Secretário de Estado demissionário plagiou mais um trabalho

João Grancho, que tinha a tutela do Ensino Básico e Secundário, demitiu-se invocando "imperativos de consciência", depois da notícia que dava conta de plágio numa comunicação por si apresentada em 2007. O PÚBLICO descobriu mais uma passagem copiada.

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João Grancho garantiu que o objectivo da prova “não é afastar professores do exercício da sua profissão” Enric Vives-Rubio

Aí, no segundo capítulo intitulado “O entendimento do professor como profissional do ensino”, surge um primeiro parágrafo muito semelhante a um excerto do segundo capítulo da comunicação do secretário de Estado demissionário. O capítulo versava sobre o “conjunto de normas e valores próprios dos professores” que eram sistematizados “sob a forma de um código de conduta”. Apesar de algumas palavras terem sido alteradas, os dois parágrafos são semelhantes.

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Aí, no segundo capítulo intitulado “O entendimento do professor como profissional do ensino”, surge um primeiro parágrafo muito semelhante a um excerto do segundo capítulo da comunicação do secretário de Estado demissionário. O capítulo versava sobre o “conjunto de normas e valores próprios dos professores” que eram sistematizados “sob a forma de um código de conduta”. Apesar de algumas palavras terem sido alteradas, os dois parágrafos são semelhantes.

O PÚBLICO contactou o gabinete do Ministério da Educação e Ciência (MEC) para dar oportunidade a João Grancho de reagir a este novo dado. Não houve resposta até ao fecho desta edição.

Depois de ter sido tornada pública a sua demissão, João Grancho afirmou à Lusa que o pedido era determinado “por imperativos de consciência e de sentido de serviço público”. E não, acrescentou, “por quaisquer questões relacionadas com o meu [seu] desempenho no cargo”. O governante acrescentou ainda que o pedido era a forma “que melhor preservava o Governo na difícil tarefa que ainda tem pela frente e que terá que concluir para bem de Portugal”.

Horas antes, através de um comunicado, o gabinete de imprensa do ministério da Educação fez saber que João Grancho se demitira invocando “motivos de ordem pessoal”. O Expresso online acrescentava que o pedido para sair tinha "razões de lealdade para com o ministro" e a necessidade de reagir com maior liberdade à notícia “sem as limitações do desempenho de um cargo governativo". 

O ministro da Educação foi também, durante o dia de sexta-feira, confrontado com a notícia. À margem da sessão de trabalho “Estratégia de Competências da OCDE - Uma estratégia de competências para Portugal”, realizada no Museu do Oriente, em Lisboa, Crato disse apenas que Grancho “já respondeu a isso”.

Elemento com "mais credibilidade"
A demissão de João Grancho apanhou de surpresa os dirigentes escolares, que ainda esta quarta e quinta-feira ouviram aquele secretário de Estado garantir os meios materiais necessários para compensar os alunos pelo atraso na colocação de professores (uma competência do outro secretário de Estado, do Ensino e da Administração Escolar, Casanova de Almeida). “Esta demissão deixa gravemente ferida e especialmente fragilizada a equipa ministerial, comentou Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).

Na mesma linha, Manuel Pereira considerou ser "irónico e preocupante"  que, "num momento tão conturbado para o ensino básico e secundário, se demita precisamente o elemento do ministério que mais credibilidade tinha junto das escolas, que melhor conhecia o terreno e o que realmente compreendia e tentava atender às necessidades dos alunos”.

O vice-presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, escusou-se a fazer um balanço do papel de Grancho no MEC, mas disse-se “extremamente preocupado com o impacto desta demissão na máquina do ministério e na forma como isso se reflectirá nas escolas”. “Estamos preocupados com a admissão de professores, não devíamos ter de nos preocupar com a demissão de ministros”, comentou, frisando que “as escolas já estão em fogo e precisavam de paz e não de achas para a fogueira”.

Manuel Pereira e Filinto Lima escusaram-se a comentar a notícia do PÚBLICO sobre os casos de plágio alegadamente cometidos por João Grancho, e Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), também. Este centrou as críticas na equipa do ministério, que, considera, “está a cair de podre” e “fica, com esta demissão, ainda mais fragilizada”. “Fico curioso. Não sei quem é que vai aceitar este lugar sabendo que a sua missão é fazer cortes no montante de 700 milhões de euros”, comentou.

Mário Nogueira disse ainda lamentar que o “secretário de Estado se tenha demitido por motivos de ordem pessoal quando tinha tantos e tão bons motivos para o fazer por outras razões”. “Este é o secretário de Estado da Prova de Avaliação de Capacidades e Competências para professores e o responsável pela desorganização da Educação Especial”, lembrou.

João Dias da Silva, dirigente da Federação Nacional da Educação (FNE), escusou-se a falar sobre este caso.

Em 2007, quando João Grancho era presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), apresentou uma comunicação, numa conferência sob o tema “A dimensão moral da profissão docente”, numas Jornadas Europeias, em Múrcia, Espanha. As dez páginas da sua participação – que está publicada no site das Jornadas – levantavam uma questão sensível. Em algumas partes, o governante copia documentos anteriores, da autoria de outros académicos, sem fazer qualquer referência aos autores originais.

O secretário de Estado rejeitou ao PÚBLICO a acusação de plágio: "Pretender associar um mero documento de trabalho, não académico nem de autor, nas circunstâncias descritas, a um plágio, é totalmente inapropriado e sem qualquer sentido.”

João Grancho entrou no Governo em Outubro de 2012, na sequência de uma remodelação do Governo, para substituir a então secretária de Estado Isabel Leite. Na altura era presidente da Direcção Regional de Educação do Norte, mas era sobretudo conhecido, no meio escolar, por ter presidido à Associação Nacional de Professores, entre 2002 e 2011, onde se bateu pela criação de uma ordem profissional, que permitiria a definição de “um quadro deontológico de actuação para os docentes”.