A homossexualidade é o novo apartheid de África, denunciam cientistas

Relatório da Academia de Ciências da África do Sul faz pedagogia para os políticos do continente, onde esta forma de sexualidade é proibida em 37 países.

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A perseguição aos gays no Uganda não tem dado tréguas Jessica Rinaldi/REUTERS

Diversidade na Sexualidade Humana – Implicações Políticas em África é o nome do relatório onde não são propriamente relatadas novas descobertas científicas. Faz antes uma espécie de pedagogia: mostra o que a ciência compreendeu até agora sobre a sexualidade humana – que é um contínuo, em vez de uma mera oposição homem/mulher, dizem os cientistas – e quais os riscos para a sociedade e para a saúde das comunidades quando se criminalizam comportamentos que devem ser entendidos como naturais, ainda que sejam minoritários.

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Diversidade na Sexualidade Humana – Implicações Políticas em África é o nome do relatório onde não são propriamente relatadas novas descobertas científicas. Faz antes uma espécie de pedagogia: mostra o que a ciência compreendeu até agora sobre a sexualidade humana – que é um contínuo, em vez de uma mera oposição homem/mulher, dizem os cientistas – e quais os riscos para a sociedade e para a saúde das comunidades quando se criminalizam comportamentos que devem ser entendidos como naturais, ainda que sejam minoritários.

Os seus destinatários são os políticos de países como o Uganda, a Nigéria, ou a Gâmbia, que foram protagonistas da tendência crescente verificada nos últimos seis a sete anos em vários países africanos para aprovar novas leis que criminalizem a homossexualidade, ou para o reforço da aplicação da legislação já existente. Criando fronteiras e linhas vermelhas como outrora se criaram leis contra casamentos entre pessoas de cores diferentes, considerando que o sexo entre “raças” diferentes não é natural e seria um perigo para a saúde pública – e, logo, um crime contra natura, explicam os autores do relatório.

Os cientistas desmontam, ponto a ponto, as ideias preconceituosas e sem base científica – mas apresentadas como se fossem ciência – que estão por trás das leis que criminalizam a homossexualidade – em África, ou em qualquer outro continente ou país específico.

Por exemplo, que a homossexualidade “é socialmente contagiosa”. É através desta “recruta” que a homossexualidade se reproduz, uma vez que não tem bases inatas ou biológicas. Uma das formas mais eficazes de recrutar novos homossexuais é captar crianças e adolescentes – por isso são precisas leis severas para salvaguardar as crianças e proteger as famílias. E como a homossexualidade não é “natural”, não tem uma base biológica, os actos sexuais com pessoas do mesmo sexo representam perigos para a sua saúde, tanto para aqueles que participam nesses actos como para a comunidade em geral. Portanto, novas proibições vão melhorar a saúde pública.

Vem do útero
“Em 2015, há um consenso científico considerável de que a orientação sexual se sente como algo inato e imutável, na maioria das pessoas. Portanto, não é algo se escolhe, no sentido de uma escolha consciente, uma escolha de estilo de vida”, explicam os cientistas. A opção sexual faz-se no embrião, durante os primeiros seis meses no útero da mãe, orientada pela quantidade e pelo momento de exposição a determinadas hormonas. Adeus, portanto, à ideia de que a homossexualidade não tem uma base biológica – só porque não foi identificado “o” gene gay, embora tenham já sido descobertos vários genes que devem ter influência para o desenvolvimento da homossexualidade.

Apesar disso, a falta do gene gay foi usada como argumento para o Presidente do Uganda assinar, em Fevereiro de 2014, uma lei que previa a pena perpétua para alguns comportamentos homossexuais. Esta lei acabou por ser ilegalizada pelo Supremo Tribunal, em Agosto de 2014 – por não ter havido quórum suficiente no Parlamento na altura da aprovação –, mas o Presidente Yoweri Museveni justificou o seu aval dizendo que uma comissão de peritos “provou que não há qualquer relação entre a biologia e ser-se gay”.

Ora isto era uma distorção das conclusões do relatório da Academia de Ciências do Uganda que Museveni tinha encomendado. O raciocínio, explica a revista científica Nature em editorial, era que como não tinha sido descoberto nenhum um gene específico para a homossexualidade, não haveria uma base biológica para esta orientação sexual.

 “Aqueles que querem criminalizar a diversidade sexual e de género têm feito apelos explícitos à ciência. Este relatório examina até que ponto a ciência suporta os argumentos apresentados pelos proponentes dessas leis”, explicam os autores do relatório da Academia sul-africana, que incluem também uma cientista do Uganda.

5% da população
Em qualquer país do mundo, é provável que 5% da população seja LGBT – gay, lésbica, transexual. “Com base nas estimativas de 2015 de uma população mundial de 7200 milhões  de pessoas, entre 350 milhões e 400 milhões serão homossexuais. E pelo menos 50 milhões de pessoas que não têm uma orientação heterossexual vivem em países africanos”, dizem os cientistas.

Mas há vários países africanos onde bastante menos de 5% da população acha que a homossexualidade deve ser tolerada. Em pelo menos nove países, perto de 100% da população acha que não deveria ser aceite pela sociedade, ponto final, concluiu um estudo internacional de opinião do Centro de Investigação Pew (The Global Divide on Homosexuality, EUA), feito em 2013. O mais radical era a Nigéria, onde apenas 1% da população o aceitava. E mesmo na África do Sul, o país mais tolerante, apenas 61% aceitavam que alguns se sentissem atraídos por pessoas do mesmo sexo.

O mesmo inquérito concluía que os países onde a religião tem uma presença mais forte na sociedade, seja ela qual for, são aqueles onde a rejeição da homossexualidade é mais maciça. O resultado é que 37 em 54 países africanos consideram a homossexualidade ilegal – se retirarmos já à lista Moçambique.

A partir de 29 de Junho, quando entrar em vigor o novo Código Penal, são revogados os artigos 70 e 71 do Código de 1886, que apelavam a aplicar medidas de segurança “aos que se entreguem habitualmente à prática de vícios contra a natureza”. A interpretação destes artigos poderia levar a criminalizar as relações entre pessoas do mesmo sexo com penas de trabalho forçado até três anos.

Esta intolerância não tem raízes profundas nas sociedades africanas, escrevem os cientistas. “Em África, há relatos históricos de atracção pelo mesmo sexo e actos sexuais entre o mesmo sexo antes do colonialismo, eram comuns e não eram em geral tabu, da forma como o colonialismo as definiu”. A moralidade da Europa do século XIX e ímpeto missionário no continente africano transformaram radicalmente as sociedades – até aos dias de hoje.

O peso americano
Veja-se o Uganda, onde a guerra contra os homossexuais tem sido muito feia. Os media têm-se desdobrado em denunciá-los, com manchetes como “Enforquem-nos: eles andam atrás das nossas crianças”, publicada pela revista Rolling Stone (que não tem nada a ver com a revista norte-americana do mesmo nome), em que publicava as fotografias, os endereços e os telefones dos “200 homossexuais mais importantes”.

Por causa disto, David Kato, um conhecido activista dos direitos humanos, foi morto em sua casa, três meses depois, em Janeiro de 2011 – a polícia ugandesa considerou que deveria ter sido um assalto ou uma discussão, e que o homicídio não teria nada a ver com a exposição que tinha sofrido. No funeral de Kato, um padre fez uma homilia a condenar a homossexualidade.

Na base desta atitude dos media estão actos dos políticos, que em 2009 tentaram fazer passar a primeira lei para criminalizar a homossexualidade – em alguns casos, seria até punível com a morte. A força motriz que levou as forças mais conservadoras da sociedade ugandense a agir, dizem muitos observadores, foram as palestras de três missionários norte-americanos nesse ano, ligados à mais reaccionária direita religiosa, bem conhecidos pela sua actividade anti-gay e defensores de terapias para “curar” a homossexualidade.

Um deles era o também revisionista do Holocausto, Scott Lively – autor do livro The Pink Swastika, onde defende que “os homossexuais são os verdadeiros inventores do nazismo e a força que guiou muitas das atrocidades nazis”. Confrontado com a lei criada após as suas palestras, disse ter ficado chocado por incluir a pena de morte. Só a apoiaria se fosse retirada a pena capital. Mas foi processado por um grupo de activistas do Uganda, e o processo foi aceite nos EUA – o julgamento deverá iniciar-se no próximo ano, diz a revista Time.

“Estamos a ver muitas influências conservadoras americanas nos debates africanos”, disse ainda à Time Ty Cobb, director global da Human Rights Campaign, uma organização para a defesa das pessoas LGBT, com base em Washington.

 Mas a intolerância dos homossexuais é também uma forma de políticos populistas marcarem pontos facilmente, dada a sua impopularidade em tantos países: é mais fácil alimentar o ódio do que esclarecer as populações, e tentar ganhar votos no imediato do que pensar no futuro. “Para um político suficientemente cínico, é um tema ganhador”, comentou à revista norte-americana Peter Pham, do think tank Atlantic Council.

Prova disso é que no Uganda, já está em curso uma nova tentativa para fazer aprovar outra lei anti-homossexualidade. “O Presidente Museveni só assinou a outra lei em Fevereiro de 2014 a pensar no apoio que iria conseguir nas eleições de 2016”, afirmou Lindsey Kukunda, um especialista em sondagens ugandense, citado pela Time. “Esta lei é uma forma dos políticos explorarem o seu poder para atacarem uma minoria de que ninguém gosta, porque a maioria das pessoas não percebe ou não se importa.”