Jornalista, o especialista em coisa nenhuma

O chamado “rejuvenescimento” das redacções mais não é do que um eufemismo para mão-de-obra mais barata e com um sentido crítico mais permeável, consequência da precariedade dos recibos verdes

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pennuja / Flickr

As sentenças mais comuns sobre o emagrecimento a olhos vistos das redacções (tv, jornais, rádios, meios online) apontam para a falta de dinheiro e de paciência dos investidores da Comunicação Social para suportar os custos inerentes a formar e a preservar uma redacção com massa crítica suficiente para criar um produto jornalístico sólido, credível e apelativo.

Outros dedos há que preferem apontar para a pouca imaginação dos mesmos investidores, que tardam (ou falham) em apanhar o comboio das novas tecnologias para seduzir novos públicos.

Há, pois, leituras para todos os gostos. Não há é milagres. Menos lugares numa redacção (e não falo apenas de jornalistas, como também de profissionais competentes nas agendas, gráficos, etc.) tem como consequência lógica a diminuição da qualidade do produto final.

Longe vá a perigosa generalização, mas os conteúdos dos media atiram frequentemente o consumidor para a rama dos assuntos, relegando para segundo plano o espaço dedicado à análise, à contextualização e à pedagogia. O pretexto oferecido para esta forma de fazer jornalismo assenta, amiúde, no argumento de que “as pessoas têm pouco tempo” para ler, ouvir ou ver temas considerados maçudos. Não! Num universo de media cada vez mais compartimentado em segmentos dedicados a economia, desporto, arte, séries, filmes, "talk shows" e por aí adiante, acaba por ser paradoxal que haja cada vez mais meios a desinvestir no aprofundamento dos seus conteúdos.

A folha de Excel

Ora, como há menos dinheiro vivo a circular, face à abundância de outros tempos, os profissionais contratados têm de ser, forçosamente, menos pesados no caderno de encargos da empresa (a tal de folha de Excel). Como o conhecimento e a experiência devem ser recompensados na devida proporção, o chamado “rejuvenescimento” de parte dessas redacções mais não é do que um eufemismo para mão-de-obra mais barata e com um sentido crítico mais permeável, consequência da precariedade dos recibos verdes.

(Sublinho: não se fazem aqui generalizações, antes uma constatação transversal.) É neste particular que, acredito, os profissionais da assessoria de comunicação podem e devem ter um papel importante. Como já aqui referi, o assessor não deve ser visto como uma mera central telefónica e, acrescento, muito menos deve olhar-se como tal. Deve ser ele o primeiro agente a pensar a informação, esquadrinhando todos os possíveis ângulos de abordagem que sejam do interesse público. E digo do interesse público e não do interesse da organização para a qual trabalha, porque a primeira condição leva inevitavelmente à segunda e com resultados práticos bem mais sólidos.

Daí que, ao assessor de comunicação, se exija que reúna a melhor informação possível para fornecer ao jornalista, sendo certo que a triagem e o ângulo de abordagem são da responsabilidade deste, e que seja transparente nas suas intenções ao sugerir determinado trabalho. O trabalho dos spin doctors fica para outra altura…

Quando poucos têm de fazer o mesmo trabalho dos muitos que havia há um par de anos, uma parte significativa da classe dos jornalistas corre o risco de se tornar especialista em coisa nenhuma – o chamado “bombeiro” – mesmo estando adstrito à secção “A” ou “B”. Ao invés de banalizar o trabalho de um assessor de comunicação, os vários agentes envolvidos na construção de uma notícia melhor fariam se o valorizassem. O que, ao mesmo tempo, lhes acarretaria maior responsabilidade no desempenho da profissão. 

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