Mudança nos apoios à internacionalização ameaça ritmo das exportações do calçado

Os incentivos à promoção externa do programa 2020 vão excluir as “grandes” empresas e reduzir os financiamentos às pequenas e médias empresas (PME). O calçado, que exporta mais 60% desde que o actual quadro de apoio se iniciou, arrisca-se a ter de abrandar o seu ritmo de crescimento.

Foto
Aposta no design e na qualidade foi o passaporte para que a indústria conquistasse o estrangeiro Bruno Simões Castanheira

As alterações previstas nos incentivos à internacionalização do Programa 2020, que determina o destino dos fundos comunitários, vão obrigar as PME a duplicar os seus esforços financeiros de promoção externa e afastam as “grandes empresas” dos apoios, o que vai dificultar as estratégias de um sector que vende 95% da sua produção no exterior.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

As alterações previstas nos incentivos à internacionalização do Programa 2020, que determina o destino dos fundos comunitários, vão obrigar as PME a duplicar os seus esforços financeiros de promoção externa e afastam as “grandes empresas” dos apoios, o que vai dificultar as estratégias de um sector que vende 95% da sua produção no exterior.

A maioria esmagadora das 1800 empresas do sector é PME. Mas, como a natureza da indústria exige mão-de-obra, muitas ultrapassam o critério dos 250 trabalhadores que serve para separar as pequenas e médias das grandes empresas. Essas vão deixar de receber ajudas para a internacionalização, o que pode comprometer as estratégias de investimento em novos mercados, onde o músculo financeiro é essencial.

Mas mesmo as pequenas terão uma vida mais difícil. Até agora, podiam receber até 75% dos seus investimentos. O Programa 2020, que, no capítulo da internacionalização, deriva da política europeia para as PME, vai limitar as ajudas a 50% no máximo. Ou seja, as empresas terão de fazer o dobro do esforço financeiro para manter as suas estratégias.

Se as razões para o sucesso se encontram no dinamismo das empresas, a Apiccaps, a associação dos industriais do sector, considera que o apoio a acções de promoção externa feitas com o apoio do programa Compete foi crucial para os resultados conseguidos.

Este programa comparticipa até 75% dos custos das empresas na participação em feiras ou em outras acções de promoção. Desde o seu arranque, em 2006, o Compete investiu 55 milhões de euros na internacionalização do calçado e esse impulso está associado ao crescimento das exportações em 700 milhões de euros. A Apiccaps estima que o investimento do programa correspondeu a 8 cêntimos por cada par de calçado exportado.

O negócio das feiras
A associação entre a promoção e o sucesso do negócio tornou-se crucial para o florescimento do sector. Por estes dias, 84 empresas portuguesas estão na maior montra mundial do sector, a Micam, em Milão, Itália, que Paulo Portas, Rui Vinhas da Silva, o novo gestor do Compete, e Miguel Frasquilo, presidente do AICEP, visitaram. A representação nacional é a terceira maior, logo a seguir à dos italianos e dos espanhóis. No sábado, cerca de 600 enviados das empresas partiram do aeroporto do Porto em voos especiais. Tinham sido antecipados pelo envio de 28 camiões TIR com equipamento para a montagem dos stands e 15 mil amostras de calçado. Pela sua dispersão pelos diferentes pavilhões desta feira gigantesca (mais de 1600 expositores de todo o mundo) ou pela imagem e sofisticação da maior parte dos stands, não é difícil perceber que actualmente o calçado português se encontra no topo da competitividade mundial.

Esta participação na Micam obrigou a um investimento de dois milhões de euros, com a maior fatia do esforço a caber ao Compete. Alguns expositores gastaram oito mil euros, outros chegaram aos 100 mil. Muitos limitaram-se a construir stands mais simples, outros, como Luis Onofre ou a Fly London, batem-se com as imagens mais sofisticadas da feira. Na Miguel Vieira, o cenário é de luxo e de design de ponta, mas na Felmini, que tem a sua principal quota de exportação no coração mundial da moda e do calçado, a Itália, combinavam-se sapatos e botas de texturas extravagantes com a atmosfera rural e hospitaleira do Minho.

Ao todo, as empresas nacionais do sector vão este ano participar em mais de 70 eventos de promoção em todo o mundo. A concorrência é feroz, e não vem apenas de Itália ou da França — na Micam, os pavilhões de empresas romenas, turcas ou brasileiras mostram que esses países já são capazes de produzir design e qualidade. Os preços ou crescem pouco (1,8% em 2014 para o calçado de couro, que é a base da indústria nacional, valendo 1634 dos 1869 milhões de euros exportados) ou regridem (caso do calçado em plástico, -33%). E no sector há a crescente convicção sobre a necessidade de reduzir a dependência do mercado europeu, que representa 87% das exportações.

Nos últimos anos, as acções de promoção em países como a China, o Japão ou os Estados Unidos aumentaram. A Apiccaps envolve-se nesses esforços e tenta levar os industriais a investir em países como a Colômbia. Empresas como a Fly London já exportam partes importantes da sua produção para esses mercados. A Carlos Santos, que fabrica sapatos clássicos topo de gama, já vende 15% do que fabrica para o maior mercado do mundo, os Estados Unidos. Mas, esses esforços de promoção “exigem recursos e não dão resultados de um ano para o outro”, diz Pedro Silva, director comercial da Apiccaps.

Uma feira como a Micam “é uma plataforma internacional, onde aparecem clientes de todo o mundo”, diz Pedro Silva. “Estão cá todos os nossos concorrentes e esta é sempre uma boa oportunidade para recebermos os nossos clientes”, reconhece um representante da Ferreira Avelar.

A história da Guava é um bom exemplo dessa necessidade. A pequena empresa de Inês Caleiro estreou-se no ano passado na Micam, conquistou quatro clientes e conseguiu vender 500 pares da sua marca ousada e de preços acima da média — o mais barato custa 140 euros. Este ano, conseguiu um stand na área dos International Designers, e espera vender só nesta estação mil pares.

Disparo da CR7 saiu ao lado
Uma das empresas mais aguardadas da presente edição do Micam era a CR7. A estreia na feira deveria ser coincidente com o seu lançamento mundial. A imprensa estava avisada que um memorando sobre a sua criação e objectivos seria lançado em simultâneo com um vídeo no qual Cristiano Ronaldo aparecia a mostrar os seus dotes físicos e as suas aptidões para modelo. Nem uma, nem outra acção conheceram a luz do dia. Nem sequer houve explicações para o atraso do lançamento.

Resultante de uma parceria com a Portugal Footwear, de Guimarães, a nova marca que se sustenta na projecção mundial do futebolista usa a imagem do jogador do princípio ao fim. Nos painéis exteriores do seu stand, Ronaldo aparece imaculadamente vestido e calçado com sapatos clássicos da sua marca. Depois de se passar pela entrada onde um porteiro faz uma triagem, a imagem do futebolista volta a aparecer entre estantes que apresentam uma linha de calçado moderna e posicionada para um segmento alto.

A distribuição da colecção vai ser feita à escala internacional. E está prevista a abertura de lojas no Dubai. Quanto ao resto, pouco mais se sabe. Ontem, Ronaldo não terá acedido a divulgar a sua nova aventura empresarial — colocou apenas um post na sua página do Facebook que, ao fim de quatro horas, tinha 560 mil “gosto”.     

O jornalista viajou a convite da Apicapps