Sócrates foi contra a lei do enriquecimento ilícito

Proposta da então presidente do PSD Ferreira Leite foi chumbada pela maioria PS em 2009. Acabaria por ser aprovada pela coligação de direita em 2012, mas esbarrou no Tribunal Constitucional.

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Ferreira Leite debateu com Sócrates o enriquecimento ilícito, que o PS chumbou Foto: Pedro Cunha

O ex-primeiro-ministro José Sócrates foi contra uma proposta do PSD para criminalizar o enriquecimento ilícito por considerar que invertia o ónus da prova. A proposta partiu da então presidente dos sociais-democratas, Manuela Ferreira Leite, em 2009, como um sinal à sociedade de combate à corrupção.

Num debate no Parlamento, Paulo Rangel, na altura líder da bancada do PSD, questionou directamente José Sócrates sobre a proposta do partido para criminalizar o enriquecimento ilícito, apresentada por Manuela Ferreira Leite como “um sinal muito forte à sociedade de que não é tolerável o aproveitamento de funções públicas em proveito próprio”.

O então primeiro-ministro respondeu concordar com o princípio de que “se é ilícito deve ser penalizado”. Mas discordou de outro princípio subjacente. “Não estamos é de acordo com a inversão do ónus da prova quando se pretende punir um crime, atribuir culpa", afirmou Sócrates, qualificando a proposta de "oportunista".

As propostas do PSD e do PCP tiveram os votos a favor do BE e do PEV (e a abstenção do CDS), mas foram chumbadas pelos socialistas, que tinham maioria absoluta no Parlamento. Já antes o PSD tinha feito uma tentativa para criminalizar o enriquecimento ilícito, em 2007, aplicável aos titulares de cargos públicos, na liderança de Luís Marques Mendes, mas também foi chumbado pelo PS de Sócrates.

TC chumbou lei em 2012
A criminalização do enriquecimento ilícito viria a ser retomada no início desta legislatura, em Setembro de 2011, por iniciativa do PSD e depois de negociações com o CDS, que sempre ofereceu resistências a esta alteração na lei. Mas a lei não chegou a vigorar. A pedido do Presidente da República, Cavaco Silva, o Tribunal Constitucional analisou, preventivamente, a versão aprovada no Parlamento e chumbou-a.

Em Abril de 2012, 12 dos 13 juízes do TC consideraram que o crime de enriquecimento ilícito, como estava previsto, violava os princípios constitucionais da presunção de inocência e da determinabilidade do tipo legal. Um dos problemas que foi levantado pelos juízes relacionava-se com o silêncio dos suspeitos, por prejudicar os visados.

Em Agosto deste ano, a vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, avançava que o partido tencionava fazer uma nova formulação deste crime, ultrapassando as inconstitucionalidades detectadas pelo TC e colocando o Ministério Público a provar o enriquecimento ilícito.

No PSD, entre os defensores da proposta, ninguém quer fazer declarações públicas sobre o assunto para não se associar ao caso que envolve crimes de branqueamento de capitais, corrupção e fraude fiscal do ex-primeiro-ministro. Ao PÚBLICO fontes sociais-democratas lembram, no entanto, que era mais fácil de fazer a prova neste caso que envolve Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva, já que tinham que ser os visados a justificar a origem de património e de rendimentos que sejam desproporcionais aos rendimentos auferidos, sem necessidade do Ministério Público fazer prova de outros crimes a montante do branqueamento de capitais, como a corrupção ou a fraude fiscal.

A proposta chumbada pelo TC previa que “quem por si ou por interposta pessoa singular ou colectiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos”. No caso de ser titular de cargo político ou alto cargo público (e nos três anos seguintes), a pena de prisão é agravada: 1 a 5 anos ou de 1 a 8 anos, caso os montantes envolvidos estejam acima dos 350 salários mínimos mensais (cerca de 177 mil euros). 

 

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