Portas exigiu que BES integrasse consórcio que financiou compra dos submarinos

Então ministro da Defesa permitiu que a proposta de financiamento do consórcio de bancos fosse revista em alta, tendo as margens de lucro (spread) aumentado de 0,19% para 0,25%.

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Para Paulo Portas, privatização do capital da Ogma foi um sucesso Nuno Ferreira Santos

O ex-ministro da Defesa Paulo Portas, que ocupa o cargo de vice--primeiro-ministro no actual Governo, exigiu que o Banco Espírito Santo (BES) integrasse o consórcio bancário que financiou a compra de dois submarinos pelo Estado Português, um contrato assinado a 4 de Junho de 2004. O governante permitiu ainda que a proposta de financiamento do consórcio Crédit Suisse First Boston (CSFB)/ BES fosse revista em alta (após a sua apresentação), tendo as margens de lucro dos bancos aumentado de 0,19% para 0,25%.

A informação consta no despacho de arquivamento do inquérito à compra dos submergíveis, onde os procuradores Josefina Fernandes e Júlio Braga apelidam de “obscura” a forma como foi adjudicada a operação de financiamento dos submarinos. Os magistrados salientam que não foram localizados vários documentos relacionados com este processo, nomeadamente as cartas convite enviadas às instituições de crédito para se candidatarem ao financiamento, o documento contendo as reservas do CSFB/BES quando ao spread da operação e a decisão do então ministro da Defesa a permitir a revisão da proposta deste consórcio bancário.

Por isso, os procuradores concluem que “não foi possível obter elementos que permitissem percepcionar, com clareza, o modo como se desenrolou o processo concursal que culminou com a celebração dos contratos de financiamento”.

A exigência de que o BES participasse na operação de financiamento foi uma das questões feitas a Paulo Portas, ouvido no processo na qualidade de testemunha. “Nas declarações prestadas o Dr. Paulo Portas referiu que a decisão tomada quanto à necessidade de inclusão do BES no financiamento teve por base a defesa da soberania do Estado português a quem competia a escolha do financiador, sem que tal se reflectisse numa ruptura do processo negocial”, escrevem os procuradores sobre a justificação apresentada pelo líder do CDS. No despacho transcrevem-se também vários emails entre os advogados que assessoravam o Estado e representantes do consórcio alemão que vendeu os submarinos, onde está escrito taxativamente que a integração do BES no consórcio bancário foi um pedido de Portas.

Sobre a alteração da margem de lucro dos bancos, os procuradores reproduzem o testemunho de Bernardo Carnall, na altura secretário-geral do Ministério da Defesa. Ouvido duas vezes no âmbito do inquérito, Carnall disse que a adjudicação ao CSFB/BES em detrimento do Deutsche Bank foi tomada por Paulo Portas. O antigo dirigente daquele ministério admite que já depois de decidido que o financiamento seria assegurado pelo CSFB/BES “apercebeu-se que nos anexos à proposta ganhadora se encontrava uma fórmula que conduzia a um spread muito superior ao proposto (que era de 0,196%)”, superior ao proposto pelo Deutsche Bank (entre 0,22% e 0,26%). Em data não apurada, lê-se no despacho, foi realizada uma reunião com representantes do consórcio alemão, sem a presença de Portas. “Foi por si [Carnall] transmitido ao consórcio que a alteração do spread era inaceitável”, resumem os procuradores. E completam: “A reunião foi interrompida tendo os representantes do consórcio feito diversos telefonemas, aparentemente para altos responsáveis do BES, designadamente, os drs. Morais Pires e Ricardo Salgado. Recebeu, na ocasião, um telefonema do Dr. Paulo Portas que manifestou preocupação (…). Informou o ministro que, do ponto de vista jurídico, não existia enquadramento que permitisse a adjudicação por um valor superior ao constante da proposta do Deutsche Bank e que fazê-lo seria ilegal”. Segundo o relato feito no despacho, “o ministro voltou a contactar a testemunha poucos minutos depois, dando a entender que acordara com o Dr.Ricardo Salgado uma taxa de spread de 25 pontos base, valor que considera inferior ao Deutsche Bank e perante a decisão do ministro, este foi o valor contratualizado”.  

Os procuradores notam, contudo, que Carnall mandara averiguar a possibilidade de o Deutsche Bank se associar ao melhor banco português, referido como sendo o BES - um facto que os leva a comentar que se ignora o critério definido para esta qualificação – mas acaba por escrever pelo seu punho, em Fevereiro de 2004, que a proposta CSFB/BES era a que “melhor defende os interesses do Estado português”. Portas no testemunho rejeitou que se tivesse a intenção de beneficiar alguém não teria lançado um leilão de propostas, quando não estava obrigado a lançar qualquer concurso para o financiamento.

A eurodeputada Ana Gomes disse esta sexta-feira à Lusa que vai recorrer da decisão de arquivamento do processo dos submarinos. Após uma primeira leitura do despacho do Ministério Público, Ana Gomes diz de forma irónica que afinal cometeu mais um erro “não foi a Escom que foi contratada pelo Ministério da Defesa, foi o Ministério da Defesa e o [então] ministro da Defesa [Paulo Portas] que foram contratados pela Escom, porque estiveram ao serviço da Escom e do BES".

Notícia corrigida às 14h54 Os valores dos spreads estavam errados. É, por exemplo, 0,19% e não 1,9%, assim como o valor correcto é 0,25% e não 2,5%.

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