Como é que se faz reset a esta democracia?

António José Seguro continua a ser o melhor amigo de Pedro Passos Coelho.

Apesar dos ocasionais lamentos de circunstância, a maior parte dos políticos olha para este problema com indiferença: “As pessoas podiam ir votar se quisessem. Não foram porque não quiseram. Estão no seu direito. Não votar é uma forma tão aceitável de participar como votar.” É a mesma atitude que tem a direita quando olha para os bairros de lata: “As pessoas vivem neste bairros porque não se esforçam, porque não se preocuparam em estudar e em adquirir as competências que lhes garantam um emprego, porque não se esforçam em encontrar emprego ou em criar o seu próprio emprego, porque não têm ambição.” Trata-se, nos dois casos, do mesmo discurso de exclusão, de justificação da exclusão.

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Apesar dos ocasionais lamentos de circunstância, a maior parte dos políticos olha para este problema com indiferença: “As pessoas podiam ir votar se quisessem. Não foram porque não quiseram. Estão no seu direito. Não votar é uma forma tão aceitável de participar como votar.” É a mesma atitude que tem a direita quando olha para os bairros de lata: “As pessoas vivem neste bairros porque não se esforçam, porque não se preocuparam em estudar e em adquirir as competências que lhes garantam um emprego, porque não se esforçam em encontrar emprego ou em criar o seu próprio emprego, porque não têm ambição.” Trata-se, nos dois casos, do mesmo discurso de exclusão, de justificação da exclusão.

Só que a democracia é o governo do povo. Do povo todo, não apenas dos que votam. E os abstencionistas não abdicam da sua soberania. Escolhem não a exercer neste momento, ou não a exercer desta forma ou são impelidos de alguma forma a não a exercer. E esta soberania por usar é um golpe no flanco da democracia por onde a sua vida se esvai.

Os abstencionistas ou escolhem ficar de fora da democracia, ou escolhem ficar de fora desta democracia, ou são empurrados para ficar de fora desta democracia. Qualquer uma das hipóteses representa uma bomba-relógio no coração da democracia.

Uma das justificações benignas da abstenção é que ela representa “um voto de protesto” contra o sistema, contra os partidos, contra a União Europeia. É uma explicação benigna, porque pressupõe que os abstencionistas se estão a exprimir e que o seu protesto tem consequência. Simula que também eles participam. Só que um protesto que não tem voz não é um protesto, porque nem sequer conseguimos saber contra o que se manifesta.

Esta abstenção é apenas distanciamento, alheamento em relação a esta forma de fazer política e de se fazer ouvir – ainda que não seja indiferença. Este alheamento da democracia por parte da maioria esmagadora do povo não é um pormenor, porque não há democracia sem o povo. A democracia não é uma formalidade. A realização de eleições não chega para definir uma democracia. Uma democracia em que a maior parte do povo não participa nas escolhas não é uma democracia e não há peneira que consiga tapar esta evidência.

Muita desta abstenção vem de pessoas que já foram há muito excluídas do sistema e que não têm razões para confiar na democracia. Pessoas desempregadas, desmotivadas, desesperadas, pobres, abandonadas, sem voz. Ou de pessoas que, simplesmente, não acreditam que seja possível escolher outra coisa, que é outra forma de descrer da democracia.

Não há nenhum projecto mais urgente para a democracia do que recuperar para o exercício da sua soberania as pessoas que não fazem ouvir a sua voz.

2. O PSD-CDS perdeu as eleições, mas não perdeu como merecia. Nem como se esperaria de um governo empenhado no aumento da pobreza, na destruição do Estado social, na pilhagem do património do Estado, na submissão ao capital financeiro e na traição de todas as suas promessas e deveres. A sua suave derrota faz pensar. O que seria preciso para que os portugueses castigassem duramente um governo vende-pátrias?

3. A suave derrota do PSD-CDS é a grande derrota do PS. Se num contexto como o actual o PS não consegue melhor, é porque... não consegue melhor. Isto é o máximo que Seguro consegue, numa descida íngreme, com os apparatchiki a empurrar e com o prego a fundo. Não chega. Seguro continua a ser o melhor amigo de Passos Coelho.

4. A CDU teve uma vitória retumbante que não a levará a lado nenhum. A CDU fez uma boa campanha, discutiu Portugal e a Europa, conseguiu o máximo a que podia aspirar, ajudou a esvaziar o Bloco de Esquerda e está no seu labirinto, sem ninguém com quem falar. Resta-lhe esperar continuar a crescer até chegar um dia aos 40%. A história está do seu lado, diz. Nos seus sonhos mais ousados, onde pensará Jerónimo de Sousa que o PCP poderá estar daqui a dez anos?

4. Marinho e Pinto fez um discurso centrado na ausência de ideologia, no combate à corrupção e ao compadrio dos partidos e ganhou. Se alguma bandeira pareceu mobilizar os leitores nestas eleições, foi esta. Note-se.

5. O Bloco de Esquerda terá percebido que regressar à pureza ideológica da UDP não é a melhor estratégia?

6. O Livre provou que há espaço vazio à esquerda à espera de ser ocupado. Com meia dúzia de semanas de vida, o seu resultado, mesmo sem ter eleito nenhum deputado, é notável.

jvmalheiros@gmail.com