Esqueçam os Portishead, vem aí a orquestra de Adrian Utley

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O guitarrista resolveu recriar uma das peças históricas do minimalismo (In C de Terry Riley), fazendo-se acompanhar por um ensemble. A apresentação é 4ª feira em Lisboa. Ele prevê que tudo pode acontecer.

Nos Portishead ele é talvez o mais discreto. Beth Gibbons é a cantora e Geoff Barrow o homem que veio do hip-hop e da cultura da reciclagem. E no entanto Adrian Utley está longe de ser apenas o guitarrista do grupo. Os ângulos mais inusitados, os ruídos experimentais e as inspirações mais singulares por norma surgem por via dele. É ele o homem das ideias mais difíceis de encaixar.

Geoff é quem no grupo está mais atento à actualidade. Adrian é quem mais sabe sobre história da música. Sobre todas as músicas. Não espanta totalmente que o seu mais recente projecto seja uma abordagem a In C, a peça mais emblemática do compositor americano Terry Riley e uma das obras mais importantes da história da música minimalista. A obra, escrita em 1964, consiste em 53 breves frases musicais que podem ser repetidas as vezes que os seus intérpretes desejarem. Este facto contribui para que o resultado seja variável segundo o colectivo que a execute.

Em Setembro foi lançado na editora de Geoff Barrow – a Invada – o álbum In C, com Adrian Utley à frente de uma orquestra de guitarras. Entre os 19 guitarristas que participaram na gravação ao vivo estavam nomes como John Parrish, habitual colaborador de PJ Harvey, ou Jim Barr, que toca em concertos com os Portishead. Para além das guitarras, a formação incluía também quatro órgãos e um clarinete. “É uma composição incrível e original, porque se trata de improvisar a partir de frases musicais restritas”, diz-nos Adrian a partir de Bristol, cidade onde reside. “É uma colecção de acordes de pautas de repetição de duração incerta, que parece não ter início ou fim. É uma peça a que gosto de colocar algumas limitações, ao nível da tonalidade. Não desejo distorções e guitarras muito altas, mas apenas isso. Sempre gostei de explorar as possibilidades sónicas das guitarras nos contextos mais distintos, desde o ruído à música coral sacra de Arvo Part.”

A gravação ocorreu no início do ano no St. Georges Hall de Bristol. E 4ª feira vai ser apresentada no teatro Maria Matos em Lisboa, com uma formação, entre ingleses e portugueses, de treze guitarristas (Adrian Utley, André Gonçalves, Alex Hogg, Charlie Romijn, Deej Dhariwal, Denny Llett, Filipe Felizardo, Jeff Spencer, João Paulo Feliciano, Neil Smith, Peixe, Riccardo Dillon Wanke e Stig Manley). Para além destes haverá ainda Charles Hazlewood e Tiago Sousa (no órgão) e Ross Hughes (no órgão e clarinete baixo). “Vamos ver o que vai acontecer, porque é sempre distinto”, prevê. “Por mais que as coisas estejam delineadas é sempre diferente. Pode sair mais melódico ou agressivo. Nunca se sabe o que pode acontecer até começarmos a tocar. Por norma quando apresentamos a peça, ensaiamos um pouco e explico o conceito, mas depois perante a audiência as respostas são muito diversas.”



A influêcia do minimalismo

Em 2008, quando os Portishead lançaram o seu último álbum de originais, Third, falámos com Geoff e Adrian e este dizia-nos que os compositores da escola minimalista haviam sido uma das influências desse disco. “É verdade, principalmente Steve Reich, que é aquele que conheço melhor desde sempre”, afirma. Mas nos últimos anos foi descobrindo Terry Riley em parte graças às suas colaborações com Will Gregory (Goldfrapp). “Quando trabalho com Will faço-o no contexto da música para orquestra e da música clássica contemporânea e trocamos imensa informação. Há muitos anos que oiço compositores da escola minimalista, mas essa peça em particular foi-me dada a conhecer nesse contexto. Quando a toquei, percebi-a de imediato, entrei nela sem dificuldade. Mas dessa vez eram muitos instrumentos diferentes. E comecei a pensar como seria executá-la apenas com guitarras e órgãos, para adquirir uma qualidade mais meditativa.”

Há dois anos apresentou a peça ao vivo e a reacção de público e músicos que participaram na execução foi entusiasta. Daí que tenha repetido, apesar de considerar que não é uma peça de fácil execução. “Algumas frases são difíceis, pela repetição que exigem, e para o colectivo funcionar é necessária uma grande concentração no som global. É uma peça caótica que exige ordem. Por outro lado gosto da ideia de um grupo de guitarristas entrar numa lógica de improvisação, dessa ideia de nos situarmos numa unidade apesar da diversidade de técnicas, escolas e de emoções.”

Mesmo que por hipótese tudo falhasse, existiria sempre uma dimensão social que valeria a pena. “É incrível poder falar com tantos guitarristas”, ri-se, lembrando todas as conversas tidas sobre o instrumento, as técnicas ou a afinação ao longo dos últimos anos no contexto de apresentação da peça de Riley.

“São experiências diferentes tocar com os Portishead – até porque a música é também da minha autoria o que exige outro tipo de relação – e fazê-lo no contexto da orquestra. Mas daí também retiro imenso prazer”, descreve, “porque em ambas as situações estou a tocar boa música com outros executantes.”

Duas das influências de Adrian Utley são os americanos Glenn Branca e Rhys Chatham, principalmente o primeiro, com quem já colaborou na execução de uma peça com nove guitarristas. “Foi o John Parrish que me introduziu à sua obra há muitos anos e desde então fiquei obcecado com o que ele fazia. É um homem incrível e tenho um enorme respeito por ele.” No entanto, frisa, apesar de Branca ser uma referência nuclear no seu percurso, não sente que a sua sombra esteja presente no trabalho que vem apresentar a Lisboa. “Esta peça não tem muito a ver com aquilo que Branca tem feito. Ele já tem trabalhado com 50 ou 100 guitarristas de uma só vez, mas interrogo-me como é que ele paga a toda a gente”, ri-se.

Para além da versão da peça de Riley, o guitarrista inglês encontra-se a trabalhar numa banda-sonora para um filme russo. Uma experiência que não lhe é estranha, tendo musicado, por exemplo, na companhia de Gregory, A Paixão de Joana D’Arc (1928), o histórico filme mudo do dinamarquês Carl Dreyer. Ainda este ano é possível que se reúna com Geoff e ambos comecem a trabalhar no quarto álbum dos Portishead. “Temos andado a falar sobre isso, mas não temos estado parados”, acrescenta de imediato, como se quisesse justificar o facto de em vinte anos o grupo apenas ter lançado três álbuns. “O ano passado andámos em digressão e as pessoas às vezes parecem esquecer-se disso.” Conclui: “Mas desta vez não vai ser preciso esperar dez anos para voltarmos a ouvir um novo álbum dos Portishead.” 

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