Tiago Apolónia: "Dantes, tínhamos medo. Agora somos nós a potência"

Um dos portugueses que se sagraram campeões europeus de ténis de mesa, no domingo, considera que a modalidade tem condições para prosperar. “Os nossos êxitos abrem muitas portas”, avalia.

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Tiago Apolónia Rafael Marchante/Reuters

Tudo começou numa mesa de cozinha feita de azulejos em casa dos avós e com pacotes de leite a servir de rede. Tiago Apolónia até jogava sozinho contra a parede. Passaram mais de 20 anos e Tiago é um dos melhores jogadores mundiais da actualidade, tendo conquistado em Lisboa, no último domingo, com Marcos Freitas e João Monteiro, o título de campeão da Europa de selecções, ao derrotar na final a Alemanha, que tinha vencido o troféu continental nos seis últimos campeonatos. Ao PÚBLICO, Apolónia destacou a importância de jogar em casa e considerou fundamental a mudança para o estrangeiro na sua evolução como jogador.

Qual foi a importância de jogar em casa na conquista deste título?
Não o posso afirmar peremptoriamente, mas penso que, se tivesse sido noutro país, seria muito mais difícil conseguir este título. A ajuda do público foi grande.

O que foi diferente em relação ao confronto com a Alemanha na primeira fase?
Vou falar mais do meu jogo. Sabia que estava a jogar contra o n.º 1 da Europa e o n.º 4 do mundo e eu não tinha muito a perder, sabia que a pressão estava toda do lado dele. Ao entrar bem no jogo, ganhei muita confiança. Sabia que ele estava a sentir muita pressão e que estava a sentir que eu estava ali mesmo para ganhar. À medida que o jogo ia avançado fui sentindo que era o nosso dia e foi o que aconteceu. Senti claramente uma quebra do adversário.

E assistir ao último jogo do Marcos com o Timo Boll?
Não foi nada fácil. Mas foi muito bom. Ele conseguiu ganhar o primeiro set 12-10 depois de estar a perder 8-10. Foi um grande jogo e o Marcos esteve muito bem. Foi um dos melhores jogos que eu já o vi fazer.

Vocês já se conhecem há muito tempo.
Sim, já jogamos juntos na selecção há muito tempo, embora tenhamos idades um pouco diferentes. Isso ajuda muito. O espírito de equipa é bom e isso é, sem dúvida, uma das nossas mais-valias.

Os portugueses acordaram para o ténis de mesa há dois anos, com os Jogos Olímpicos, em que estiveram perto das meias-finais, mas agora já estão bem despertos.
Penso que sim. É um desporto de que toda a gente gosta. Tenho pena que não seja tão falado. Já alcançámos tanta coisa para Portugal... Espero que este seja o grande boom do ténis de mesa em Portugal, que a modalidade seja vista como merece. Somos campeões da Europa. Portugal é campeão da Europa. Espero que as pessoas saibam que temos dos melhores do mundo, que vibrem connosco. Esta é uma das modalidades mais difíceis de praticar, mais complexas. Espero que os portugueses sintam que somos bons. Agora já se podem gabar de que somos campeões da Europa, e ganhando à Alemanha, que é uma grande potência do ténis de mesa e não só.

Depois de retirar à Alemanha o estatuto de melhor da Europa, Portugal tem condições para manter o lugar?
É difícil dizer. A Alemanha continua a ser a grande potência. Nós ganhámos aqui, mas o n.º 1 e o nº. 2 do ranking estavam na equipa deles. Não vai ser fácil batê-los novamente. Mas temos mais responsabilidade agora e o objectivo é continuar a progredir. Agora vamos ter a Taça do Mundo por equipas em Janeiro e eu e o Marcos vamos disputar a Taça do Mundo individual no próximo mês, que é para os 20 melhores do mundo. Para mim, estar qualificado para esta prova já é uma vitória, nunca tinha conseguido. Com a confiança que ganhei aqui, espero continuar com a boa maré. Se estiver ao meu nível, posso jogar de igual para igual com os melhores do mundo.

Já se pode começar a pensar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro?
Pensar nisso, claro, mas pensar em resultados ainda não. Ainda temos muitas grandes provas antes de chegar até lá. Tudo o que temos pela frente faz parte de um planeamento para que os Jogos Olímpicos também corram bem.

Como é que viver no estrangeiro tem contribuído para a sua evolução desportiva?
Saí de Portugal há oito anos e foi determinante. Se tivesse continuado em Portugal, não teria atingido o nível que atingi. Tive melhores condições de treino, melhores parceiros de treino, uma liga mais competitiva, uma estrutura mais profissional. Estas coisas juntas fazem com que seja possível atingir o topo mundial. A adaptação foi fácil, mas foi difícil deixar a família e os amigos. Tenho pouco tempo para fazer outras coisas, para além do ténis de mesa. Treino cinco a seis horas por dia, faço um a dois jogos ao fim-de-semana — é raro ter um livre durante o ano. Neste momento só penso no ténis de mesa e quero ser um jogador de alto nível nos próximos dez anos. Depois, não sei o que se irá passar.

Como é que chegou ao ténis de mesa?
Foi por influência do meu irmão mais velho, que já jogava. Comecei a jogar numa mesa de cozinha com azulejos na casa dos meus avós. Quando vinha da escola ficava lá em casa deles e entretinha-me a jogar na mesa da cozinha, às vezes sozinho contra a parede, ou contra quem quisesse jogar comigo. Usava pacotes de leite a fazer de rede. Valia tudo. Quando comecei, quase que não chegava à mesa, do outro lado só se viam os meus olhos. As crianças geralmente só começam a jogar com sete, oito anos, eu comecei mais cedo do que o normal. Mas isso ajudou-me, jogar sempre com adversários mais velhos.

Para além da componente física muito exigente, o ténis de mesa também tem uma parte psicológica muito importante.
É uma modalidade complexa e exigente. Para além da parte física e técnica, a parte psicológica é muito forte.

É muito fácil perder a cabeça durante um jogo?
Sim, esse tem de ser um dos talentos naturais de um jogador. Tem de ser muito frio. Quando se perde a cabeça durante um jogo, acabou, não há tempo. Nem que seja por um segundo, é demasiado tarde.

Este grande momento do ténis de mesa português pode ter continuidade depois desta geração do Tiago Apolónia, do Marcos Freitas e do João Monteiro?
Penso que sim. Os nossos êxitos abrem muitas portas para que as gerações seguintes tenham mais confiança e que saibam que é possível. No meu tempo, quando eu comecei nas selecções, íamos jogar contra as Alemanhas, Suécias, Franças, grandes selecções europeias, íamos um pouco tímidos e com medo até de entrar na mesa. Os nossos atletas mais velhos estavam a jogar contra a Irlanda, o Liechtenstein, o Luxemburgo, era esse o nosso nível. E quando jogávamos contra as potências tínhamos um bocado de medo. Agora já não é assim. Agora somos nós a potência, agora somos temidos. E os nossos jovens já chegam às competições e sabem que têm algo a defender e que tudo é possível. Sim, o ténis de mesa tem futuro.

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