1973-1993-2013: Três olhares no feminino para quatro décadas de um país

Ana tinha 20 anos em 1973, Mónica nasceu nesse ano e Frederica fez 20 anos em 2013. Por elas passaram as enormes transformações sociais dos últimos 40 anos em Portugal.

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Estudantes sobem as escadarias da AR num protesto contra as propinas em 1993 Daniel Rocha
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Alfredo Cunha
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A saúde é um dos sectores onde se registou uma evolução mais significativa nas últimas décadas DR
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Michael Jackson no concerto que deu em Alvalade em 1993: os consumos culturais reflectiram uma maior abertura da sociedade Luísa Ferreira
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Joaquim Agostinho, um herói desportivo do antes e do pós-25 de Abril DR

Pelos olhos e pelas vidas de Ana, que tinha 20 anos em 1973, de Mónica, que nasceu nesse ano antes da revolução e de Frederica, que fez 20 anos em 2013, passaram as enormes transformações sociais das últimas quatro décadas, que abordamos neste segundo trabalho da série 1973-1993-2013. Os números dão-nos a dimensão da evolução, os relatos da forma como a sociedade se foi transformando. Enquanto os indicadores de saúde e de educação davam corpo a um enorme desejo de progresso e de desenvolvimento, a população envelheceu, a família mudou. Hoje, na recta final do ano, as três protagonistas desta história de quatro décadas partilham um ponto de interrogação sobre os capítulos seguintes das suas vidas.

1973
Em 1973, o ano em que Mónica nasceu, Portugal tinha a população mais jovem da Europa. O índice de fecundidade era dos mais altos, com uma média de três filhos por mulher.  Nasciam duas vezes mais crianças do que hoje. Mas a mortalidade infantil era a mais elevada da Europa, com 80 óbitos no primeiro ano de vida por cada mil crianças.

Em cada 100 casamentos, só um acabava em divórcio (hoje há quase 70 divórcios por 100 casamentos). Do total da população empregada, só 39% eram mulheres. O Estado social não era significativo nem universal. O número de emigrantes ultrapassava largamente o de imigrantes. Uma diferença de 1,5 milhões de pessoas entre 1964 e 1973, o que levou ao despovoamento de muitas regiões do interior, à falta de mão-de-obra nos campos, ao abandono das terras e das aldeias.

O país estava em guerra desde 1961. Milhares de jovens que nunca tinham visto o mar nem a cidade partiam para o Ultramar. O turismo desenvolveu-se, a economia crescia a bom ritmo (uma taxa anual de 6,5% entre 1960 e 1974. O PIB nunca mais cresceria assim). Praticamente não havia desemprego. Mas menos de metade das habitações portuguesas tinha água canalizada e só em cerca de 60% havia electricidade e saneamento básico.

Na infância, o pai de Mónica Ferreira ia descalço para a escola. Era filho de um sapateiro e de uma doméstica muito pobres, de Carregal do Sal. Foi trabalhar muito jovem, mas, mais tarde, estudou Economia à noite, no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Era contra o regime, mas foi subindo a pulso na vida. Quando chegou o 25 de Abril era gerente de um banco no Barreiro.

Na mentalidade, a evolução foi mais lenta. Considerava que as mulheres não deviam estudar nem trabalhar. Apaixonou-se por uma aluna sua, de Matemática, que casou com ele aos 18 anos e nunca mais estudou nem trabalhou. Mas aconteceu que o primeiro filho, nascido em 1973, era uma menina, Mónica, que viria a ter duas irmãs.

Em 1973, mais de 35% dos portugueses eram analfabetos. Dos outros, a maioria ficara-se pelo 1.º ciclo do ensino – a escola primária. O ideal, em termos de cultura, era “saber ler, escrever e contar”, tal como fora definido por Salazar. A maioria da população trabalhava no sector primário – agricultura e pescas.

Ana Tomásio fez 20 anos em 1973. Era operária numa fábrica de confecções na Gafanha da Nazaré, na região de Aveiro, juntamente com outras 50 mulheres. Era um trabalho duro, mal pago, mas ela não tinha a noção disso, porque nunca tinha visto melhor. Só pior.

Andou na escola, mas não gostava. Convenceu a mãe a deixá-la sair, para ir trabalhar. Aos 12 anos mandaram-na para a seca do bacalhau.

A mãe de Ana era analfabeta. O pai estudou na Casa Pia e encontrou emprego na Sacor, em Lisboa. Foi lá que Ana nasceu, em 1953, e viveu até aos 6 anos. Tem recordações felizes dessa época. A mãe arranjava-se e ia com os filhos ao Jardim Zoológico, ou aos parques. O pai levava-os ao circo. Ana tinha dois irmãos mais velhos: um rapaz e uma menina com síndrome de Down.

Quando o pai veio trabalhar na fábrica que a Sacor abriu em Aveiro, em 1959, foi um choque para as crianças. Na escola da Gafanha, os colegas chamavam-lhes nomes por eles virem de Lisboa, armados em finos. Para se sentirem integrados, Ana e o irmão descalçavam-se ao chegar à escola. Para não serem as únicas crianças calçadas na sala de aula. “Nós queríamos ter amigos”, recorda Ana.

Mostra uma fotografia dos três irmãos, ela com 11 anos, o irmão com 15 e a irmã com 17 e sem nada que lhe denunciasse a doença, excepto a estatura, muito mais baixa do que a dos irmãos.

“As pessoas estranhavam a forma como a tratávamos”, recorda Ana. “Nas outras famílias, se havia uma criança mongolóide, ou doente mental, punham-na a viver com os animais, no curral. A Vininha era tratada como nós. Tinha o quartinho dela. A minha mãe vestia-a com roupa igual, com um lacinho na cabeça. Dava-lhe banho, como aos outros filhos. Comia à mesa connosco, dormia comigo. As pessoas admiravam-se”.

Etelvina nunca foi à escola. Levaram-na a uma consulta no Júlio de Matos e os médicos disseram que teria de ficar internada para sempre. Era aconselhável, explicaram, retirarem-na do convívio dos irmãos, porque mais tarde iria tornar-se violenta.

A mãe recusou. Manteve-a em casa até ao fim, aos 39 anos. “Ela era uma criança”, recorda Ana. “Nunca se tornou violenta. Era muito carinhosa com todos. No Natal, tinha os seus presentes. Um carrinho ou uma harmónica, como gostava. Em toda a sua vida, as únicas horas que esteve sozinha, sem ninguém da família ao pé, foi no hospital de Coimbra, antes de morrer”.

Os pais de Ana eram severos na educação dos filhos. O pai reconhecia a importância do estudo. Dizia frequentemente que, se não fosse a Casa Pia, teria acabado na rua, como vagabundo. E a mãe, se mandou Ana, aos 12 anos, para a seca do bacalhau, foi na tentativa de que a dureza do trabalho a convencesse a voltar à escola.

Não convenceu. Ana andou um ano a recolher o bacalhau dos porões dos barcos, com as mãos cheias de feridas infectadas pelas picadas das espinhas do peixe. Aos 14 anos, encontrou emprego num alfaiate, como aprendiz. A costura seria a sua profissão. Transitou para outro alfaiate, depois para a fábrica de confecções.

Uma vez, em 1973, encorajou as colegas a fazerem “greve”. O patrão exigia, sob ameaça de despedimento, que as operárias que trabalhavam na secção de calças de ganga produzissem com a mesma rapidez quando passaram a trabalhar com linhas de várias cores. Elas diziam que era impossível, e um dia, à hora de almoço, montaram nas suas bicicletas e consideraram a hipótese de não ir trabalhar à tarde. Ana, que trabalhava na secção de impermeáveis, incitou-as da janela: “Façam greve! Vão para casa!” E elas foram.

Quando Ana contou o incidente ao pai, ele, que era militante clandestino do Partido Comunista, entrou em pânico. A família poderia estar em perigo. No dia seguinte a PIDE esteve na fábrica, mas concluiu que a acção não tivera motivação política. Tudo voltou ao normal. E assim continuou, mesmo quando rebentou a revolução.

“É só em Lisboa. Aqui não se passa nada”, foi o que se comentou na fábrica. O pai observara na véspera movimentações num quartel e disse à mulher: “Vai haver borrada”. Ela respondeu: “Andas a ver muitos filmes”.

Nos dias seguintes ao 25 de Abril o cochicho que corria na fábrica era: “Quem tem dinheiro no banco vai ficar sem ele”.

No dia 26 de Abril, o pai reuniu os filhos para lhes explicar o significado da revolução. Naquela noite não se deitou, a ver na televisão a libertação dos presos políticos. Perguntou aos filhos: se tiverem de escolher um partido, qual seria? O irmão de Ana optou pelo PS. Ela decidiu ser comunista. Pouco depois foi escolhida como delegada sindical da fábrica, “porque era a mais refilona”. Recorda: “O patrão era boa pessoa, coitado. Conhecia-me desde criança. Dizia-me: ‘Raios partam a mulher que é mesmo comunista’”.

Em 1971, Ana conheceu, na fábrica, um empregado de armazém três anos mais velho, e começou a namorar com ele, antes de ele ir para a tropa. Quando regressou, em 1975, casaram, e ainda estão juntos. Foi o único amor de Ana, e não foi amor.

Mas achou que casar era uma obrigação. A mãe assim a orientou. Uma mulher só deveria ter um homem. “Na minha juventude, nunca fui a um baile, nunca saí com amigos. Sofri muito, por causa da educação que tive. Naquela época, já havia raparigas que se divertiam, mas era mal visto. Eu própria achava mal”.

A mãe de Ana fugiu aos 9 anos de casa, numa aldeia da Bairrada. Foi para Lisboa servir numa família. Tinha horror aos homens, só teve um, com quem casou. Era muito ciosa dos seus princípios de mulher séria. A mãe dela, tal como as tias, era prostituta. Teve nove filhos, de pais diferentes.

Ana foi educada nesse horror de cair na devassidão moral, incutido pela mãe, ou na miséria, pelo pai. O sentimento de rebeldia para com eles levou-a a abandonar a escola, mas não os conselhos para casar com um homem que não amava. Só mais tarde ousaria ser teimosa e não seguir a recomendação da mãe, quando ela lhe disse para se separar do marido.

Desde 1974 até hoje, as mudanças na sociedade portuguesa foram incomparavelmente mais rápidas do que em qualquer outro país europeu. “Mas o ponto de partida foi muito baixo”, explicou ao PÚBLICO Maria João Valente Rosa, directora da PORDATA, a base de dados sobre o Portugal contemporâneo da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Em 1973, os índices sociais portugueses registavam um atraso imenso em relação aos outros países da Europa ocidental. O caminho feito até hoje foi impressionante, mas os objectivos atingidos são ainda insatisfatórios, porque se partiu com muito atraso.

Em 1973, a esperança de vida à nascença em Portugal era oito anos mais baixa do que a da Suécia. Em França havia ensino obrigatório desde o século XVI, ainda que não universal. Mas no século XIX já só 10% da população era analfabeta. No campo da educação, Portugal era o país mais atrasado da Europa em 1973, e ainda é, da União Europeia a 27, apesar de todos os progressos.

Na área da Saúde, a evolução foi mais significativa, fazendo diminuir a mortalidade infantil para uma das taxas mais baixas do mundo. O Estado social foi construído quase a partir do zero, quando na Europa foi lançado logo a seguir à Segunda Guerra Mundial, e estava praticamente completo e estabilizado.

Noutras áreas, Portugal ultrapassou mesmo, de forma surpreendente, os níveis europeus. É o caso do número de divórcios, dos filhos fora do casamento, da baixa fecundidade, da percentagem de mulheres no ensino superior. “Havia uma grande tensão de mudança antes do 25 de Abril”, é a explicação de Maria João Rosa. “Estávamos ávidos de desenvolvimento, de progresso”.

1993
Frederica nasceu em 1993, numa altura em que o Índice Sintético de Fecundidade (ISF) já era inferior a 2,1. Ou seja, o número de nascimentos já não era suficiente para estabilizar a população. Ter filhos passou a significar um outro tipo de projecto – já não o de garantir mais mãos para trabalhar no seio da família, mas “um projecto de vida, o mais bem-sucedido possível. Ter filhos ganha um valor emocional”, explica Maria João Rosa. “O projecto profissional compete agora com o de ter filhos”. Esta alteração de atitude alia-se à melhoria e maior disseminação dos métodos contraceptivos, à descida da taxa de mortalidade infantil (antes os casais sabiam que tinham de ter mais filhos, porque nem todos sobreviviam), o aumento de escolaridade das mulheres e respectivas expectativas profissionais, a urbanização e terciarização da sociedade, para fazer reduzir o número de nascimentos.

As famílias tornaram-se mais pequenas, aumentou o número de agregados familiares de apenas duas pessoas, (geralmente uma mulher e uma criança) e de uma só pessoa (muitas vezes um idoso).

De 1974 a 1998, o PIB cresceu a um ritmo muito mais lento (3,3% ao ano) do que no período anterior. Mas as despesas com as funções sociais do Estado aumentaram de forma colossal. A agricultura e pescas deixaram de empregar a maioria da população activa. Mas a indústria quase não chegou a concentrar a maioria da população activa. A partir dos anos 90, o sector terciário passou a ser dominante.

No ano de 1993 o salto migratório passou a ser positivo (chegaram mais 640 mil pessoas do que partiram, de 1993 a 2008). O Sistema Nacional de Saúde foi criado em 1979, a Lei de Bases da Segurança Social em 1984. A assistência na doença e na velhice passa a ser universal. Em 1986 Portugal adere à CEE, a livre circulação de pessoas torna-se realidade. Em 1993 começa o uso da Internet, em 1995 entra em vigor o espaço Shengen, em 2002 é adoptado o euro.

Os fundos europeus ajudam a desenvolver as infra-estruturas, como o sistema rodoviário, 1992 regista o mais alto pico de acidentes de viação em Portugal. O número de idosos aumenta em relação ao dos jovens. As indústrias tradicionais portuguesas, como o têxtil ou do vidro, sofreram com a globalização da economia.

Em 1986 o ensino obrigatório passou a ser de nove anos. Nos anos 90 aumentou o número de universidades privadas, as mulheres passaram a ser a maioria no ensino superior. O ensino secundário massificou-se, o que fez descer a qualidade. O número de espectadores de teatro diminuiu, o do cinema aumentou, com a modernização das salas e o cinema nos centros comerciais, que passaram a ser os focos do consumo e do convívio.

O avô de Frederica Lopes tinha emigrado para o Canadá. Começou por trabalhar num supermercado, que mais tarde comprou. Expandiu o negócio, com um talho e uma charcutaria. Quando regressou, em 1976, abriu em Portugal o mesmo tipo de negócios, que foi fazendo crescer, até ter dois talhos, uma frutaria e quatro restaurantes na Costa da Caparica.

O pai de Frederica chegou a Portugal aos 6 anos. Na adolescência começou a trabalhar no negócio da família, tal como os irmãos. Casou e teve duas filhas. Quando chegasse a altura de entrarem para a universidade, os pais não fariam qualquer pressão na escolha dos cursos, ao contrário do que sucedeu com Mónica.

Esta praticava ballet desde os 3 anos. Aos 11, o pai teve uma conversa com ela, sobre a falta de perspectivas profissionais de uma carreira de bailarina. Deixou de pagar as aulas, que a mãe continuou a sustentar, às escondidas.

Quando chegou ao fim do secundário, Mónica queria ser bailarina. O pai chamou-a à cozinha e mostrou-lhe um dossiê que tinha preparado. Uma bailarina teria de fazer carreira no estrangeiro; a carreira era curta; ainda mais curta se houvesse uma lesão. “Um dia eu e a tua mãe faltamos-te, e o que será de ti?”, foi a conclusão.

Mónica ainda teve a esperança de seguir História, mas não: teria de estudar Economia ou Gestão, como o pai. Ele que sempre achou que as mulheres deviam ficar em casa.

O compromisso possível foi matricular-se em Publicidade e Marketing. Quando terminou, empregou-se no departamento de marketing de uma nova empresa jornalística – o PÚBLICO.

O pai e a tia convocaram-na para uma reunião, onde lhe ensinaram as regras para uma vida profissional bem sucedida: não há horários de saída. O trabalho não fica para o dia seguinte. Há coisas para fazer, fazem-se.

O pai, que antes do 25 de Abril escondia livros proibidos por trás da estante da sala, adoptava e ensinava agora à família os valores liberais.

Mónica foi depois convidada para outras empresas, cresceu na carreira. Trabalhar com a Comunicação Social abriu-lhe horizontes, representou, para ela, um compromisso pessoal entre o universo da Gestão, imposto pelo pai, e o mundo das Artes e Humanidades com que sempre sonhara.

Foi nessa altura que rompeu com o namorado que mantinha desde o liceu, que conhecia desde os 10 anos. Apaixonou-se por um homem mais velho, divorciado, já com um filho. Contou aos pais que ia cortar com o destino que lhe tinha sido traçado, o casamento que eles esperavam e aprovavam. Inesperadamente, eles reagiram bem à revelação feita durante um certo fim-de-semana. Na segunda-feira, Mónica mudou-se para a casa do seu novo amor.

Na mesma altura, Ana, já com dois filhos, ficou doente, com um cancro no útero. Era muito grave, mas foi operada, e recuperou. Todo o tratamento foi gratuito, em hospitais públicos, e a patroa da fábrica de confecções foi muito compreensiva. “Até me acompanhava aos tratamentos”, recorda Ana. O mesmo não aconteceu com o marido, e Ana nunca esqueceu isso. Mas não se separou. Faltou-lhe a coragem. “Não consigo imaginar que fica sozinho, ele acabaria sem-abrigo”, pensa ela. O mesmo pavor do abandono, da queda na miséria. E o conflito entre a vontade de viver e o sentido de obrigação. “Não sei se alguma vez conseguirei resolver isto”.

Ao mesmo tempo, não quer dividir a casa, que comprou com o dinheiro que os pais lhe deixaram, quando morreram. “Gostava de viajar, de passar o Natal em Nova Iorque, a Páscoa em Paris”. Mas não vai a lado nenhum há muito tempo. Nem aceita convites de amigos para um jantar, ou um passeio, porque não tem vontade de ir com o marido, nem o quer deixar sozinho. “É uma vida vazia”.

2013
Ana tem 60 anos, está desempregada e recebe subsídio de desemprego. Mónica, com 40 anos, abriu, com o marido, a sua própria agência de publicidade. Frederica, aos 20 anos, está a estudar Publicidade e Marketing.

Portugal é o país mais envelhecido da Europa. No ano 2000, o número de idosos ultrapassou o de jovens. Há cerca de 1,5 cidadãos activos por cada pensionista. O número de pensionistas da Segurança Social ultrapassa os 3 milhões. Em 1973 não chegava aos 200 mil. Quase 55% das famílias unipessoais são constituídas por um idoso. O saldo migratório voltou a inverter-se: são mais os que emigram do que os imigrantes.

Os casamentos não-católicos ultrapassaram os católicos, em número. Os casamentos entre pessoas do mesmo sexo são permitidos desde 2010. O número de filhos nascidos fora do casamento é de 43% (na Grécia é de 7%, na Itália 23%).

Portugal é o país da UE onde há mais idosos a trabalhar, e onde há menos mulheres trabalhando a tempo parcial, o que pode estar relacionado com a taxa de fecundidade. O tempo parcial não é viável em Portugal, explica Maria João Rosa, porque a hora de trabalho é pouco valorizada. E isso acontece porque o trabalho é pouco produtivo, logo mal pago. Uma hora de trabalho em Portugal vale 65% da média na UE. E é pouco produtivo porque a mão-de-obra é pouco especializada, com fracas habilitações.

A aposta do país no desenvolvimento científico e no ensino foi enorme, mas insuficiente. Hoje (os dados disponíveis são de 2012) a percentagem de trabalhadores por conta de outrem que não tem sequer o ensino secundário é de 56%. Na UE a 27 a média é de 20%. Entre os trabalhadores por conta própria, a percentagem que não tem o secundário em Portugal é de 77%.

Portugal é um dos países da UE com maior diferença entre ricos e pobres. Os 20% mais ricos recebem seis vezes mais do que os 20% mais pobres. Se não houvesse transferências sociais, 43% dos portugueses seriam pobres.

Na última década, a economia tem-se baseado nas obras públicas, e numa mão-de-obra pouco especializada. Isso desincentiva os jovens de estudar. O abandono escolar é dos mais elevados da Europa. No entanto, os números mostram que a probabilidade de encontrar emprego e boa remuneração aumenta com o grau de escolaridade.

O crédito fácil substituiu o Estado social, quando o sistema começou a falhar, por exemplo na área da habitação. Mas o endividamento atingiu níveis descontrolados, os credores exigiram taxas de juro mais elevadas, e o país teve de pedir ajuda externa.

A vida de Mónica mudou com o nascimento do primeiro filho. Não parou de trabalhar (numa multinacional) e estudar durante a gravidez. Na véspera ainda foi fazer um exame de Estatística, no mestrado. Estava decidida a não prejudicar a carreira. Tinha até pensado não amamentar, para não ter de interromper reuniões, e por uma questão de imagem.

Mas o parto foi problemático. O bebé nasceu prematuro, alimentado por uma sonda, esteve em risco de vida. Nas três horas de recuperação pós-cesariana, Mónica decidiu deixar a empresa, amamentar durante mais de um ano.

Hoje, os dois filhos frequentam um colégio privado, o que custa 600 euros por mês por cada um. Com a crise, a agência vacila, já foi necessário despedir pessoas. Mas Mónica decidiu não fechar o negócio, porque acha que, com 40 anos, já não encontrará emprego. Optou por reduzir o número de dias que a empregada doméstica vem tratar da vivenda.

Frederica está a pensar trabalhar na empresa da família. Já propôs ao avô uma remodelação do marketing dos restaurantes, mas ele tem dificuldades em aceitar sugestões de uma rapariga. Frederica gosta de sair à noite, mas nunca leu um livro até ao fim. Planeia casar e ter pelo menos três filhos. Tem um namorado, da sua idade, que já tem um filho. Contou isso à família e, ao contrário do que ela esperava, ninguém se opôs à relação.

Ana completou o 9.ºano através das Novas Oportunidades, e gosta de ler. Principalmente os livros de Alan Kardek, o teórico espírita. Abraçou essa filosofia e vai a sessões todas as semanas. “O corpo é só um invólucro”, explica ela. “O espírito liberta-se, vai para outra dimensão”. Nunca tentou resolver os seus problemas através das sessões de espiritismo. Acha que só nós somos responsáveis pelo que nos acontece.

Tem uma técnica para ler livros: vê primeiro quem são as personagens de que gosta. Depois vai ao fim ver o que lhes acontece. Se acabam mal, não lê o livro.

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