Para que serve a “Nato sunita”?

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Na terça-feira, o jovem príncipe Mohammed bin Salman, ministro da Defesa saudita, filho do rei e segundo na linha de sucessão, anunciou uma coligação militar de 34 Estados muçulmanos — de facto apenas sunitas — para combater o terrorismo sob liderança de Riad. Parece simples: se o Estado Islâmico (EI ou Daesh, como prefiram) “declarou guerra ao mundo”, o mundo declara guerra ao EI. A coligação sunita somar-se-ia à coligação organizada pelos Estados Unidos ou à Rússia que também bombardeia na Síria. Não é bem assim.

A aliança sunita inclui países exteriores ao Médio Oriente, como a Malásia, o Senegal ou Marrocos. E também a Turquia, membro da NATO, em fase de desorientação estratégica perante a guerra síria. Muitos dos 34 são membros nominais da coligação “americana” anti-EI, como a própria Arábia Saudita, ou países como a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos que têm participado nos bombardeamentos. Dela está excluído o Irão, que é xiita e o verdadeiro rival dos sauditas na região.

O anúncio da aliança dos 34 coincidiu com a chegada de John Kerry a Moscovo para acertar agulhas com o Kremlin. Depois de Washington ter liderado a campanha anti-EI, a Rússia, aliada ao Irão, passou a intervir militarmente na Síria, a pretexto de combater o EI mas na prática para defender o regime de Assad. E impôs a sua opinião num ponto decisivo: separar o combate ao terrorismo jihadismo do derrube de Assad. Washington é forçada a partilhar a direcção com Moscovo.

Quais são as motivações sauditas? O Irão, já se sabe. Trata-se depois de reafirmar a sua liderança no bloco sunita. E há outro factor. Os atentados de Paris não se limitaram a radicalizar o combate ao jihadismo: puseram em destaque a já péssima imagem do fundamentalismo islâmico e suscitaram reacções antiárabes e anti-sauditas.

Observa o jornalista argelino Mohamed Saadoune que esta “coligação criada pelos sauditas quer fazer esquecer que a matriz ideológica, mental e política do Daesh [EI] e da Al-Qaeda se encontra na Arábia Saudita”. É um embaraço para as ambições de Riad, que o príncipe Bin Salman diplomaticamente disfarça.

Alguns analistas árabes designam ironicamente a nova coligação como a “NATO sunita”, que no fundo prossegue “a política clássica saudita de atiçar o ódio xiita-sunita” para substituir os Estados-nação por “entidades de tipo confessional e sectário”, conclui Saadoune.

A guerra do EI na Síria e no Iraque tem como pano de fundo a fractura entre xiitas e sunitas. Riad acaba de criar a “NATO sunita” como um instrumento diplomático. Mas a imagem que se deve focar não é a do príncipe saudita mas mais uma da tragédia síria.

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