instituição”, apanhando alguns obrigacionistas em detrimento de um novo esforço dos bancos”, via Fundo de Resolução.

“O Estado está a fazer o que bem entende”, atesta, sublinhando que o caso dos obrigacionistas do Banif só não corre o risco de se tornar igual ao do BES/Novo Banco porque “o Santanter Totta é uma instituição privada”, e iria sempre evitar tanto a má imagem como a litigância.

Estado fica de fora
No que toca à decisão tomada nesta terça-feira à noite, ao não transferir para o BES a totalidade da dívida sénior, o Banco de Portugal visou especificamente cinco séries, com maturidades que vão de Julho de 2016 até Junho de 2024, e que são caracterizadas pelo regulador como tendo sido “colocadas especificamente junto de investidores qualificados, apresentando uma denominação mínima de 100 mil euros”.

De fora ficaram outros títulos de dívida emitidos pelo BES, com uma dimensão total bem superior. É o caso das três séries de obrigações emitidas inicialmente pelo banco no final de 2011 e início de 2012, que beneficiam de uma garantia do Estado e que têm um valor nominal de 3500 milhões de euros.

Nessa altura, o Governo decidiu, devido à dificuldade que o sistema financeiro português revelava em obter financiamento nos mercados, dar uma ajuda através da atribuição de garantias pessoais do Estado a emissões de dívida feitas pelos bancos. No caso do BES, as emissões foram feitas com uma garantia estatal de três anos e os títulos obrigacionistas serviam sobretudo para poderem ser apresentados ao BCE como colateral nas operações de financiamento regular do banco central.

No final de 2014, o Governo decidiu prolongar por um ano a concessão da garantia, tendo contado para isso com a aprovação das autoridades europeias. Agora, o actual Governo fez o mesmo: pediu autorização à Comissão Europeia e prolongou por mais um ano a garantia.

Estas obrigações, que podem estar ainda a ser usadas como colateral nos empréstimos do BCE e que, caso não fossem pagas pelo Novo Banco, teriam de ser assumidas pelo Orçamento do Estado, não foram agora transferidas para o banco “mau”, o que lhes dá uma probabilidade substancialmente maior de virem a ser pagas.

Obrigações voltam ao mercado
Depois de ter suspenso os valors mobiliários do Novo Banco na terça-feira, a CMVM acabou por levantar a sua suspensão  às 19h30 desta quarta-feira.

Apesar de admitidas à cotação, as obrigações atingidas pela medida do BdP já não tinham qualquer liquidez. O PÚBLICO apurou junto de fonte oficial da Euronext Lisbon, que gere a bolsa de Lisboa, que ao longo de 2015 não se registaram transacções envolvendo as obrigações em causa.

Para o presidente da ATM, a diferenciação feita aos detentores de obrigações sénior do BES/Novo Banco vai contra o princípio de igual tratamento dos detentores de valores mobiliários.

E, de acordo com várias fontes do mercado contactadas pelo PÚBLICO, a decisão do Banco de Portugal poderá dificultar futuras emissões de dívida sénior por parte dos bancos nacionais. “Quando um banco português precisar de emitir dívida, veremos se terá compradores”, sublinha Filipe Silva, director de gestão de activos do Banco Carregosa.

As recentes perdas em obrigações dos bancos poderão ter um impacto negativo ao nível da emissão deste tipo de dívida por parte de outras empresas nacionais, que nos últimos anos estavam a recorrer mais a esta forma de financiamento.