As “pessoas comuns” que constroem Bissau Velho

Astrides Dias, 48 anos, bancária: “É preciso desenvolver actividades culturais para iluminar Bissau Velho”.
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Astrides Dias, 48 anos, bancária: “É preciso desenvolver actividades culturais para iluminar Bissau Velho”.

Luiz Duarte diz ser "o indivíduo mais antigo de Bissau Velho". É Despachante Oficial do Guinetrans e testemunhou 93 anos da história da Guiné-Bissau. Na zona histórica onde ele trabalha, sonha Zaquia Gomes com o futuro. Tem 30 anos, um emprego numa papelaria e uma meta definida: quer tirar um curso superior. O que junta as gerações distantes — e de vivências tão distintas — de Luiz e Zaquia, e como pode a cultura ser um elo de ligação entre eles? Setembro de 2015, Bissau Velho. Adriano Miranda, fotojornalista do PÚBLICO, nunca tinha pisado este território. Teve, ao chegar, uma "sensação semelhante" à experienciada em qualquer país africano: "Ficamos verdadeiramente de boca aberta com os problemas sociais que enfrentam." A convite da Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP), organização envolvida na associação Casa dos Direitos, Adriano Miranda e a jornalista Lúcia Crespo deram corpo a dois "workshops" — o dele de fotografia, o dela de escrita — durante seis dias. Objectivo: retratar dez pessoas que vivem e trabalham em Bissau Velho. "Identificámos previamente essas pessoas. E escolhemos pessoas comuns, que são as que fazem a cidade. Quisemos valorizar isso mesmo", explica Fátima Proença, directora da ACEP. Da experiência dos "workshops" — ministrados a jovens que trabalham em organizações ligadas à Casa dos Direitos — nasceu "Os mais velhos e os mais novos em Bissau Velho": um catálogo, com fotografias e textos, e uma exposição, patente até ao fim do ano, na associação onde outrora existiu a mais antiga prisão da Guiné-Bissau. Mas há mais. Ao fotojornalista do PÚBLICO foi proposto que retratasse essas mesmas dez pessoas em grande formato para fazer algo que "nunca tinha sido feito" por ali. Impressas a 2,5 por 1,5 metros, as imagens foram expostas numa rua da zona histórica da cidade, qual galeria a céu aberto, "uma forma de valorizar a cultura e o próprio espaço", explica Fátima Proença. No país, vive-se um tempo de "compromisso" com o futuro e, apesar do momento algo complicado, as eleições impuseram mudanças significativas. "Os mais velhos e os mais novos em Bissau Velho" "olham para a vida de forma muito distinta e têm expectativas de futuro muito diferentes" — mas têm a "esperança" de um país melhor a uni-los. Para Fátima, o projecto — que teve o apoio da Gulbenkian e da Embaixada de Portugal — cumpriu simbolicamente o seu desígnio no dia em que expôs as fotografias de Adriano em Bissau Velho. Num país onde as pessoas são especialmente discretas, Fátima tinha algum receio da reacção dos retratatados, sobretudo das mulheres. Mas ao segundo dia de colagens (no primeiro expuseram apenas imagens de homens), Natividade, uma das quatro mulheres retratadas, sorriu de felicidade ao ver-se. E depois disse o que os promotores do projecto mais queriam ouvir: "Ai, agora também sou uma pessoa importante."   

António Rana trabalha na barbearia Chiado desde 1982: “Esta barbearia já leva mais de um século”.
Hermelinda, de 38 anos, faz caldo branco chabéu e feijoada – o prato preferido dos clientes.
Luiz Duarte, 93 anos, é Despachante Oficial do Guinetrans: “Sou o indivíduo mais antigo de Bissau Velho”
Mohamed, de 52 anos, é farmacêutico em Bissau Velho: “Este é um bairro sagrado porque respira história”.
Júlio Bali, 49 anos, é o guarda diurno da Casa dos Direitos. Sonha com uma casa de bloco coberta de zinco.
Adelino lava carros: “Escolhi este trabalho para evitar estar sentado em casa, podendo ganhar a vida”.
Zaquia Gomes tem 30 anos e trabalha na papelaria. Sonha com uma formação académica. E faz por isso.
Natividade, de 38 anos, vende peixe em Bissau Velho. “Quero construir a minha casa vendendo peixe”.
Máximo, de 53 anos, é sapateiro em Bissau Velho. Partilha histórias e materiais com os colegas do lado.