Se for reeleito, Passos admite devolver só 20% dos cortes salariais em 2016

Primeiro-ministro começou por dizer que a reversão será de 20% em 2015 e integral no ano seguinte. Mas mais tarde afirmou que, se for reeleito, irá propor devolver outros 20% em 2016.

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No arranque do debate sobre o Orçamento do Estado para 2015, Passos Coelho considerou que este será "um momento de viragem na recuperação dos rendimentos dos portugueses e do seu poder de compra”, dando como exemplo a reversão de 20% dos cortes salariais aplicados à função pública.

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No arranque do debate sobre o Orçamento do Estado para 2015, Passos Coelho considerou que este será "um momento de viragem na recuperação dos rendimentos dos portugueses e do seu poder de compra”, dando como exemplo a reversão de 20% dos cortes salariais aplicados à função pública.

Mais à frente acrescentou: “Os funcionários públicos beneficiam já da reversão dos cortes que foram feitos no contexto da emergência financeira. Esta reversão é total para todos os trabalhadores do Estado com rendimentos até 1500 euros. E para vencimentos acima desse montante a reversão será de 20% em 2015, e integral no ano seguinte.” E acrescentou um enigmático: “Se outras propostas não forem feitas entretanto.”

Foram precisas quase duas horas para perceber o que Passos Coelho queria dizer. Aproveitando críticas do deputado José Luís Ferreira, d'Os Verdes, sobre a duvidosa constitucionalidade da reposição faseada dos salários e da sua remissão para o futuro, o primeiro-ministro voltou ao assunto para ser um pouco mais claro.

Lembrou os constrangimentos da decisão do Tribunal Constitucional (TC) de Agosto e deixou uma promessa: "Nos termos da decisão do TC, a reversão salarial deverá ser total em 2016. Se eu for primeiro-ministro (...) proporei que a reversão salarial seja de 20% em 2016, como tem sido a posição pública do Governo. Não deixarei de apresentar propostas de acordo com aquilo que seja razoável e exequível."

Durante a manhã, o tema haveria de voltar ao plenário mais três vezes levantado pelas bancadas mais à esquerda, com o primeiro-ministro a repetir ser sua intenção “congruente” de propor a devolução de apenas 20% do corte salarial. Ao bloquista Luís Fazenda falou na decisão do palácio Ratton: “Também é certo que o TC disse que a proposta que o Governo tinha mostrado intenção de fazer - que era a de continuar a reposição ao ritmo de 20% ao ano - não podia ser avaliada pelo tribunal, na medida em que não havia uma determinação legal nesse sentido.” Passos deixava assim no ar a ideia de que não estará a contrariar uma ordem do TC, mas a aproveitar-se de uma omissão.

Numa resposta à bloquista Mariana Aiveca, Passos haveria depois de admitir que o acórdão do TC de Agosto “não inviabilizou que haja, a partir de 2016, uma política de reposição salarial gradual”. Por isso, acrescentou, “não há garantias de como é que o TC decidirá se o Governo apresentar uma proposta de lei de OE que preveja a restituição” de apenas mais 20% em 2016 – em 2015 já recebem os primeiros 20%.

E se o TC também chumbar essa manobra? O Governo, então, terá que respeitar, “como fez sempre”, afirmou Passos. A algumas acusações da oposição de que estaria, com algumas medidas, a ter uma atitude eleitoralista Passos fez questão de salientar que ao admitir manter parte dos cortes salariais não procura decerto eleitoralismos.

Confrontado com a acusação de que, no fundo, nunca quis fazer a reposição salarial na função pública, o primeiro-ministro respondeu com história. Recordou que, em 2012, quando se fizeram cortes nos 13º e 14º meses, o Documento de Estratégia Orçamental previa a reposição. “Era na altura ministro de Estado e das Finanças o professor Vítor Gaspar e recordo-me muitíssimo bem de ter discutido com ele em que termos, no Conselho de Ministros, haveríamos de prever a reposição salarial. E ela ficou prevista no DEO para ter lugar em quatro anos, que é exactamente o que nós tencionamos fazer.”

Esta foi a primeira vez que o primeiro-ministro se referiu publicamente à devolução dos cortes salariais aplicados à função pública desde 2011, depois de o Tribunal Constitucional ter chumbado a manutenção das reduções remuneratórias até 2018, previstas numa lei que o Presidente da República enviou para fiscalização preventiva a pedido do primeiro-ministro. Em Agosto, os juízes do Palácio Ratton decidiram que não havia motivos para prolongar os cortes actuais (que variam entre 3,5% e 10% para salários acima de 1500 euros brutos) para além de 2015, pois previsivelmente Portugal deixaria de estar em procedimento por défice excessivo.

Devolução de 20% representa despesa de 199 milhões de euros
Inicialmente, o Governo de Passos Coelho comprometia-se a devolver a totalidade dos salários dos funcionários públicos no prazo de quatro anos. No primeiro ano, em 2015, a reversão seria de 20%, não sendo claro que fasquia seria devolvida em cada um dos anos seguintes. Algo que foi considerado inconstitucional pelo TC, por representar “uma redução salarial incerta, de percentagem decrescente absolutamente variável entre 80% da prevista para 2014 e zero, no período entre 2016 e 2018”. O que, além do mais, “ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível” aos funcionários públicos e apenas a estes, ferindo o princípio da igualdade, lia-se no acórdão de 14 de Agosto.

A devolução de 20% dos cortes salariais em 2015 significa um impacto orçamental negativo de 199 milhões de euros, mantendo o Governo um encaixe de 796 milhões de euros através desta medida extraordinária. Assim, caso Passos Coelho consiga ser reeleito e cumpra o que afirmou hoje – algo que terá de ser inevitavelmente analisado pelo TC – os cofres do Estado perdem mais 199 milhões, somando um impacto total de 398 milhões entre 2015 e 2016. Mesmo assim, arrecadaria ainda cerca de 600 milhões de euros em 2016, com uma medida tida como temporária e que dura já desde 2011. Note-se, no entanto, que Passos Coelho nada diz sobre como serão devolvidos os cortes nos anos seguintes. 

Para sustentar que 2015 é um momento de viragem, Passos lembrou também a extinção da CES, através da qual todos os pensionistas irão recuperar integralmente as pensões até 4611 euros; e o aumento, pelo quarto ano consecutivo, das pensões mínimas, sociais e rurais – que o PS congelara em 2011.

Defendeu que a despesa do Estado com prestações sociais aumentou mais de 2,7 mil milhões de euros entre 2010 e 2014 e que esta tendência crescente continuará em 2015 “refutando todas as considerações sobre um suposto ataque ao Estado social”.

BE diz que Passos se sente mandatado para governar contra Constitucional
Não foi um "lapso, um "equívoco" ou uma "distracção". O BE acredita que o primeiro-ministro se sente mandatado para não respeitar decisões do Tribunal Constitucional e ameaçar funcionários públicos. Foi assim que o coordenador do BE, João Semedo, voltou, à tarde, a acusar Pedro Passos Coelho de governar contra a Constituição.

“Se ganhar as eleições, Passos Coelho sente-se mandatado para não respeitar a decisão do TC e não repor os salários da função pública em 2016”, afirmou Semedo. Logo depois, o líder bloquista concluiu que “o primeiro-ministro não fez um anúncio, mas uma ameaça a todos os funcionários públicos e a garantia de que vai continuar a austeridade, mesmo que para tal tenha de violar e desrespeitar a lei do Tribunal Constitucional”.

Depois de voltar ao tema quente do dia, o líder do BE fez então o balanço de três anos de governação em que “os sacrifícios foram em vão”, pois "a austeridade comprometeu não apenas o bem-estar dos cidadãos, mas a própria saúde das contas públicas”.

Semedo contabilizou os aumentos do IRS, IVA, IMI e preço dos combustíveis, registando, em simultâneo, a descida do IRC, que “teve apenas como resultado o aumento da injustiça fiscal”.

“As prioridades do Orçamento permitem-nos perceber para quem governa a direita. Este Orçamento não engana. Os grandes interesses económicos agradecem mais esta borla do PSD e CDS”, concluiu João Semedo.

Reforma no Estado é responsabilidade de "todo o Governo"
Passos Coelho não se cansou de falar nas reformas que o Governo tem levado a cabo e que pretende ainda implementar e disse que a proposta de OE para 2015 “é igualmente reformista no Estado e no Estado social”. Prometeu que as reformas no Estado – de que Paulo Portas apresentou um guião há precisamente um ano – que prosseguirão no próximo ano são “cruciais para cumprir as metas que agora se assumem”.

O primeiro-ministro voltava assim a pegar num tema que nos últimos dias foi bola de pingue-pongue entre o chefe do Governo e o vice-primeiro-ministro. “Esta tarefa [da reforma no Estado] nas suas múltiplas dimensões é um trabalho de persistência reformista, que não começa agora – já começou desde o início deste mandato; que não termina em 2015 – mas deve prosseguir nos anos futuros; que não vincula apenas esta ou aquela tutela – antes responsabiliza todo o Governo no seu conjunto.”