Os drones caídos do céu

Uma investigação conduzida ao longo de um anos revela os perigos trazidos pelos aviões não tripulados.

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Desde o início das guerras no Afeganistão e no Iraque que os drones militares apresentaram vários tipos de problemas, caindo do céu devido a avarias mecânicas, erros humanos, más condições meteorológicas, entre outros motivos, revelam relatórios resultantes de investigações aos acidentes e outros documentos obtidos pelo WP ao abrigo da Lei de Liberdade de Informação.

Voos não tripulados comerciais estão prestes a tornar-se uma realidade generalizada nos Estados Unidos, a começar no próximo ano, depois de o Congresso ter aprovado a legislação em 2012. Prevê-se o aparecimento de voos de drones por parte das agências judiciais e militares, que já os efectuam de forma limitada.

Mas os documentos obtidos pelo Washington Post detalham uma grande quantidade de acidentes que não tinham sido relatados anteriormente envolvendo aviões pilotados por controlo remoto, desafiando as garantias do Governo de que os drones poderão voar de forma segura sob áreas populosas e no mesmo espaço aéreo que os aviões de passageiros. Drones militares despenharam-se sob casas, quintas, auto-estradas, canais e, num dos casos, contra um Hércules C-130, um avião de transporte da Força Aérea, em pleno voo. Ninguém morreu devido a acidentes com drones, mas os documentos mostram que muitas catástrofes foram evitadas por uma unha negra, frequentemente por uma questão de poucos metros ou meros segundos de pura sorte.

“Eu só via tendas e tinha medo de ter matado alguém”, disse aos investigadores o major da Força Aérea Richard Wageman depois de um acidente em Novembro de 2008, quando perdeu o controlo de um Predator que caiu numa base militar dos EUA no Afeganistão. “Fiquei paralisado e tenho a certeza de que me saíram alguns palavrões.”

Os investigadores não conseguiram determinar a causa definitiva do acidente, mas afirmaram que o vento e uma viragem agressiva do piloto foram factores importantes. Wageman não respondeu ao pedido de entrevista feito através de um porta-voz da Força Aérea.

Vários drones militares simplesmente desapareceram em altitudes de cruzeiro para nunca mais voltarem a ser vistos. Em Setembro de 2009, um drone Reaper armado, com 20 metros de envergadura, voou descontroladamente através do Afeganistão. Caças americanos abateram-no já perto do Tajiquistão.

Os documentos descrevem uma variedade de erros dispendiosos cometidos pelos pilotos dos controlos remotos. Um Predator de 3,8 milhões de dólares (quase 2,8 milhões de euros) que transportava um míssil Hellfire caiu perto de Kandahar em Janeiro de 2010 porque o piloto não se tinha apercebido de que estava a comandar o avião de pernas para o ar. No final desse ano, outro Predator armado despenhou-se porque o piloto não reparou que apertou o botão errado do seu joystick, pondo o avião a rodopiar.

Apesar de a maior parte dos aviões defeituosos terem ficado desfeitos em zonas de combate, dezenas foram destruídos nos Estados Unidos durante os testes e voos de treino que correram mal.

Em Abril, um drone militar de 170 quilos caiu próximo do recreio de uma escola primária na Pensilvânia, poucos minutos depois de os alunos terem ido para casa no final das aulas. No Norte do estado de Nova Iorque, a Força Aérea continua sem conseguir encontrar um Reaper desaparecido desde Novembro, quando caiu no lago Ontário. Em Junho de 2012, um drone de vigilância RQ-4 da Marinha com a mesma envergadura de um Boeing 757 despenhou-se a pique na costa Leste do Maryland, provocando um incêndio.

Responsáveis do Departamento da Defesa afirmam que confiam na fiabilidade dos seus drones. A maior parte dos acidentes ocorreram em situações de guerra, salientam, sob condições duras que dificilmente ocorrerão nos Estados Unidos.

As estatísticas militares mostram que a larga maioria dos voos decorre sem problemas e que as taxas de erros diminuíram consistentemente ao longo da última década. Mas reconhecem também que os drones nunca serão tão seguros como as linhas aéreas comerciais.

“A aviação é inerentemente uma actividade perigosa. Infelizmente, não é preciso olhar para muito longe para encontrar exemplos disso”, diz Dyke Weatherington, director das operações militares não pilotadas do Pentágono. “Posso dizer olhos nos olhos que [o Departamento de Defesa] tem aqui um nível de segurança excepcional e estamos a melhorar a cada dia que passa.”

A análise do  Washington Post t aos registos de acidentes mostram no entanto que os fabricantes militares e de drones têm ainda de ultrapassar questões de segurança fundamentais:

— Uma capacidade limitada de detectar e evitar problemas. Câmaras e sensores de alta tecnologia num drone não substituem totalmente os olhos, ouvidos e nariz de um piloto dentro de um cockpit. A maior parte dos aviões controlados à distância não estão equipados com radares ou sistemas anticolisão concebidos para evitar colisões em voo.

— Erros do piloto. Apesar da percepção geral, pilotar um drone é muito mais difícil do que jogar numa consola. A Força Aérea avalia e treina constantemente os seus pilotos de drones, mas os erros ainda são comuns, particularmente durante as aterragens. Em quatro casos ocorridos ao longo de três anos, pilotos da Força Aérea cometeram erros tão grosseiros que foram alvo de investigações por negligência no serviço.

— Defeitos mecânicos persistentes. Alguns modelos comuns de aviões não tripulados foram criados com sistemas de backup de segurança e enviados para a guerra sem o benefício de anos de testes. Muitos acidentes foram causados por defeitos eléctricos básicos; outros devido ao mau tempo. Quando há problemas inexplicáveis, os militares atribuem-nos ao azar. As equipas de dois Predators que se despenharam em 2008 e 2009 disseram aos investigadores que os seus aviões tinham ficado “possuídos” e tomados por “demónios”.

— Linhas de comunicação defeituosas. Os drones estão dependentes de transmissões sem fios para passar os comandos e informação de navegação, normalmente via satélite. Essas ligações podem ser frágeis. Os registos mostram que as linhas foram interrompidas ou perdidas em mais de um quarto dos acidentes mais graves.

Entre os modelos que mais se despenharam, está o Predator MQ-1, o drone da Força Aérea construído pela General Atomics Aeronautical Systems, de San Diego. Quase metade dos Predators comprados pela Força Aérea estiveram envolvidos num grande acidente, de acordo com dados de compras e segurança.

Frank Pace, presidente dos sistemas aeronáuticos da General Atomics, o maior produtor de drones militares de grande envergadura, afirma que o Predator superou as expectativas de fiabilidade. Foi concebido para ser leve e barato, custando menos de 4 milhões de dólares cada. Durante os primeiros anos das guerras no Afeganistão e no Iraque, adianta, ninguém esperava que os Predators durassem muito.

“Era já expectável que iria ser abatido ou sofrer outras perdas e por isso não íamos investir uma enorme quantidade de dinheiro num sistema redundante”, afirma Pace, referindo-se aos sistemas de backup concebidos para arrancarem quando ocorre uma falha. Enfatiza que nenhum dos acidentes de Predators foi fatal. “Nunca registámos a perda de uma vida, por isso não estamos nada mal.”

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Um soldado em frente a um Shadow, um drone que é sobretudo usado no Afeganistão, na base de Vilseck-Grafenwoehr Michaela Rehle/REUTERS

Acidentes espalhados pelo mundo

Os drones revolucionaram a guerra. Agora, preparam-se para revolucionar a aviação civil. Ao abrigo da lei aprovada pelo Congresso, a Administração da Aviação Federal deverá publicar até Setembro de 2015 as regras que irão generalizar a integração dos drones no espaço aéreo civil.

A procura acumulada para a compra e pilotagem de aviões de controlo remoto é enorme. As agências judiciais [americanas], que já dispõem de um pequeno número de drones equipados com câmaras, planeiam comprar uns quantos milhares; os departamentos policiais consideram-nos uma ferramenta barata para uma vigilância com visão de águia durante 24 horas.

As empresas vêem uma enorme gama de possibilidades para os drones, das utilizações agrícolas ao transporte de carga, inspecções imobiliárias ou filmagens de Hollywood. Os jornalistas já pediram licenças para cobrir as notícias com a ajuda de drones. O director executivo da Amazon.com, Jeffrey Bezos, quer que a sua empresa utilize drones autónomos para entregar pequenas encomendas à porta dos seus clientes. (Bezos é também proprietário do  Washington Post.)

O Exército possui cerca de 10 mil drones, dos Wasps de meio quilo e Ravens de 1,8 quilos, aos Predators de uma tonelada e aos Global Hawks de 15 toneladas. Até 2017, as forças armadas pretendem pilotar drones a partir de pelo menos 110 bases em 39 estados, para além de Guam e Porto Rico.

A indústria dos aviões não tripulados, que fez lobby no Congresso para a aprovação da nova lei, prevê um benefício económico de 82 mil milhões de dólares e 100 mil novos postos de trabalho até 2025.

A oposição pública tem estado centrada nas preocupações referentes aos direitos civis, tais como a moralidade e legalidade de usar drones para espiar os quintais das pessoas. Tem havido pouco escrutínio às taxas de segurança dos aviões controlados à distância. Um relatório publicado a 5 de Junho pela Academia Nacional de Ciências americana concluía que há “questões sérias ainda por responder” sobre a forma como se integrarão os drones civis no espaço aéreo nacional, considerando este “um desafio crítico transversal”.

Ninguém tem mais experiência com drones do que o Exército americano, que já acumulou mais de 4 milhões de horas de voo. Mas o Departamento de Defesa mantém muito bem guardados os registos das suas operações com drones, incluindo como, quando e onde a maior parte dos acidentes ocorrem.

O  Washington Post apresentou mais de duas dezenas de pedidos ao abrigo da lei da liberdade de informação (FOIA, na sigla inglesa) à Força Aérea, Marinha e Marines. Com respostas intermitentes ao longo de um ano, o Exército libertou alguns arquivos de investigação e outros registos que em conjunto permitiram identificar 418 grandes acidentes com drones em todo o mundo entre Setembro de 2001 [altura do ataque terrorista contra os EUA] e o final do ano passado.

O número é quase equivalente ao número de despenhamentos que ocorreram com a frota de caças e aviões de combate da Força Aérea durante o mesmo período, embora os drones tenham participado em muito menos missões e horas de voo, de acordo com as estatísticas de segurança da Força Aérea.

O Exército divide os principais acidentes em duas categorias de gravidade, com base na quantidade de danos infligidos aos aviões ou outros bens. (Existem outras três categorias para acidentes pequenos.)

De acordo com os registos, 194 drones iam parar à primeira categoria — acidentes de Classe A que destruíam o avião ou causaram pelo menos 2 milhões de dólares de prejuízo.

Um pouco mais de metade desses acidentes ocorreram no Afeganistão e no Iraque. Quase um quarto deu-se nos Estados Unidos.

Na maior parte dos casos, os responsáveis militares juntaram uma equipa de investigadores para determinar as causas. Em 18 casos, as quedas dos drones eram assuntos tão secretos que o Exército escondeu o nome dos países onde ocorreram e os detalhes sobre o que se passou.

Nos acidentes de Classe B, estão 224 despenhamentos, que custaram entre 500 mil e 2 milhões de dólares. Os responsáveis guardaram os detalhes clássicos, tais como as datas e as localizações, com o argumento de que os pequenos prejuízos não exigem uma investigação pública.

Os documentos militares não incluem informação sobre drones operados pela CIA. A agência de espionagem tem a sua própria frota de cerca de 30 Predators e Reapers armados no estrangeiro, todos pilotados à distância por pilotos da Força Aérea requisitados pela CIA.

A CIA também utiliza os aviões de vigilância RQ-170 Sentinel, altamente desenvolvidos, incluindo um que os responsáveis americanos reconheceram ter caído no Irão em Dezembro de 2011.

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Destroços de um carro destruído durante um ataque por um drone americano contra suspeitos da Al-Qaeda no Iémen, em Fevereiro de 2013 Khaled Abdullah/REuters

“Fomos atingidos por um UAV!”

À medida que o Exército mandava drones atrás de drones para o Iraque e o Afeganistão em meados da década de 2000, alguns comandantes da Força Aérea viram um aumento de possíveis perigos nos céus cada vez mais povoados.

Os líderes da Força Aérea fizeram circular briefings citando um general não identificado a dizer: “Aquilo que me preocupa é um dia ter um C-130 cheio de soldados e haver um [drone] a entrar mesmo pela janela do cockpit.”

As preocupações do general tinham fundamento. A 15 de Agosto de 2011, um Hércules C-130 de 65 toneladas estava a aterrar na base de operações de Sharana, no Leste do Afeganistão. De repente, a um quarto de milha do chão, o enorme avião colidiu com um objecto voador de 170 quilos.

“Cum caraças”, gritou o piloto do Hércules, de acordo com a transcrição do gravador de voz do cockpit. “Fomos atingidos por um UAV! Atingidos por um UAV!”

Era um veículo aéreo não tripulado, ou UAV no jargão militar. Um RQ-7B Shadow, guiado por um tripulante de terra do Exército, despenhara-se contra a asa esquerda do avião entre duas hélices. Um jorro de combustível escorreu pela asa. A equipa do Hércules desligou um motor e ordenou por rádio que libertassem a pista. Em dois minutos o avião aterrou, com fumo a sair do lado esquerdo. “Há um buraco do caraças no avião”, disse o piloto, segundo o gravador de voz do cockpit. Ninguém ficou ferido.

Cerca de 50 segundos depois, um operador de drone confessou à torre de controlo que tinha perdido o rasto do seu avião.

“Tivemos um, ahhh..., um C-130, ahhh..., que atingiu um UAV”, respondeu o controlador do tráfego aéreo. “Suspeito de que seja o seu.”

A colisão deixou o Shadow em pó. À medida que a notícia se espalhava, os fabricantes e defensores militares dos drones ficavam em suspenso. Se os investigadores concluíssem que a equipa de drones era responsável por um desastre no ar, isso colocaria em perigo os planos de pilotar engenhos aéreos robóticos não só no estrangeiro como nos EUA.

O Exército nunca tornou público o resultado da investigação. Dois responsáveis do Pentágono afirmaram em entrevistas que a culpa não foi do operador do drone, mas não deram mais detalhes.

Em resposta a um pedido FOIA do  Washington Post, a Força Aérea divulgou centenas de páginas de documentos. A conclusão oficial sobre aquilo que tinha originado o acidente foi censurada, mas alguns dos documentos sugerem que o controlador de tráfego aéreo era pelo menos em parte responsável. Os registos mostram que o controlador, um civil cujo nome foi eliminado, foi temporariamente dispensado e recebeu treino de correcção.

Responsáveis militares afirmam que houve apenas um outro caso de colisão com drones no ar, envolvendo um helicóptero e um pequeno drone de lançamento manual no Iraque, há uma década.

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Acidente com um MQ-1B numa base do Nevada, em Maio de 2013 Craig Whitlock/ U.S. Air Force/THE WASHINGTON POST
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Destroços de um Predator caído em Kandahar, em 2011 Craig Whitlock/ U.S. Air Force/THE WASHINGTON POST

A iminência de acidentes em terra tem sido mais frequente.

“Onde raio está... onde está a pista?”, gritou o capitão da Força Aérea Matthew Scardaci quando o seu engenho pifou e o seu Predator se esmagou numa base aérea em Kandahar a 5 de Maio de 2011, segundo a transcrição do registo de voz. “Oh, merda, oh bolas, oh meu deus, o que é aquilo?! No que é que eu acabei de bater?” Afinal, era uma fila de contentores vazios. Ninguém ficou ferido.

Scardaci não respondeu a um pedido para comentar feito através da porta-voz da Força Aérea.

No Leste do Afeganistão, Predators armados de Hellfires despenharam-se perto de zonas residenciais na cidade de Jalalabad duas vezes no prazo de seis meses.

Numa delas, a 20 de Agosto de 2011, um drone “começou a cair do céu” depois de a sua hélice se ter avariado. “Olhei para baixo e havia casas por todo o lado”, disse o operador de câmara aos investigadores.

O Predator embateu em dois complexos de habitações afegãos e originou um incêndio. Ninguém ficou ferido. O Exército recompensou os moradores com uma soma de dinheiro não divulgada.

Ups. Ai, ai

Dentro das estações de controlo terrestre, os pilotos de drones sentam-se com listas que os guiam através de qualquer cenário imaginável. Mas continua a ser fácil cometer erros dispendiosos.

Um dos erros frequentes: esquecer de ligar o Sistema de Reforço de Estabilidade, que impede o drones de abanar ou de rodopiar. Em pelo menos cinco casos, os pilotos não o accionaram, ou desligaram-no acidentalmente, para depois assistirem perplexos ao aparelho a despenhar-se num mergulho de cabeça.

A 16 de Agosto de 2010, nem o piloto nem o operador de câmara repararam nas luzes de aviso vermelhas nos monitores de vídeo à sua frente quando o Predator descolou da base de Balad no Iraque com o estabilizador desligado.

“Isto é assustador!”, gritou o operador de câmara enquanto o drone se despenhava, deixando no chão um buraco de um metro de profundidade. “Que diabo foi acontecer?” Os investigadores culparam a “desatenção do piloto” pelo acidente.

Em quatro casos, entre 2009 e 2012, oficiais da Força Aérea determinaram que os erros dos pilotos foram propositadamente negligentes, colocando-os sob investigação por suspeita de negligência no serviço, um crime de acordo com a lei marcial.

Um deles conduziu sem intenções um Predator em direcção a uma montanha de cinco mil metros no Afeganistão, mesmo depois de ter sido avisado para estar atento a elevações do terreno. Os investigadores concluíram que o piloto inexperiente estava com pressa para ajudar soldados no terreno e preocupado com a tempestade que se aproximava, sem ter noção da montanha que estava à frente.

Os relatórios aos acidentes não divulgam os resultados dos casos de negligência no serviço, nem identificam os pilotos. Responsáveis da Força Aérea recusaram-se a dar explicações.

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Acidente com um QF-4E na base da Força Aérea em Tyndall, na Florida, em Julho de 2013 Craig Whitlock/ U.S. Air Force/THE WASHINGTON POST
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Um complexo de habitações afegãs destruídas por um drone em Jalalabad, em 2011 Craig Whitlock/ U.S. Air Force/THE WASHINGTON POST

Noutro caso de negligência, as transcrições de registos de voz mostram um operador de câmara irritado a dar lições a um piloto habitualmente nervoso mesmo antes da descolagem em Jalalabad, a 24 de Julho de 2012.

“Pára de dizer ‘ai, ai’ enquanto estás a voar”, repreendeu o operador. “Nunca é bom. É como ir ao dentista ou ao médico... ‘Ups’, mas que merda queres dizer com ‘ups’?”

E realmente, uns minutos depois, ‘ups’.” O Predator armado derrubou uma barreira na pista e um posto de vigia.

“Epá!”, diz o piloto. “Não faço ideia do que aconteceu.”

Problemas de fiabilidade

O Predator original foi concebido sem os sistemas de backup comuns a aparelhos aéreos tripulados e maiores. Traziam apenas um motor, um alternador, uma hélice. Se alguma dessas componentes falhasse, o avião vinha abaixo.

Desde que começou o programa de drones, a Força Aérea adquiriu 269 Predators; 40% despenharam-se em acidentes de Classe A, os mais graves. Outros 8% caíram nos acidentes de Classe B.

À medida que os acidentes se acumulavam, as equipas da Força Aérea queixavam-se da fiabilidade. Algumas das queixas dirigiam-se à General Atomics, o fabricante.

“Eu não quero ser um daqueles que deixam cair um avião, mas quero que isso leve os tipos — e quando digo tipos refiro-me à AG [General Atomics] — a responder por algumas destas coisas”, disse o general da Força Aérea Elizio Bodden, um instrutor de pilotos de Predators, a uma equipa de investigação sobre um despenhamento no Iraque a 29 de Novembro de 2007. “Sabemos que estamos a voar com algum material defeituoso, mas ainda assim fazêmo-lo.”

Pace, o executivo da General Atomics, atribui a maior parte dos acidentes com os Predators a erros de pilotagem durante as aterragens. Afirma que a empresa fez melhoramentos de segurança, mas que juntar motores adicionais ou duplicar sistemas de energia não é prático porque implicaria “uma enorme reconstrução”.

Pace referiu que o aparelho tem um futuro limitado. A General Atomics cessou a produção do modelo original do Predator em 2011 e substitui-o por um MQ-9 Reaper, um aparelho mais fiável que pode voar ao dobro da velocidade e transportar mais mísseis e bombas. A Força Aérea tem planos para acabar com os voos do Predator até 2018 e não tem estado “interessada em gastar o seu dinheiro em upgrades”.

A Força Aérea reconheceu que os Predators caem mais frequentemente do que os aparelhos aéreos normais, mas responsáveis afirmam que os níveis de segurança dos drones têm melhorado significativamente.

Durante os seus primeiros 12 anos de vida, os Predators despenhavam-se a um ritmo extraordinariamente elevado — por cada 100 mil horas de voo, sofreram 13,7 acidentes de Classe A.

Desde 2009 que a Força Aérea se tornou mais experiente a pilotar os drones, e as taxas de erro caíram para 4,79 acidentes de Classe A por cada 100 mil horas de voo.

As quedas do Exército

Os Reaper têm tido resultados bastante melhores, com 3,17 acidentes de Classe A por 100 mil horas de voo nos últimos cinco anos.

Os oficiais da Força Aérea referem que a taxa de queda dos Reapers se aproxima agora da dos caças F-16 e F-15 que nos últimos cinco anos sofreram 1,96 e 1,47, respectivamente, de acordo com as estatísticas do Centro de Segurança da Força Aérea na base de Kirtland, no Novo México.

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O piloto de um caça observa um Predator sob Victorville, na Califórnia Don Bartletti

“Aprendemos imenso sobre pilotagem [de drones] porque fomos obrigados a isso”, afirma o coronel da Força Aérea James Marshall, director de segurança do Comando de Combate Aéreo. “A guerra é um grande motivador quando as vidas estão em risco.”

O Reaper não ficou livre de defeitos.

Depois de um despenhamento durante uma missão de treino na Califórnia a 20 de Março de 2009, os investigadores da Força Aérea atribuíram as responsabilidades à válvula de controlo da temperatura no sistema de óleo. Um mês antes tinha ocorrido um acidente parecido.

A investigação que se seguiu revelou que as barras de deslizamento das válvulas tinham sido instaladas ao contrário. Os inspectores da Força Aérea ficaram ainda mais surpreendidos por saber que a General Atomics tinha comprado as válvulas a uma empresa de Houston que não as tinha concebido para aviões.

A válvula “não é de nível aeroespacial. Por outras palavras, a válvula termoestática foi criada especificamente para aplicações industriais”, escreveu um investigador da Força Aérea num relatório sobre o acidente. “Esta válvula termoestática não se destinava a aviões.”

Ao contrário da Força Aérea, o Exército não argumenta que os seus drones são quase tão seguros como os aviões normais.

Em Junho de 2013, responsáveis de segurança do Exército publicaram um boletim afirmando que os seus drones se tinham despenhado dez vezes mais do que os aparelhos tripulados do Exército durante os nove meses anteriores.

Por muito mau que o número pareça, responsáveis afirmam que na verdade está aquém da realidade. Os comandantes não estavam a dar conta de várias falhas com drones ao Centro de Preparação para Combate

Segurança em Fort Rucker, tal como requisitado.

Cerca de 55% dos drones MQ-5 Hunter do Exército, capazes de transportar armamento, “perderam-se por várias razões”, em acidentes durante os treinos e operações de combate, de acordo com o coronel Tim Baxter, director do projecto de sistemas aéreos não tripulados do Exército.

O RQ-7 Shadow, o modelo de reconhecimento mais pequeno que embateu contra o avião de carga Hércules, também tem sido dado a acidentes. Pelo menos 38% da frota do Exército viu-se envolvida num acidente grave, de acordo com uma análise do Post às estatísticas de segurança.

Pelas montanhas, pelo mar

Os relatórios sobre os acidentes descrevem uma profusão de emergências em que os aviões não tripulados escaparam de tal forma ao controlo que as equipas tiveram de recorrer a medidas extremas para impedir uma catástrofe.

Os registos mostram que em seis situações entre 2006 e 2012, os pilotos conduziram o aparelho intencionalmente para uma montanha depois de os motores começarem a falhar.

Segundo as directivas militares, era considerado mais seguro embater num pico remoto de propósito do que correr o risco de um drone cair algures durante uma tentativa de aterragem.

“Ele desfê-lo em pedaços”, afirmou um supervisor de uma missão da Força Aérea de forma aprovadora, depois de um piloto em dificuldades com uma hélice avariada ter levado o seu Predator contra uma montanha no Leste do Afeganistão a 26 de Outubro de 2012.

Em várias outras ocasiões, os drones simplesmente desapareceram e nunca mais foram encontrados.

O céu nocturno estava limpo, com pouco vento, quando no dia 10 de Julho de 2011 os membros da equipa que tinha estado a pilotar um Predator armado a uma altitude de 16.500 pés sob o Leste do Afeganistão viram os seus monitores ficar pretos. As ligações satélite tinham ido abaixo. Apesar de horas de buscas, ninguém conseguia encontrar o avião no radar. Uma busca aérea também se provou improdutiva.

Os drones grandes estão equipados com transponders que transmitem as suas localizações. Se perderem toda a energia eléctrica, os transponders não funcionam; a maior parte dos modelos não têm sistemas de energia suplentes, de pilhas, devido ao peso extra.

Foi este o destino de um Predator armado que desapareceu 20 minutos depois de descolar da base aérea de Kandahar a 20 de Novembro de 2009. As equipas fizeram buscas durante dois dias mas não encontraram qualquer vestígio e declararam-no perdido.

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O major Rick Wageman a dirigir um Predator MQ-1 em Outubro de 2008 na base de Bagram, no Sul do Afeganistão Sargento Samuel Morse

Cinco semanas depois, soldados procuravam entre os destroços, enterrados no pó a 11 quilómetros da base. Os investigadores declararam que a queda foi causada por uma “falha eléctrica catastrófica” originada por um curto-circuito no cabo do alternador.

Trovoada, ventos altos e gelo podem ser particularmente letais para os drones.

A 12 de Dezembro de 2012, um helicóptero da Marinha não tripulado tentava aterrar no USS Robert G. Bradley, uma fragata com mísseis teleguiados, ao largo da Líbia, quando o rotor traseiro se desfez a 4,5 metros da cabine de pilotagem. Algumas testemunhas viram um pedaço de meio metro de gelo cair da cauda; os investigadores concluíram que a causa se deveu ao gelo atmosférico. Felizmente para a tripulação, o drone, um MQ-8B Fire Scout, caiu no mar no último segundo, falhando por muito pouco o navio.

Elos perdidos

Os drones dependem de ligações sem fios para a navegação e controlo. Pilotos e operadores de câmara enviam ordens ao drone geralmente por satélite.

As ligações podem ser facilmente interrompidas por vários tipos de interferências. Normalmente, as interrupções duram apenas alguns segundos e são inofensivas. Pelo sim, pelo não, os drones estão programados para voar seguindo um padrão circular até que as ligações sejam restabelecidas. No pior dos cenários, é suposto regressarem automaticamente à sua base de lançamento.

Os registos mostram que isso nem sempre acontece. Em mais de um quarto dos acidentes examinados pelo Washington Post, as ligações perderam-se na altura em que o avião se despenhou. Vários pilotos afirmaram aos investigadores que estavam tão habituados a perder as ligações que tendiam a não ficar nervosos a não ser que as interrupções durassem mais que alguns minutos.

“Diria que, depois de um período de três a cinco minutos, se começa a ficar com a sensação de que o avião simplesmente parou de falar connosco e que se calhar poderemos não o recuperar”, testemunhou um piloto de um Predator depois de despenhamento no Afeganistão a 20 de Abril de 2009.

Menos de um mês depois, após uma missão de reconhecimento de cinco horas sob o Afeganistão, um Predator perdeu a ligação e desapareceu no ar. Os investigadores nunca encontraram os destroços e nunca apuraram as causas; o tempo estava límpido e não havia sinais de problemas mecânicos ou erros da tripulação.

As ligações por satélite podem perder-se quando um drone aterra demasiado a pique ou cai em altitude com demasiada velocidade. Problemas eléctricos em terra também podem cortar ligações.

A 21 de Julho de 2008, surgiu o caos na estação de controlo da Força Aérea onde os membros da equipa pilotavam três Predators simultaneamente sob o Afeganistão. A estação perdeu a sua linha de energia e os seus monitores ficaram também vazios.

Depois de vários minutos, a energia foi restabelecida e os pilotos recuperaram o controlo de dois dos Predators que seguiram os seus padrões de voo e começaram a voar em círculos. O terceiro desapareceu.     

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Um Predator MQ-1B P na base Aérea de Balad, no Iraque DR
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