Orquestra XXI vai devolver os melhores músicos portugueses ao país

Projecto vencedor do FAZ – Ideias de Origem Portuguesa recebe 25 mil euros para contrariar o "empobrecimento cultural progressivo" e formar novos públicos.

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Diana Ferreira, João Seara e Dinis Sousa receberam o primeiro prémio do FAZ das mãos de Cavaco Silva

Dinis Sousa está em Londres há mais de seis anos. É um dos muitos músicos portugueses que, espalhados por alguns dos melhores conservatórios e orquestras do mundo, optaram por crescer e fazer carreira fora de Portugal. Quer voltar, mas não a tempo inteiro. Quer tocar no país que o viu nascer como pianista, mas continuar a evoluir no Reino Unido. Decidiu por isso criar um projecto que lhe permitisse fazer as duas coisas. Não só ele. Os outros, também.

A ideia surgiu há cerca de um ano e, nesta quinta-feira, conseguiu o derradeiro estímulo de que precisava para se concretizar: venceu o primeiro prémio do FAZ – Ideias de Origem Portuguesa, concurso da Fundação Calouste Gulbenkian e da COTEC – Associação Empresarial para a Inovação, e garantiu 25 mil euros para implementar o projecto. Em segundo (15 mil euros) ficou o projecto Fruta Feia e em terceiro (10 mil euros) o projecto Rés-do-chão.

A Orquestra XXI – assim se chama o vencedor – estreia-se 4 de Setembro no Porto, na Casa da Música. Nos dias imediatamente a seguir actuará no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, no Mosteiro de Tibães, Braga, e no Mosteiro da Batalha. As datas estão acertadas. Falta confirmar a presença dos cerca de 50 músicos que vão integrar a orquestra neste momento inicial, que terá continuidade na Páscoa de 2014, quando se voltarem a reunir para actuar.

São esses os planos, para já. Mas a Orquestra XXI veio para ficar. “Queremos que seja um movimento perene”, diz Diana Ferreira ao PÚBLICO. “Não com estes músicos sempre, mas com outros, com os mais novos que ainda estão a estudar, que ainda hão-de sair para terem mais estímulo e desenvolverem-se melhor”, continua esta promotora do projecto, a única que vive em Portugal – os restantes, Dinis Sousa, Ricardo Gaspar e João Seara, vivem em Londres.

“Inicialmente, a ideia era juntar os músicos que estão fora e criar uma orquestra que trabalhasse com certa regularidade em Portugal”, explica Dinis Sousa, o "visionário", na mesma conversa. “Entretanto, fomos desenvolvendo a ideia e o que queremos realmente é passar o testemunho do que estamos a fazer lá fora, trabalhar com os estudantes das academias e das conservatórias de cá, lado a lado.” O que pretendem fazer é chamá-los para os ensaios da orquestra e mostrar-lhes como se trabalha fora do país – “para partilharmos o nível de exigência a que estamos habituados”.

“A ideia é que alguns destes alunos que vão integrar este primeiro estágio possam tocar em alguns dos concertos futuros, a partir da segunda digressão”, complementa Diana Ferreira. E esta é uma característica do projecto com dois propósitos: por um lado, a partilha de conhecimento; por outro, começar a criar condições para que, no futuro, os músicos mais novos possam ficar permanentemente em Portugal e não sintam a necessidade de emigrar.

Mas não só. Há um problema muito concreto e presente a que a Orquestra XXI quer dar resposta. “A ideia é que, a longo prazo, os músicos que estão fora possam trabalhar em Portugal sem ter de desistir dos projectos que têm lá fora. É sempre o problema: os músicos saem, vão para fora trabalhar, têm grandes projectos e grandes carreiras, mas para voltar têm de desistir de tudo. Acaba por não haver um meio-termo”, lamenta Dinis Sousa.

“O que eu sinto e o que todos nós sentimos lá fora é que há um afastamento cada vez maior. Sinto que, sem esta iniciativa, provavelmente não vou poder trabalhar tão cedo em Portugal, estando já a fazer imensas coisas de que me orgulho imenso em Londres. Queremos trabalhar cá, mas é impossível voltar se não nos mudarmos para cá”, continua Dinis Sousa.

O director musical da orquestra acredita que o projecto vai “ajudar a renovar o tecido musical português e a manter parte do talento cá dentro”. “Exportamos constantemente talento. Os melhores vão quase sempre para fora”, diz. “Crias um empobrecimento cultural progressivo. Criamos gente boa, vai para fora, fica melhor, e não volta.” Diana Ferreira frisa que “isto não quer dizer que Portugal não tenha evoluído imenso”. “Nos últimos anos, o nível das escolas especializadas em música melhorou substancialmente. Isso já se nota no ensino superior. De qualquer modo, acabamos por ter sempre os melhores de todos lá fora.”

Para contrariar essa realidade, não basta olhar para os músicos – é preciso ter público. Estes jovens empreendedores sabem-no. E o projecto também passa por “chegar a públicos diferentes”, por “criar no público a necessidade de ouvir mais música”, afirma Diana Ferreira. “Há públicos muito específicos que estão habituados a assistir a concertos de música erudita, mas há uma enorme quantidade da população que ou nunca ouviu música erudita ou assiste a concertos que não os tocam. Para chegarmos à população que não está tão habituada, temos de fazer mesmo projectos de excelência. Com esses, vão ser inevitavelmente tocados e vão continuar a ouvir música”, conclui. “Queremos levar a música a mais pessoas.”

O júri do FAZ – Ideias de Origem Portuguesa era constituído por Filipe Santos (INSEAD), Simone Duarte (PÚBLICO, que apoia a iniciativa), Daniel Bessa (COTEC), Luísa Schmidt (Instituto Ciências Sociais), Pedro Oliveira (Universidade Católica Portuguesa), Tiago Forjaz (The Star Tracker) e Isabel Almeida Rodrigues (South Bank University). Os prémios foram entregues pelo Presidente da República, Cavaco Silva, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O vencedor da primeira edição foi o projecto Arrebita!Porto.

Leia na sexta-feira e no sábado sobre os projectos Fruta Feia e Rés-do-chão, segundo e terceiro prémios do FAZ – IOP

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