Jihadistas portugueses com mandados de captura

O objectivo é estreitar a malha aos que aderiram ao Estado Islâmico (EI) e podem ter a tentação de regressar ao seu ponto de partida europeu ou a Portugal. Mesmo em caso de morte oficialmente confirmada os documentos de identificação estão numa lista para evitar a sua utilização por outros.

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Combatente do grupo Estado Islâmico em Raqqa, Síria - o grupo levou a cabo 308 ataques registados em Novembro Reuters

Estes mandados de captura são justificados pela existência de indícios da prática dos crimes de terrorismo e de apologia de acção terrorista, tendo como fundamento os relatos e fotos de alguns dos jihadistas publicados nas redes sociais, os testemunhos de quem com eles privou na Síria e elementos recolhidos pela investigação. Contactada pelo PÚBLICO, a PGR escusou-se a prestar qualquer esclarecimento por os processos estarem em segredo de justiça. Pelo que não foi possível saber o número de mandados já emitidos.

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Estes mandados de captura são justificados pela existência de indícios da prática dos crimes de terrorismo e de apologia de acção terrorista, tendo como fundamento os relatos e fotos de alguns dos jihadistas publicados nas redes sociais, os testemunhos de quem com eles privou na Síria e elementos recolhidos pela investigação. Contactada pelo PÚBLICO, a PGR escusou-se a prestar qualquer esclarecimento por os processos estarem em segredo de justiça. Pelo que não foi possível saber o número de mandados já emitidos.

A estas diligências devem juntar-se outras iniciativas idênticas das autoridades judiciais dos países de onde os cidadãos portugueses ou luso-descendentes partiram para a Síria, nomeadamente a Grã-Bretanha, a França, o Luxemburgo e a Holanda. Estas medidas devem-se ao resultado das investigações dos serviços de informações e de segurança daqueles países que acompanharam e investigaram o processo de radicalização dos jovens que os levou às milícias do EI.

Deste modo, os indivíduos de nacionalidade portuguesa, cuja adesão ao EI foi por eles enaltecida e divulgada nas redes sociais, podem ter pendentes dois mandados de captura: do seu país de naturalidade e do país onde se converteram ao islamismo e radicalizaram. Em situação de busca e capturam ficam sinalizados como terroristas no sistema Schengen, junto da Interpol e o seu nome passa a constar nos registos do sistema informático das polícias de fronteira. O que prefigura severas limitações aos seus movimentos no espaço Schengen.

Este conjunto de iniciativas de vários países segue o estipulado na resolução 2178, aprovada por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 24 de Setembro do ano passado. Entre outros pontos, aquela resolução, proposta pelo Presidente norte-americano Barak Obama, instou os Estados-membros que transpusessem para as suas legislações medidas de criminalização da tentativa de indivíduos em viajar ou de organizar viagens afim de se juntarem a uma organização terrorista. Esta, e outras medidas, constam, aliás, do pacote antiterrorismo, apresentado pelo Governo português e aprovado, na generalidade, pela Assembleia da República, no início de Março. Esta legislação encontra-se, actualmente, em trâmite parlamentar, em apreciação na especialidade.

O alvo especial da comunidade internacional são os denominados regressados, indivíduos que estiveram nos combates na Síria e que voltaram à Europa. Até Outubro do ano passado, os serviços de informação de França, Bélgica, Holanda e Alemanha tinham contabilizado o regresso de 337 combatentes.

São díspares os motivos que os levaram a abandonar os cenários de guerra. As “secretas” daqueles quatro países europeus estabeleceram três causas. A desilusão é a mais benigna, já que equivale a um possível abandono do EI. As outras são as que mais preocupam, porque podem indiciar a manutenção da actividade na organização terrorista. Assim, foi detectado que o “recuo” para os países de origem esteve ditado pela busca de financiamento, ou seja e na prática, por uma mudança de papel e actividade no organigrama terrorista. Noutros casos, o regresso levou-os a dedicarem-se a tarefas de proselitismo que, por exemplo, estiveram na origem, em 24 e 31 de Julho último, de manifestações de apoio ao EI na cidade holandesa de Haia e na Alemanha.

Em Portugal, segundo as forças de segurança, não foi até agora detectada qualquer passagem dos entre 12 a 15 jihaditas – números que de acordo com as autoridades estão estabilizados - pois o ponto de partida para a Síria não foi território português mas o país estrangeiro onde residiam, se radicalizaram e tinham apoio de redes. Ainda assim, como o PÚBLICO revelou em 6 de Novembro último, nas localidades de Mira Sintra, Mem Martins e Algueirão, todas na zona de Sintra, houve uma estrutura de “recuo” para jovens britânicos que se dirigiam para a Síria.

Beneficiando do facto de alguns dos portugueses radicalizados em Londres serem oriundos de Sintra – Sandro Monteiro “Funa”, os irmãos Edgar e Celso da Costa e Fábio Poças – os seus contactos foram aproveitados para escala de jovens que se dirigiam à Turquia para, depois, entrarem na Síria. Uma rota utilizada por mais de uma dezena de jovens que vinham de Londres e no aeroporto da Portela aproveitavam o voo diário e matinal directo entre Lisboa e Istambul, de terça e sexta-feira, e as duas ligações, por dia, aos sábados e domingos.

O alerta deste itinerário da secreta britânica a Lisboa levou ao prático bloqueio daquele trajecto. As autoridades turcas acabaram por obstaculizar a entrada dos jovens europeus oriundos da capital portuguesa com argumentos de recurso. Alegaram irregularidades nos vistos ou nos procedimentos administrativos para impedir a entrada no seu território.

Mortos sob suspeita
Não foi por acaso que esta histórica rota, que tinha na passagem via Bulgária para a Turquia uma derivação, acabou por ser substituída por um novo trajecto. Recentemente, foram detectadas novas vias para a Turquia, passando a ser Marrocos o país de escala de vários voos cuja origem era de aeroportos europeus.

Contudo, até agora ainda não foi confirmado o receio manifestado pelo ministro do Interior espanhol na sua recente visita a Lisboa, em Fevereiro passado. Então, Jorge Fernández Diaz transmitiu à sua homóloga portuguesa, Anabela Rodrigues, o temor de que as múltiplas ligações com origem na América Latina e destino à Península Ibérica, fossem utilizadas como portas de entrada dos regressados do EI ao espaço Schengen.

Diferente é a forma como a intelligenzia ocidental aborda os anúncios da morte de jihadistas europeus na Síria. Em Portugal, só duas mortes foram oficialmente confirmadas. A de Toni Parente, filho de um casal de Tondela e nascido na cidade francesa de Toulouse para onde os seus pais emigraram, conhecido nas fileiras do EI como Abu Osama-Al Faransi. Foi protagonista, em 22 de Maio do ano passado, de um ataque suicida contra instalações militares do exército iraquiano na vila de Umm Al-Amad, nos arredores de Bagdad. O atentado provocou dezenas de mortos, na sua maioria civis, e fotos do cadáver de Parente foram publicadas no Islamic State News, jornal oficial do EI.

Foi esta publicação que levou à sua identificação pelas autoridades portuguesas. Do mesmo modo, a morte de Sandro “Funa”, o primeiro jihadista português morto na Síria, foi confirmada em Lisboa, após várias comprovações, entre as quais o reconhecimento do corpo pela sua mulher e comunicação posterior com a família.

Já quanto às mortes divulgadas de Mikael Batista, de 23 anos, na localidade de Kobane, junto à fronteira com a Síria, do comandante Abu Juwayria al-Portughali e do seu filho menor, de 15 anos, Abu-al-Faruq, não são confirmadas em Lisboa. O facto de terem sido anunciadas em twitters do EI gera desconfiança junto das autoridades.

Não só por não se tratar de uma fonte idónea e não independente, como pelos objectivos que pode esconder. A colaboração entre os serviços de informação europeus é neste campo decisiva. De Londres veio o alerta. Assim, o jihadista inglês Imran Khawaja, de 27 anos, simulou a sua própria morte na Síria e regressou secretamente a Inglaterra, com a esperança de ter sido esquecido. Em vão. Acabou por ser detido.

Razão pela qual, o PÚBLICO apurou que a notícia da morte de um jihadista português não implica, automaticamente, a retirada do seu nome da lista de suspeitos de terrorismo. Para os que são alvo de um mandado de busca e captura, tal só é possível depois de uma decisão judicial que leva em consideração os elementos fornecidos pelos investigadores.

Para os que ainda não eram procurados pela justiça, o número de passaporte e nome continuam a figurar na epígrafe de suspeitos no sistema informático. Assim, é gorada a possibilidade de permitir a sua livre-circulação. Mesmo comprovada a morte, os documentos de identificação constam da lista para impedir que, após falsificação, sejam utilizados por outros.