História do teleférico da Penha é a de um país "caloiro" na Europa

Equipamento de Guimarães foi o primeiro do género em Portugal e foi comprado a uma empresa francesa por mais 400 mil euros do que o previsto. Episódio é resgatado num livro sobre a obra que é lançado nesta sexta-feira.

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O teleférico da Penha abriu ao público em 1995 Nelson Garrido/Arquivo

Este era um projecto “improvável” e demorou mais de um século a concretizar. Mas o teleférico de Guimarães foi mesmo o primeiro equipamento do género construído em Portugal, já lá vão 18 anos. A história da empreitada, muitas vezes rocambolesca, foi reunida num livro que resgata muitos desses episódios. Um desses não soa estranho ao resto do país: o material foi facturado por uma empresa francesa por um preço muito superior ao seu valor real. Esta é também a história de um povo a conhecer a Europa.

“Enquanto país que precisava de se desenvolver, Portugal foi alvo de muitas situações em que houve sobrefacturação de muitos fornecimentos”, avalia o sociólogo Esser Jorge, que escreveu esta “biografia” do primeiro teleférico português, cujo lançamento acontece nesta sexta-feira. Foi isso que se passou no caso de Guimarães: o autor resgatou um documento confidencial que mostra uma diferença de 400 mil euros entre o valor facturado pela empresa que forneceu o material e o seguro feito, três dias depois, pelo mesmo equipamento.

A responsabilidade foi da Pomagalsky, uma firma francesa, que forneceu o equipamento por 2,3 milhões de euros. Como era parceira no empreendimento, a empresa foi também a responsável pelo seguro, de valor inferior. A explicação para a diferença estava no número de consultores da Turipenha (a cooperativa promotora da obra, participada pela Câmara de Guimarães e parceiros privados), que eram simultaneamente consultores da empresa francesa. “Havia uma promiscuidade completa”, relata o autor.

À data, ninguém deu pela diferença, mas os administradores da Turipenha perceberam anos depois que havia “vários intermediários ocultados na cadeia de fornecimento do teleférico da Penha”. O processo terminou numa reunião “de faca e alguidar” em que algumas dessas pessoas foram afastadas, mas os números nunca foram corrigidos. A Turipenha pagou mesmo cerca de cinco milhões de euros pelo conjunto da obra, o que representava cerca de 10% do orçamento municipal de então.

Esta é apenas uma das histórias resgatadas nesta obra, onde também se recorda que, quando o primeiro carregamento de material do teleférico chegou a Guimarães, nenhum dos responsáveis estava ciente de que tinha que liquidar o valor do IVA junto do transitário. “Ninguém tinha dinheiro para pagar aquele IVA todo”, conta Esser Jorge. “Este é um país que começa a abrir-se à Europa e às novas regras do mercado e que tem dificuldades em perceber como funcionam as coisas”, explica

Teleférico da Penha – Imaginário e Realidade é apresentado nesta sexta-feira, às 18h, na Sociedade Martins Sarmento. A obra conta a história da ideia de uma ligação entre Guimarães e a montanha da Penha que é centenária. A referência escrita mais antiga data de 1886 e durante todo o século XX esta continua a ser uma ideia alimentada pelos vimaranenses. O modelo da ligação foi mudando, tendo sido sugeridas as opções por um funicular, eléctrico, elevador e, finalmente, teleférico. Mas a ideia nunca foi abandonada pelos vimaranenses e, durante décadas, a ligação entre a cidade e a Penha era um tema recorrente, por exemplo, do Pregão das Festas Nicolinas.

“Havia uma inscrição muito forte desta ideia nas pessoas de Guimarães”, comenta Esser Jorge. O que justifica que descreva a visita do então presdiente da câmara, Antonio Xavier (PSD), e do vice-presidente, Manuel Ferreira (PS), a Grenoble, em 1979, como um momento de revelação. “Estão lá os dois e olham para o Teleférico de La Bastille e dizem um para o outro: 'Era isto que devíamos ter'”. Mesmo com muitos solavancos, em 1995 entrou em funcionamento o primeiro teleférico português.
 
 
 

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