Memória e intervenção: a propósito dos 150 anos da Associação dos Arqueólogos Portugueses (1863-2013)

A Arqueologia em Portugal mostra a sua potencial contribuição para o desenvolvimento sustentável do país, na actual conjuntura.

Fundada em 22 de Novembro de 1863, por Possidónio da Silva, ao longo deste século e meio de existência, a Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) foi evoluindo, de forma a corresponder às mudanças ocorridas neste período de grandes transformações económicas, sociais e políticas.

Em meados do século XIX, numa altura em que o património histórico, artístico e arqueológico do país se encontrava num desolador estado de abandono, após décadas de instabilidade, provocada pela Guerra Peninsular e pela Guerra Civil que se seguiu, esta associação cedo se transformou na primeira associação de defesa do património do país, conseguindo obter o apoio da Casa Real e das personalidades mais destacadas do regime liberal para a salvaguarda do património cultural em risco, num altura em que o Estado não dispunha ainda de nenhuma estrutura capaz de o acautelar.

Na sua fase inicial, uma das mais importantes contribuições da AAP para a causa pública foi a elaboração das primeiras listas de edifícios a proteger e a classificar como Monumentos Nacionais, e o salvamento de importantes obras de arte em risco de destruição, constituindo com elas o que é hoje o mais antigo museu de História de Arte e Arqueologia do país, instalado num monumento de elevado valor histórico, artístico e simbólico, as ruínas da antiga Igreja do Carmo, que resgatou de uma utilização indigna, como estrumeira da então Guarda Municipal.

Com o advento da I República, a AAP perdeu, é certo, o título de “Real” que lhe havia sido concedido pelo Rei D. Luiz, mas ganhou prestígio suficiente para congregar um grupo de arquitectos, arqueólogos, historiadores de arte e outros cidadãos ilustres como Rosendo Carvalheira, José Pessanha, Adães Bermudes, Gustavo de Matos Sequeira, José Queiroz e dezenas de outros, espalhados pelo país, através dos quais foi definida e posta em prática pela República uma política coerente de defesa e valorização do património da nação, através das Comissões dos Monumentos.

O golpe militar do 28 de Maio de 1926, a criação da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 1929, e a instauração do Estado Novo, em 1933, afastaram a AAP do processo decisório referente à gestão dos monumentos do país, que passou a ser efectuada pela DGEMN, e remeteram-na para funções de investigação e de consultoria arqueológica e histórica e de comemoração de efemérides passadas.

Com a chamada “Primavera Marcelista”, a AAP começou a despertar para uma nova vida, depois de um longo período de letargia, sob a dinâmica introduzida pelo prof. Fernando de Almeida, abrindo as portas da AAP às novas gerações de arqueólogos.

A revolução do 25 de Abril e a restauração do regime democrático trouxe de novo a AAP para o centro da actividade arqueológica, tornando-a num local de debate dos problemas do sector, e de apresentação dos resultados das investigações arqueológicas que começaram a proliferar por todo o país, em jornadas, colóquios e em sessões normais de trabalho das suas secções especializadas, sendo publicados com regularidade.

A liderança da luta pela defesa do complexo de Arte Rupestre do Côa, em 1994, reforçou o seu antigo prestígio e espírito de militância, que utilizou, logo no ano seguinte, em defesa da sua própria sede, o edifício histórico do Carmo, ameaçado pela construção de novas linhas do Metropolitano de Lisboa. Conseguiu-se assim, com o apoio da imprensa e da opinião pública, que fossem tomadas pelas entidades responsáveis todas as medidas necessárias à preservação e consolidação daquele monumento nacional, e à remontagem do museu nele instalado desde 1864.

Nas últimas duas décadas, a AAP tem prosseguido com firmeza e independência a sua missão de promotora da investigação arqueológica e da defesa, valorização e divulgação do património do país, através do diálogo com as entidades oficiais responsáveis pela sua gestão, da organização de reuniões científicas para apresentação dos resultados de investigações em curso, da realização de uma série de actividades destinadas a vários tipos de públicos, e da dinamização do Museu Arqueológico do Carmo (MAC), completamente renovado e reaberto ao público em 2001.

O vasto programa de comemorações que se desenvolveu ao longo de todo o ano de 2013 inclui a exposição Memória e Intervenção – 150 Anos da Associação dos Arqueólogos Portugueses, que estará patente na Biblioteca Nacional de Portugal, Campo Grande, Lisboa, até 31 de Janeiro de 2014, e na qual se procura apresentar a forma como esta associação e o seu museu foram evoluindo ao longo de século e meio de intervenção na sociedade, e o modo como encara a sua acção no futuro.

Uma das actividades mais importantes integradas nas comemorações foi, porém, o I Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, sem dúvida a maior reunião científica até agora realizada em Portugal no domínio da Arqueologia: foram apresentadas cerca de 150 comunicações e posters, da autoria de 260 arqueólogos de todo o país, abordando uma enorme diversidade de temas, demonstrando a vitalidade da Arqueologia em Portugal, a capacidade de mobilização da AAP, a relevância desta actividade científica e cultural, o seu elevado valor identitário e económico, e a sua potencial contribuição para o desenvolvimento sustentável do país, na actual conjuntura.

Presidente da direcção da Associação dos Arqueólogos Portugueses

 
 
 
 
 

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