Um naufrágio

Faz pena assistir ao naufrágio de um homem em quem os portugueses passageiramente confiaram.

Em si próprio, o socialismo não significa nada: não tem uma filosofia, não tem uma doutrina, não tem uma estratégia universal ou local. Nada do que Costa disse é particularmente socialista, no sentido em que não poderia ser dito, por exemplo, por Passos Coelho. O PS não pára de protestar contra o “pensamento” único. Mas, no fundo, está reduzido como a Direita a defender uma democracia liberal (multiculturalista), com o apêndice do Estado Social. Tudo o que o distingue é um sentimento vago (embora injustificado) de que sofre mais com a pobreza e a exclusão; e de que a direita não se importa com o destino do povo desprotegido.

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Em si próprio, o socialismo não significa nada: não tem uma filosofia, não tem uma doutrina, não tem uma estratégia universal ou local. Nada do que Costa disse é particularmente socialista, no sentido em que não poderia ser dito, por exemplo, por Passos Coelho. O PS não pára de protestar contra o “pensamento” único. Mas, no fundo, está reduzido como a Direita a defender uma democracia liberal (multiculturalista), com o apêndice do Estado Social. Tudo o que o distingue é um sentimento vago (embora injustificado) de que sofre mais com a pobreza e a exclusão; e de que a direita não se importa com o destino do povo desprotegido.

Mas, na verdade, o que separa Costa de Passos Coelho é simplesmente a questão da política de desenvolvimento, em que as duas partes se iludem com o mesmo fervor e se perdem na mesma irrelevância. Tirando a má-fé, a que por situação e profissão em geral não escapam, acabam ambas num vácuo, que meia dúzia de tecnocratas se esforçam por disfarçar com uma conversa esotérica para iniciados. Ainda por cima, a “zona euro”, como já abundantemente se provou, favorece os fortes e conserva os fracos na usual miséria. Paul Krugman, de que a esquerda tanto gosta, ganhou um prémio Nobel por explicar essa evidência. Na Europa de hoje, Portugal, como o sul de Itália (o antiquíssimo Mezzogiorno), será perpetuamente uma região esfolada e desprezada, sem esperança de regeneração.

Não admira por isso que, na ausência de uma clara concepção do Estado e do seu papel e de uma clara visão do estatuto e possibilidades de Portugal na Europa, António Costa reverta a ilusões, sem fundamento nem desculpa. No plano doméstico, à velhíssima crença de que a educação – e a formação – contribuem para o crescimento económico: uma tese desacreditada desde o princípio do século XX. E, no plano externo, à estranhíssima ideia de que os beneficiários da “zona euro” acabarão voluntariamente ou com alguma chantagem por reduzir os seus privilégios por amor aos pequenos países de que eles neste momento tiram a sua prosperidade e o seu equilíbrio. António Costa ainda julga que irá negociar o nosso desastroso estatuto. Mas ninguém irá negociar com ele. As coisas são o que são; e faz pena assistir ao naufrágio de um homem em quem os portugueses passageiramente confiaram.