Sim, a troika morreu

Como lembrei aqui várias vezes, a base legal da troika era reconhecidamente frágil

Tudo isto, contudo, está muito longe da forma como esta atualidade tem sido seguida, pontinho para aqui, pontinho para acolá, como num jogo de pingue-pongue. Vamos a um exemplo: a troika.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Tudo isto, contudo, está muito longe da forma como esta atualidade tem sido seguida, pontinho para aqui, pontinho para acolá, como num jogo de pingue-pongue. Vamos a um exemplo: a troika.

Na sua crónica de ontem, João Miguel Tavares critica-me porque, segundo ele, a troika foi apenas substituída pelas “instituições” e, portanto, continua na substância. Prova? Um eurodeputado do Syriza e veterano anti-nazi, Manolis Glezos, declarou que chamar “carne ao peixe” não significava o fim da troika. Camilo Lourenço, no Jornal de Negócios, usa o mesmo argumento de João Miguel Tavares, e proclama derrota para Varoufakis.

Vamos então recuar a 30 de janeiro, em Atenas, à famosa conferência de imprensa de Varoufakis e Dijssebloem. O ministro grego disse que o seu governo continuaria a cooperar com as instituições europeias e o FMI mas, acrescentou, “com aquele comité de funcionários tão fragilmente construído (para usar palavras do Parlamento Europeu) não temos intenção de continuar a cooperar”. O holandês levantou-se e, segundo foi relatado depois pela imprensa, sussurrou ao ouvido do grego “acabaste de matar a troika”, ao que este respondeu “uau”.

Resultado: semanas depois, temos gente proclamando que é um recuo para os gregos que tenha acontecido precisamente o que Varoufakis disse a 30 de janeiro — ou seja, que a Grécia cooperaria com as instituições, mas não com a troika.

Faz diferença? Sim. Para começar, as “instituições” são as europeias — BCE e Comissão Europeia. Nos últimos dias, o FMI é já mencionado à parte e está em saída gradual dos assuntos internos da zona euro, o que se comprova pelo facto (notado no primeiro parágrafo) de a sua opinião de ontem não ter sido decisiva para a aprovação do eurogrupo.

É importante? Sim. Para um governo faz toda a diferença lidar politicamente com o topo de instituições internacionais, caso a caso, como qualquer membro de pleno direito, ou ter três funcionários numa sala a dizer-lhe que não. Como já se viu pela carta de reformas que os gregos enviaram ontem, e que nunca teria passado pela troika.

Porque aconteceu assim? Como lembrei aqui várias vezes, a base legal da troika era reconhecidamente frágil, e a partir de que houvesse um governo disposto a usar esse argumento, ela estaria condenada.

Vamos ao que escrevi na minha última crónica: “[o] fim da troika e a negociação direta com cada instituição, como sabe quem tenha experiência desta, vai muito para além da nomenclatura.” A parte entre vírgulas estava lá para prevenir o que acabou por acontecer. É admissível que passar de troika a instituições pareça a alguns apenas uma mudança de nomenclatura. Mas é muito mais do que isso. E que tenha demorado tanto tempo até aparecer um governo disposto a acabar com a troika diz muito mais da subserviência dos nossos governantes do que de um suposto recuo dos gregos.