PS sem ideias para a Educação

O país aguarda a substância do pensamento do PS para a Educação. Se tiver algum. Se ela existir.

Mas a apresentação pública de propostas encomendadas, sob forma de estudos em regime de outsourcing, antes da sua discussão e aceitação por parte das estruturas partidárias, contribui fortemente para a criação da ideia de estarmos perante forças políticas sem ideologia e sem pensamento próprio. Assim, o PS errou com o tratamento que deu ao estudo Uma Década para Portugal. Voltou a errar quando, surpreendentemente, se juntou ao PSD e CDS na promoção de uma mais que lamentável iniciativa para condicionar a comunicação social em matéria de cobertura da próxima campanha eleitoral. E continua a errar quando, sobre outras áreas vitais para o futuro, a cinco meses de eleições legislativas, tarda em transmitir convicções e apresentar alternativas às políticas seguidas pelo actual Governo. É o caso, evidente, da Educação. Vejamos exemplos, que fundamentam o que afirmo.

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Mas a apresentação pública de propostas encomendadas, sob forma de estudos em regime de outsourcing, antes da sua discussão e aceitação por parte das estruturas partidárias, contribui fortemente para a criação da ideia de estarmos perante forças políticas sem ideologia e sem pensamento próprio. Assim, o PS errou com o tratamento que deu ao estudo Uma Década para Portugal. Voltou a errar quando, surpreendentemente, se juntou ao PSD e CDS na promoção de uma mais que lamentável iniciativa para condicionar a comunicação social em matéria de cobertura da próxima campanha eleitoral. E continua a errar quando, sobre outras áreas vitais para o futuro, a cinco meses de eleições legislativas, tarda em transmitir convicções e apresentar alternativas às políticas seguidas pelo actual Governo. É o caso, evidente, da Educação. Vejamos exemplos, que fundamentam o que afirmo.

No início de Março, António Costa apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o primeiro capítulo do programa de governo". A Educação não mereceu atenção, muito menos epígrafe própria. Foi aludida a propósito da “cooperação transfronteiriça”, para se propor duas irrelevâncias que, por mal redigidas, nem permitiram perceber o que pretendiam: “… acesso integrado das populações …”, sem dizer a quê, e “… programas de estudos conjuntos, duplos graus …”, fosse lá alguém saber o que quereria dizer tal enigma. E voltou a ser referida quando o documento abordou o tema da descentralização e reforço das competências das autarquias locais. Depois de enunciadas várias iniciativas, estabelecia-se aí:

“Seguindo estes princípios, e no quadro de um amplo processo de auscultação das autarquias e avaliação das experiências-piloto em curso, passarão a ser exercidas pelos municípios competências nos seguintes domínios: Educação, ao nível da gestão dos equipamentos, acção social escolar, transportes escolares, pessoal não docente e articulação com agrupamentos de escolas de todo o ensino básico e secundário, garantindo a igualdade de oportunidades entre diferentes territórios.”

Em contexto altamente turbulento, provocado pela denominada "municipalização da Educação", é isto que o PS tem para nos dizer? Se vai “auscultar” e “avaliar” as experiências em curso, como ousa afirmar, desde logo, que “passarão” a ser exercidas competências, deixando implícito que a auscultação e avaliação não passam de falácias artificiosas? Reparou o PS que já estão instituídas coisas que diz ir instituir?

Na mesma linha de desconhecimento e insensibilidade surge a incursão nos problemas da Educação por parte dos economistas a quem António Costa pediu Uma Década para Portugal:

— Propõem “parcerias com o tecido empresarial de cada região no desenho de percursos de ensino virados para o mercado de trabalho, contemplando o desenho de currículos claramente virados para a empregabilidade”. Dizer isto, sem mais clarificação, é imprudente. Está o PS a defender, como única, a perspectiva utilitarista e imediatista da actual coligação? É o PS conivente com o denominado "ensino vocacional" para crianças de 11 anos? Rejeita o PS, definitivamente, uma filosofia personalista para o ensino obrigatório?

Falam de incentivos à fixação de professores em zonas menos atractivas, “penalizando os  que se apresentem a sucessivos concursos”. O que é isso de penalizar quem concorre a múltiplos concursos? Castigar quem, depois de décadas com a casa às costas, tenta aproximar-se da residência e dar estabilidade à família? Incentivos à fixação em zonas menos atractivas, quando em ponto algum do país fica por preencher um só horário, por falta de professores? Só neste último concurso apresentaram-se 26.573 candidatos para 1954 vagas. O que falta são postos de trabalho. Teríamos apreciado, antes, se os senhores economistas nos dissessem se o PS, finalmente, se propõe dar aos quadros a dimensão adequada às necessidades. Se cumprirá a directiva comunitária, por ora hipocritamente iludida com a norma-travão, no que toca aos contratados. Se tem programa para reparar a selva legislativa em que se vive em matéria de concursos, em que o próprio PS tem larga responsabilidade. Se mantém ou revoga o anacronismo das actuais metas de aprendizagem e se mantém ou altera a doentia inflação de exames, designadamente o do quarto ano da escolaridade obrigatória.

Relevada a irrelevância, o país aguarda a substância do pensamento do PS para a Educação. Se tiver algum. Se ela existir. Antes da próxima década, o PS tem de gerir os próximos cinco meses.

Professor do ensino superior, s.castilho@netcabo.pt