Moda zen em Lisboa

Há um ano, abriu em Portugal a primeira loja COS, uma estação intermédia entre a moda rápida e a moda de autor. Palavra aos seus designers.

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O sol desponta entre centenas de cartazes e estandartes nas ruas. A sinalética colorida faz pontos no mapa e vinca na geografia de Milão que se vivem dias de design. Em Abril, o Salone del Mobile chama milhares de profissionais do sector, que serpenteiam pelas ruas primaveris. Alguns arejam um guarda-roupa facilmente identificável mas dificilmente situável numa estação ou tendência. Só se sabe que são modernos e clean. São peças desenhadas pelos suecos Karin Gustafsson e Martin Andersson para a COS, que faz agora um ano abriu a sua primeira e única loja em Portugal.

Por Milão vê-se então uma amostra dos seus clientes, essa palavra que para a dupla de designers não é um número ou uma letra que simboliza uma classe económica numa folha de cálculo. Instalada na Avenida da Liberdade, a artéria da capital mais conotada com o luxo e onde nos últimos anos se têm fixado marcas como Prada, Boss, Zadig & Voltaire ou Michael Kors, a chegada da COS (sigla para Collection of Style) juntou Lisboa ao clube de cidades que contam com uma marca discreta que apela ao que os designers consideram ser uma “mentalidade internacional”. E não a “cliente”.

É um clube que não é tão restritivo como muita da sua vizinhança lisboeta, porque os seus preços oscilam entre os 15 e os 350 euros em peças de vestuário para homem, mulher ou criança (fora os acessórios) e porque tem uma geografia aberta. Como a tal mentalidade. “Pensamos num grupo de pessoas ou de amigos que partilham” uma mundividência, que não mora “necessariamente numa grande cidade”, dizem à vez Andersson e Gustafsson à conversa com a Revista 2 no Spazio Erbe, na zona milanesa de Brera, enquanto várias nacionalidades visitam a instalação que este ano a marca levou até Milão.

Obra do atelier americano Snarkitecture, fitas rectangulares de tela branca pendem do tecto em diferentes escalas para criar um habitat labiríntico efémero, “um espaço de calmaria e silêncio no meio de toda a loucura” da semana do design de Milão e que, passados alguns dias, já não estaria lá — mas que tinha uma pequena loja em fundo, claro, com peças seleccionadas da colecção para este Verão. A “filosofia COS” pertence, ainda assim, a uma marca comercial. Falam com vozes suaves e um ciciante sotaque sueco sobre a pessoa para quem desenham — e o retrato-robô que se desenha na mente de quem fala da COS é o de alguém que usa roupas monocromáticas de cortes limpos, caneta Muji na mão e óculos fortes de designer a emoldurar o rosto.

E, ao fazê-lo, escolhem uma fórmula comum no design de autor para demarcar a sua clientela. “É alguém muito atento, que conhece bom design, boa qualidade e que os exige em todos os aspectos da vida”, diz Martin, designer do sector masculino da marca, filho de uma costureira de sucesso na Suécia e que já trabalhou nas britânicas Hackett e Aquascutum. Karin, responsável pelas colecções femininas e formada em Londres, foca-se mais na moda — fala da importância da qualidade dos materiais, da sensação do tecido. E do desenho. “Gostamos de pensar que a colecção tem um aspecto intemporal porque as pessoas compram peças e as guardam durante muito tempo e as usam muitas vezes.” Em várias e diferentes estações.

A COS pertence ao grupo sueco Hennes & Mauritz mas está sediada em Londres, onde Andersson e Gustafsson trabalham com uma equipa que pensa em conjunto — a imagem COS, do mobiliário das lojas à sua revista semestral, passando pelas colaborações com artistas plásticos ou arquitectos (ou pela curiosidade portuguesa de ter na sua loja a trabalhar os designers da micromarca HIBU, Marta Gonçalves e Gonçalo Páscoa), é a de uma espécie de ilha silenciosa no ruído da moda rápida. Aquela que se faz de lojas que renovam e se enchem semanalmente de peças de preços acessíveis e que derivam desse conceito diáfano que são “as tendências”.

Numa espécie de posição intermédia entre lojas de roupa mais descartável e o design de autor de gama alta, jogam também com a geografia. Em Londres, onde nasceu em 2007, a sua primeira loja (que serviu de modelo às 120 seguintes) está junto ao fervilhante epicentro do consumo que é Oxford Circus — onde moram a H&M, a megastore da Topshop, a Benetton ou a Nike —, mas numa esquina metros abaixo e já na mais selecta Regent Street. Tudo envolve uma minúcia com vibração zen, mesmo no que toca à roupa que há meses está nas lojas — “Temos falado muito na ideia de um drama silencioso que tentámos conseguir nesta colecção”, comenta por exemplo Martin.

Numa marca com feeling cosmopolita, como se equilibra criativamente o pulsar urbano e o cariz “menos é mais” que querem traduzir nas suas colecções? Como chegam à moda como um jardim zen em plena cidade? “Não são necessariamente coisas distintas. Posso concordar que estas coisas de que falamos”, como o desejo de intemporalidade, o consumidor informado e de olho treinado, “são algo que se tende a encontrar nas cidades grandes, mas penso que a apreciação pelo design intemporal, linhas limpas e modernidade e a sensação de calma é algo por que as pessoas em grandes cidades anseiam, precisam”, diz Martin Andersson.

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Martin Andersson e Karin Gustafsson Cortesia cos

São eles os primeiros a admitir que vivem uma vida “febril, mas excitante”, como a pinta Karin, e que essa é afinal a sua principal fonte de inspiração. “Temos um trabalho muito excitante mas que ocupa muitas horas e quando é assim pensamos mais no lado prático, no lado da função e por conseguinte talvez a peça deva ser fácil de cuidar”, exemplifica sobre a importância dada aos materiais e à pesquisa no sector têxtil das peças que a distracção pode confundir com o conceito branco de “básicos”, “que me faz pensar num sentido de vestir effortless e em colecções effortless e versáteis”.

A marca não faz desfiles como a H&M, que começou a pôr na passerelle as suas colecções especiais, nem há publicidade COS, como não há anúncios à espanhola Zara, por exemplo. Não segue as abordagens mais convencionais da moda de grande consumo ao mercado, preferindo comunicar através de colaborações com os designers japoneses Nendo em instalações, associando-se a palestras da Serpentine Gallery londrina ou patrocinando a secção Frame, dedicada a jovens galerias, na importante feira de arte londrina Frieze. “É apenas uma outra forma, mais silenciosa”, de comunicar, explica Karin Gustafsson, de 41 anos. “Achamos que pode ser importante nas vidas dos nossos clientes”, prossegue Martin Andersson, de 39 anos, para a colega completar — “Achamos que eles partilham esses interesses connosco.”

Nos sofás de lã cinzenta e no banco branco corrido em que nos sentamos em Milão, estamos apenas num dos 26 países em que há lojas COS. E de repente damos um pulo conceptual à Alemanha porque surge a frase “a forma segue a função”, o célebre princípio funcionalista da escola de vanguarda da Bauhaus, cunhada pelo arquitecto modernista Louis Sullivan, que tocou design, arquitectura e artes plásticas. “Gostamos que os detalhes tenham uma funcionalidade”, responde Karin Gustafsson sobre o que distingue as peças que desenham, a atenção ao pormenor, à proporção. “Que haja um twist, mudar o local de abertura de uma peça, colocá-la de uma forma não convencional — é a nossa maneira de lhe atribuir um feeling moderno.” Afinal, “o aspecto da função não é só o desenho de um bolso, mas a forma como o usamos”, corrobora Martin.  

Minimalismo: aplica-se ou não à COS este rótulo que alguns designers de moda tendem a rejeitar como simplista e redutor? “Nunca partimos com a ideia de uma colecção minimalista, mas sim da ideia de intemporalidade, que está verdadeiramente no coração da COS, o revisitar de uma peça talvez estação após estação ou arrumando-a e voltando a ela passados alguns anos”, esclarece Martin Andersson. “E essa intemporalidade predispõe-se a uma estética de design mais limpa, uma estética de design de redução.” Mas, se “a ideia de funcionalismo ou modernismo é muito mais importante”, o designer admite “que alguns aspectos da colecção podem ser percepcionados como minimais”.

Nas suas colecções sazonais, que são 80% de mulher e 20% de homem, as peças são produzidas maioritariamente na Europa (60%) — e na Ásia (40%). “Quando desenhamos uma peça, normalmente enviamo-la para fazer em dois materiais diferentes para ver como se comporta — um material pode torná-la colante, drapeada e macia e outro com mais corpo pode torná-la mais arquitectónica”, conta Karin, movendo as mãos delicadamente. Esta estação, por exemplo, fizeram uma camisa unissexo apenas para o mercado de Hong Kong que, “em vez de ter um ponto de bainha convencional, tem um acabamento ‘soldado’”, como uma colagem. “São pequenos detalhes nos acabamentos que são muito importantes para nós.”

A jornalista viajou a convite da COS

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