Rui Rio insiste na separação entre poder executivo e judicial

Na apresentação do seu livro (uma biografia autorizada), o ex-presidente da Câmara do Porto referiu-se à detenção de José Sócrates e criticou severamente o "espectáculo" a que o país assistiu.

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Fernando Veludo/Nfactos

Apresentou-se igual a si próprio, determinado, assertivo e frontal. Perante uma sala repleta de convidados, o ex-presidente da Câmara do Porto Rui Rio subiu esta quarta-feira ao palco para proclamar a separação entre o poder executivo e o poder judicial e condenar severamente o “espectáculo” que envolveu a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

“Não posso aceitar esta permanente violação do segredo de justiça. Chamar a comunicação social para assistir a uma detenção e depois continuar a fazer a reportagem e depois pôr peças que estão em segredo de justiça na comunicação social é absolutamente inadmissível. Digo isto seja para quem for”, afirmou Rui Rio.

Na apresentação do livro Rui Rio – De Corpo inteiro (uma biografia autorizada), da autoria de Mário Jorge Carvalho, na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto, o ex-secretário-geral do PSD disse que “não é aceitável num regime democrático e num regime que pretende a defesa dos direitos humanos proceder desta forma”.

Condenando o que chamou de “julgamento popular”, Rio deixou claro que continuará denunciar o tipo de “espectáculo” como aquele que ocorreu com a detenção de José Sócrates, porque - frisou - “comentar o julgamento popular é algo que não pode acontecer numa democracia”. E depois carregou nas tintas: “A justiça é um assunto de Estado, não é um show. A justiça não é para concorrer em audiências da TV com futebol ou com o Big Brother, a justiça é um assunto sério e é um assunto de Estado”, disse, pedindo "sobriedade à justiça”.

“Compreendo que é quase impossível evitar a humilhação do detido mesmo que as coisas sejam feitas com a dignidade que se impõe”, considerou o ex-presidente da Câmara do Porto, sublinhando que quando não se actua dessa forma “é o próprio sistema judicial que é humilhado, porque não se dá ao devido respeito e à devida sobriedade que é necessária ao exercício do poder seja ele qual for”.

Perante uma plateia diversificada, constituída por antigos professores e alunos da Faculdade de Economia (onde se formou), ex-colegas do Colégio Alemão (onde estudou), funcionários da Câmara do Porto (que liderou durante 12 anos) e muitas personalidades ligadas ao PSD, CDS e PS e também cidadãos anónimos, Rio alertou depois para as particularidades que o poder tem de ter. E tratou de dissertar sobre “os rituais, o protocolo e a pequena sacralização - uma grande sacralização é própria dos regimes totalitários é própria da ditadura -, que está subjacente ao exercício do poder”. E sublinhou: "O grande poder democrático tem de ter esses sinais e se há poder que precisa mais desse ritual é o próprio sistema judicial (…) e quando nós fazemos as coisas chamando a televisão para dar espectáculo, a respeitabilidade do Estado, a autoridade democrática do Estado é posta na lama”.

“O que eu estou a dizer não é para a defesa de ninguém em concreto, é para a defesa de todos em geral e, acima de todos e acima de tudo, é para a defesa da democracia e do respeito pelos direitos humanos. Temos de ser todos iguais perante a lei é preciso que sistema judicial o faça da forma como eu entendo que deve de ser feito com a sobriedade e respeito que merece”, esclareceu.

Apelando a que a justiça se torne “mais transparente” e insistindo na separação de poderes, o ex-secretário-geral do PSD lançou o desafio aos dois maiores partidos - PS e PSD -, a que juntou depois o CDS para chegarem a um entendimento que permita “repensar o mau funcionamento do sistema político, da justiça”. “Não se trata de nenhum bloco central, como se escreveu”, frisou o antecessor de Rui Moreira na Câmara do Porto para notar que “não há partido nenhum sozinho nem com maioria absoluta que consiga fazer isto”, vaticinou. E porque se trata de uma “matéria de regime”, Rio estendeu o desafio ao Presidente da República.

O ex-ministro da Economia do PS Daniel Bessa, que foi professor de Rui Rio na Faculdade de Economia, fez uma resenha com algum sentido de humor do livro, elogiou-lhe o carácter, a seriedade e chegou a referir-se ao ex-presidente da Câmara do Porto como “o futuro Presidente da República ou futuro primeiro-ministro”. E como que antecipando o tema da justiça que o biografado abordaria pouco depois, perguntou: “Por que é que andando Rui Rio com as mãos nos bolsos gosta de olhar para as suas mãos? É por que estão limpas”. A sala aplaudiu.

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