Na nova coreografia de Né Barros só a memória existe depois da catástrofe

Em Lastro, a coreógrafa Né Barros parte da ideia de “catástrofe” para reflectir sobre o movimento do corpo. O espectáculo estreia-se esta quinta-feira, às 21h30, no Teatro Municipal Rivoli.

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Lastro é uma co-produção entre o Balleteatro, a Culturgest, e o Teatro Municipal Rivoli dr

Há já algum tempo que a coreógrafa Né Barros tem vindo a reflectir sobre o que pode ser o corpo dançante: as matérias a partir das quais esse corpo pode construir-se e mover-se. Neste seu processo de reflexão, que constrói a partir das suas criações artísticas, tem perseguido essa identidade, explorando a ideia de que os movimentos destes corpos compõem uma “paisagem humana, que se torna território”. É neste lugar abstracto, “móbil – ora disfuncional, ora funcional -, e que se reinventa”, explica, que encontra o corpo dançante. No fundo, é a partir deste espaço límbico, deste lugar em constante mutação por força da circulação do corpo dançante, que Né Barros constrói a sua dramaturgia.

Também Lastro, que se estreia esta quinta-feira no Rivoli, é sobre tudo isso: um ensaio sobre a circulação e o território. Não há propriamente uma temática. “A temática está radicada no corpo. Podemos dar-lhe um nome, um título, uma direcção, mas, no fim, o que vai valer é o corpo em movimento”, diz, esclarecendo, todavia, que existe sempre “um motor” a partir do qual constrói os seus trabalhos.

Em Lastro, esse “motor” é a ideia de catástrofe e a ideia de equivalência das catástrofes, evocada por Jean-Luc Nancy. A noção de que apesar de as catástrofes serem diferentes umas das outras, existe sempre a ideia de propagação de algo que nos ultrapassa, que nos foge do controlo, e que as torna, por isso, todas iguais, sejam elas interiores ou exteriores.

Em cena, é mais ou menos isto: há uma ameaça simbólica – figurada numa espécie de queda de um céu – que surge sobre um lugar “neutro”. No decorrer da acção, e com a aproximação da catástrofe, os corpos em movimento que ali habitam recriam o espaço cénico, gerando um universo subjectivo “que se caracteriza por constantes transfigurações”, explica a coreógrafa. Um lugar feito de memória e onde só a memória existe depois da catástrofe:“as coisas mudaram e ficou apenas uma memória alastrada”, diz.

De repente, tudo muda. “São sinais que se estabelecem na peça e fazem com que o dispositivo mude”, explica a coreógrafa. Depois, a partir daqui, “espera-se que o público consiga entrar dentro desta população” e questione quem são estas pessoas e o que ali fazem. Estas perguntas nunca são completamente esclarecidas. No fundo, o que de facto importa é a ideia de que assistimos a um acontecimento inesperado que sabemos que vai provocar mudanças.

Os bailarinos - André Mendes, Bruno Senune, Camila Neves, Elisabete Magalhães, Flávio Rodrigues, Joana Castro, Pedro Rosa, Sónia Cunha, Afonso Cunha e Katycilanne Reis – compõem esta população, ou micro-população, e são corpos que inicialmente surgem sem “máscaras”, mas que, com a aproximação da catástrofe, acabam também, eles próprios, por reinventar-se e ganhar um novo aspecto. Em cena, estão também as intérpretes musicais - Angélica Vasquez (Arpa) e Cristina Mateus (Bateria) -, que constroem o plano sonoro da peça e acabam por manipular a própria queda deste “céu”.

A palavra “lastro”, não nos remete apenas para a ideia de contrapeso, evoca ainda a ideia de arrasto: “também é aquilo que nos afunda, que nos faz ir ao fundo”. Tem também a ver com o próprio espaço cénico, remete “para a maquinaria teatral, para qualquer coisa que cobre e que cai em cima das pessoas”, explica a Né Barros.

Lastro é uma co-produção entre o Balleteatro, a Culturgest, e o Teatro Municipal Rivoli. O espectáculo repete na sexta-feira, também às 21h30.

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